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Análise | Assassin’s Creed 3

Depois da saga de Ezio Auditore (da Firenze!) na trilogia composta por Assassin’s Creed 2, Brotherhood e Revelations, muitos se perguntaram: quem seria o novo protagonista encapuzado? Ezio tinha um charme que facilmente  conquistava a audiência, sendo aquele tipo do “protagonista rebelde e bem humorado” no início, para se tornar numa espécie de Batman da Renascença Italiana (não à toa, Roger Craig Smith, dublador de Ezio, dublou um cavaleiro das trevas mais jovem em Batman Arkham Origins, de 2013). Seu diferencial era seu sotaque italiano exagerado. O personagem consta como o melhor protagonista da série nas listas de muitos fãs. “Tão bom quanto o Ezio?” é o que perguntam os fãs a cada episódio da franquia. Resumindo, o personagem marcou os gamers. E assim voltamos ao questionamento: quem seria o novo protagonista? Seria tão bom quanto Ezio?

Com licença, que vou polemizar: Connor Kenway é, em muitos aspectos, um personagem melhor que Ezio Auditore. Connor, um nativo-americano, tem uma trajetória de tragédia muito melhor desenvolvida que seu predecessor, tanto pela dramaturgia quanto pelo contexto histórico de seu povo. Tanto Ezio quanto Connor perdem pessoas muito próximas no estágio inicial de suas aventuras. Mas o que torna a tragédia de Connor mais impactante é a forma como esse estágio inicial se desenrola. AC2 chegava ao ponto de tragédia em no máximo duas horas, enquanto AC3 leva seu desenvolvimento lentamente, até ao menos 4 ou 5 horas de jogo. Um dos motivos é o protagonismo limitado de Haytham Kenway nas primeiras horas de jogo. Haytham, pasme, é um templário, que viajou da Inglaterra para a América do Norte, à procura de um dos “pedaços do Éden”. Em meio às suas curtas aventuras, conhece uma nativa-americana, que o ajuda em sua busca. Quando Haytham volta para seu país de origem, tal nativa está grávida com seu filho, que conheceremos como Connor.

Nesse prólogo gigantesco de horas de duração, temos então a busca de Haytham pelo pedaço do Éden, a infância e adolescência de Connor, e sua iniciação como assassino. A tragédia começa na infância, quando a aldeia de Connor é queimada, causando a morte de sua mãe. Na adolescência, um andarilho, se depara com um homem mais velho, chamado Achilles. Achilles o acolhe e o treina, fazendo parte do Credo dos Assassinos (convenhamos, um nome ridículo). Connor cresce e então, finalmente, vemos aquele homem que estampa a capa do jogo. À partir de sua vivência inteiramente difícil, desde a ausência de um pai, passando para sua perda, até o treinamento rigoroso de assassino, o Connor relativamente alegre e aventureiro do passado está perdido, no seu lugar um homem amargo e cético. Se começássemos nesse momento, a amargura de Connor seria simplesmente entediante.

Porém o longo prólogo constrói muito bem tudo isso, trazendo certa satisfação para quem ainda não desistiu do jogo (digo isso pois, na época, o que mais vi foram reclamações sobre como o prólogo era chato e pessoas afirmando que haviam desistido de continuar o jogo). Não pretendo falar muito à fundo sobre o resto da trama, exceto por alguns detalhes como: a trama de Desmond Miles, no presente, tenta construir um drama pessoal com sua relação paterna e o possível “fim do mundo”, porém nunca atinge um ponto satisfatório e termina num final abrupto, corrido e enfurecedor.

O jogo abre após o prólogo, e finalmente exploramos o mundo aberto com suas diversas atividades disponíveis. Temos as missões principais, que variam de envolventes a desastradas à incrivelmente incompetentes (vulgo as missões de “eavesdropping”, onde você segue um alvo e escuta suas conversas, escondido); as side missions, que vão desde as diversas missões de renovação do terreno de Achilles, nas quais você conhece diversos personagens carismáticos e não carismáticos, até a investigação de lendas “urbanas” (que começam ao sentar em uma mesa de taverna ou ao redor de uma fogueira nas florestas, escutando o que caçadores tem a dizer) e a busca de diversos tesouros de “Pegleg”, algumas delas levando à cenas de ação espetaculares.

Temos também a exploração de subterrâneos (que deixam a desejar se comparadas às outras missões desse jogo e dos anteriores) e um número gigante de colecionáveis, sejam nas cidades de Boston, Nova Iorque ou as florestas. Mas a maior adição em meio às atividades é, sem dúvida, aquilo que viria a gerar um jogo inteiro na sequência: o combate naval. Connor, em certo ponto do jogo, maneja um navio, participando de campanhas de guerra navais em meio à Guerra da Revolução, que garantiu a independência dos Estados Unidos em 1776.

Não só há missões de história que se utilizam dessas mecânicas de gameplay como também há um número considerável de side missions, que envolvem a simples DESTRUIÇÃO de outros navios e o ataques à fortes militares. Diferente da futura (ou passada, na cronologia) aventura de seu avô Edward Kenway, o uso do navio não é realizado em um mundo aberto interconectado, mas sim em áreas separadas e lineares. Curiosidade: o segundo em comando de Connor no navio é dublado por Kevin McNally, ator que interpretava o segundo em comando do Capitão Jack Sparrow na série Piratas do Caribe. Isso e a trilha de Lorne Balfe, aprendiz de Hans Zimmer ( que compôs a trilha de Piratas), dão uma sensação de familiaridade.

Ou seja, Assassin’s Creed 3 é certamente um projeto ambicioso, que se sucedeu em muitas de suas mudanças (como na maior construção de mundo em suas missões, história e a boa evolução gráfica da engine Anvil Next ) e falhou em outras (como as ainda presentes missões de “eavesdropping”, alguns campos de batalha desastrados nas cenas de guerra de infantaria e o final absolutamente insatisfatório da aventura de Desmond Miles que, honestamente, já estava ficando sem gás).

Uma coisa é certa: AC3 é um dos poucos capítulos da série que realmente mudou as coisas (ou tentou mudar). Teve um ar de inovação e de maior coragem em tomar riscos, seja na maneira deliberada que a história começa sendo narrada ou um protagonista mais duro e sério, compreensivelmente assim. No entanto,  o que faz de AC3 um de meus jogos preferidos da série? Além dessa coragem e narrativa mais polida, o grande motivo é a história. Não a história do começo, meio e fim, mas a história que vemos em documentos, museus. Não sabia muito sobre o contexto dos Estados Unidos em torno de sua guerra de revolução e independência. As únicas coisas que escutava sobre George Washington era que era bom e honesto e que cortou uma árvore por algum motivo.

Mas o que vi em AC3? A constatação de que Washington, antes de sua presença na revolução por independência, era o típico militar que queimou aldeias indígenas. Era chamado de “Destruidor de Aldeias” pelos nativos Iroquois. Aliás, em outro detalhe da trama, Connor descobre que sua aldeia foi uma das que Washington queimou. A série Assassin’s Creed sempre teve uma proposta de subverter as narrativas históricas construídas pelos vencedores e até mesmo os perdedores (como em Unity). Mas é em AC3 que temos o maior e mais corajoso exemplo disso, onde um jogo olhou para os Estados Unidos, criticamente, em meio a um período de eleição (final de 2012, Obama vs Romney), onde um país assumia maniqueísmos, e narrou a história complexa de um nativo-americano em meio a um dos momentos definitivos do país do ocidente no geral.

É esse apreço pela complexidade das narrativas históricas que diferencia a franquia da Ubisoft e ainda mais AC3. Isso é, exceto por todo o parkour e quedas gigantescas amortecidas por feno. Esses detalhes são só diversão mesmo.

Texto escrito por Júlio Vechiato

Redação Bastidores

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