Criar uma nova propriedade intelectual sempre é um desafio. Tanto no cinema quanto nos games, temos tantas iterações de franquias consagradas como Resident Evil, God of War, Grand Theft Auto, Assassin’s Creed porque simplesmente é muito mais seguro apostar em uma marca conhecida que já conquistou seu espaço no mercado e que certamente terá chance maior de lucrar.
Por isso que hoje, mais do que nunca, temos tantas sequências e poucas obras originais. Em 2010, a falida THQ decidiu emplacar uma nova marca que precisava se tornar o pedigree da empresa. Bebendo de muitas, mas muitas fontes como Zelda, Devil May Cry e God of War, assim nasceu Darksiders, um game que conseguiu colher tantos frutos que acabou rendendo duas sequências, sendo o terceiro episódio da saga chegando agora em novembro de 2018.
Particularmente, tenho uma história com esse game. Desde a época do Xbox 360, tentei jogá-lo até o final, mas sempre acabava empacado em algum canto ou simplesmente acabava desistindo de alguma forma. Foram várias as vezes que comecei esse game do zero mas sempre terminava largando. Agora, quase uma década inteira depois, revolvi enfim zerar esse bendito jogo e para a minha surpresa, até hoje se trata de uma experiência agradável.
Final Countdown
Como muitos já devem saber, em Darksiders controlamos Guerra, um dos quatro Cavaleiros do Apocalipse. Atendendo ao chamado do fim do mundo, com as legiões do Céu e Inferno se digladiando na Terra e eliminando a raça humana, Guerra intervém no Apocalipse apenas para descobrir que alguém adiantou o evento fatídico do universo.
Os sete selos necessários para iniciar o fim do mundo não foram quebrados e, portanto, houve uma trapaça burocrática no sistema do acordo de paz entre as partes. Com a culpa caindo diretamente em seu nome, Guerra é sumonado pelo Conselho, criaturas dotadas de grande poder que visam restaurar o equilíbrio no universo. Tentando provar sua inocência, Guerra propõe que volte à Terra e tente descobrir o verdadeiro responsável por ter despertado o Apocalipse antes do tempo.
Aceitando a proposta, o Conselho mantém Guerra bastante controlado e enfraquecido pela entidade demoníaca chamada Observador – dublado com competência pelo ótimo Mark Hamill. Retornando à Terra, mais de um século se passou desde o Apocalipse e a humanidade já foi dizimada. Para conseguir combater o Destruidor, a entidade maligna que comanda o planeta, Guerra precisará se aliar ao demônio Samael que ordena ajuda para reaver seu poder. Com isso, Guerra parte em busca de corações negros para ajudar seu consorte.
Apesar dos games já na época estarem muito bem desenvolvidos em termos de narrativa entregando histórias memoráveis com personagens incríveis, Darksiders traz apenas uma narrativa boa que mantém o interesse do jogador vívido o suficiente para a conclusão. Guerra é um protagonista de poucas palavras e geralmente monocórdico e apático, se expressando muito pouco ao longo do game.
Como durante a maioria do jogo, controlamos o personagem em fetch quests que estruturam a narrativa, não existem oportunidades maiores para desenvolver sua personalidade sempre aborrecida. Mesmo durante os encontros com chefes e outros personagens importantes, raramente temos algo que desperte o interesse do jogador em relação ao protagonista. Somente no final que ele se destaca, mas através de uma trapaça bastante óbvia.
Os que mais chamam a atenção são Vulgrim, o mercador que te auxilia na jornada, e Ulthane, um gigante que forja algumas das armas mais poderosas do game. Nem mesmo os antagonistas conseguem chamar a atenção, mas, ao menos, os acontecimentos da narrativa conferem as reviravoltas necessárias para transformar heróis em vilões e vice-versa.
Até mesmo com Samael, o demônio que ajudamos por mais da metade do jogo, o roteiro deixa as questões em aberto. O personagem some após reaver seu poder sem deixar maiores explicações. No geral, temos muito desse teasing, essa promessa para algo maior e misterioso que não podemos vislumbrar nesse game.
Também não ajuda muito que depois de finalizarmos a quest de Samael, o game tropece significativamente em seu ritmo, se arrastando até o final em missões repetitivas, além de forçar um backtracking desnecessário até enfrentarmos o chefão final.
As Fontes da Inspiração
O que chama a atenção em Darksiders é seu gameplay muito inspirado. Mesclando tendências de jogos já citados para realizar seu game design, temos uma complexa rede de equipamentos, armas, localidades e acessórios para utilizar ao longo do jogo. Os níveis são distribuídos em um mundo semi-aberto, mas totalmente linear não permitindo que o jogador se perca frequentemente – há o auxílio de um mini mapa também.
Nas possibilidades de 2010 em um jogo de orçamento médio, o mundo de Darksiders é satisfatório oferecendo fases e localidades bastante distintas umas das outras sendo algumas até mesmo inspiradas em Castlevania e outros títulos mais clássicos. Desde o começo do jogo, percebe-se que os desenvolvedores são completamente apaixonados pela arte de fazer vídeo games e que são jogadores de longa data.
Já em seu início, é fácil começar a quebrar a cabeça para resolver os muitos puzzles desafiadores que temos que driblar para prosseguir no game. A cada novo ato ou chefe, Guerra ganha novos acessórios como uma lâmina giratória, uma garra e até mesmo uma arma de portais que são aplicados nos cenários como peças necessárias para solucionar os quebra-cabeças. Até hoje, muitos são inspirados e bastante difíceis.
Enquanto temos essa vasta gama de locais e acessórios para utilizar, o mesmo não pode ser dito em questão de combate. Pelo mapeamento dos controles, o único botão de ataque padrão que temos é o X/Quadrado, permitindo sempre a mesma sequência de golpes com algumas variações simples. É fato que há armas secundárias que trazem outra dinâmica, mas também logo envelhecem rapidamente.
Felizmente há uma gama expressiva de inimigos que quando se repetem, aparecem com outras cores e efeitos para indicar novos graus de dificuldade. Em particular, todas as batalhas contra chefes são excelentes, um dos grandes pontos altos do game. As novidades que mudam fundamentalmente o gameplay com a adição de novos poderes, magias e artefatos místicos ajudam muito no ritmo do jogo que consegue se estender até 18 horas de jogatina.
Aliás, é importante mencionar que o grau de dificuldade é relativamente elevado em comparação com outros games do gênero. Como havia dito, há muito backtracking em Darksiders, mas aqui é feito aos moldes de Zelda, ou seja, retroceder nas áreas que o jogo exige sempre dará uma nova oportunidade de explorar áreas inacessíveis anteriormente – umas guardam peças de uma armadura lendária e outras permitem melhorias de atributos como saúde e magia (denominada como Fúria).
O design todo é concebido pelo criador da franquia Joe Madureira. Apesar de ser um artista de traços únicos, é notável que aqui os personagens foram inspirados no trabalho artístico da Blizzard com games como Diablo e Warcraft. A mistura, inegavelmente, deu bastante certo já que o visual do game é um dos seus pontos fortes.
Conquistando na Guerra
Com a falência da THQ, era improvável que teríamos mais jogos da franquia, porém o destino é algo misterioso. Quando a THQ foi adquirida pela Nordic, em questão de pouco tempo Darksiders foi remasterizado para a geração atual de consoles, apresentando novos jogadores a uma marca que poderia ter sido esquecida com certa facilidade.
Trazendo melhorias na performance e nos gráficos, Darksiders: Warmastered Edition certamente é o modo ideal para estrear essa franquia. O jogo é sim muito bom, possui uma história intrigante e conta com um sistema de combate bastante funcional. O destaque certamente fica para os quebra-cabeças impressionantes que o game oferece em meio a sua destruição do hack n’ slash. Com o lançamento do terceiro game em breve, vale a pena dar uma conferida para ver como essa história começou.
Darksiders: Warmastered Edition (EUA – 2010/2016)
Desenvolvedora: Vigil Games/Gunfire Games
Estúdio: THQ/THQNordic
Gênero: Hack n’ Slash, Aventura em terceira pessoa
Plataformas: Xbox 360, PS3, PS4, Xbox One, Wii U, PC