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Análise | Dead Rising 4

Há muito carinho e afeto por Dead Rising. A IP inicialmente exclusiva para o Xbox 360 em seu começo de ciclo de vida chamou muita atenção pela incrível proposta de renderizar centenas de personagens ao mesmo tempo para provocar uma real sensação de apocalipse zumbi. A pegada realista foi muito além do que o prometido apenas com os zumbis amontoados em um shopping.

A proposta da franquia era se distanciar ao máximo de marcas já consolidadas como Resident Evil – também pertencente à Capcom. O timer que limitava a aventura em 72 horas in game, os múltiplos finais, os extras pós-jogo, a possibilidade de usar praticamente tudo no cenário como arma para destroçar zumbis e os psicopatas excêntricos que ficavam pelo caminho.

Ao longo de uma década com 3 sequências e alguns spin-offs, Dead Rising sempre inovou para chamar seus fiéis jogadores de volta. Seja na construção de armas específicas (combo weapons) que juntavam dois instrumentos para criar um item ainda mais poderoso, na junção de dois veículos comuns para criar uma terrível máquina de destruição ou agora, em Dead Rising 4, com uma montanha de novidades.

De volta ao Lar

Frank West is Back! Eis o principal mote de Dead Rising 4. O carismático fotojornalista retorna para a matança de zumbis que ele e nós tanto gostamos. Após cair em uma trapaça de sua aluna, Vicki, Frank descobre que uma organização paramilitar está envolvida em uma conspiração com zumbis. Acreditando que o vírus estava erradicado, o governo chama Frank para retornar a Willamette, cidade fictícia no Colorado, pois novamente houve um surto zumbi na cidade.

Traído pela aluna que o sabotou em uma reportagem, Frank está louco por mais um furo que lhe renda milhares de dólares assim como aconteceu com sua primeira história em Dead Rising. Revivendo seu pesadelo, o helicóptero em que estava a bordo é abatido por um míssil e ele acaba preso, novamente, no shopping da cidade. Porém, sua aventura será ainda maior, pois descobrirá que a fonte do problema está fora, nos territórios urbanos de Willamette.

A narrativa de Dead Rising sempre conseguiu mover o jogador para concluir suas missões no tempo certo para solucionar o mistério da narrativa. O mesmo acontece aqui. Porém sem o brilho dos personagens secundários de outrora. O que nos prende mesmo é o excelente personagem que é Frank West, agora um pouco mais velho e muito mais sarcástico.

Com Dead Rising, nunca houve uma enorme preocupação em contar uma narrativa verdadeiramente cinematográfica. Embora esta 4ª empreitada da franquia largue muitos vícios dos antigos jogos e se aventure mais na história, ainda não é aquele esquema de storytelling que estamos acostumados a ver em outros jogos sandbox.

O desenvolvimento de personagens também é razoável, já que nos concentramos muito em Frank que está muito similar ao Ash de Evil Dead – referência mais que óbvia e bem-vinda. Há uma tentativa de mostrar o protagonista deixando de ser egoísta e prepotente, em desenvolvê-lo até uma catarse. Um detalhe interessante é que as clássicas personagens muito sexualizadas desapareceram completamente.

Também temos antagonistas fixos para substituir os psicopatas que possuem motivações próprias oferecendo respostas hilárias para justificar a origem do segundo surto em Willamette.

Fora isso, o negócio é se divertir muito com as piadas bem elaboradas de Frank e seguir o rumo da história despretensiosa. Alguns arcos dos sete capítulos que moldam a narrativa podem ser um pouco enfadonhos, principalmente um que acompanha alguns sobreviventes em uma fazenda nos arredores da cidade. Porém, o mais decepcionante da narrativa do jogo é sua conclusão muito anticlimática nos deixando com um belo ponto de interrogação graças ao cliffhanger que deve ser respondido com uma dlc paga – segundo rumores.

Todo o tempo do mundo

Uma das decisões mais controversas entre os fãs e uma que eu recebi com muita felicidade, foi a queda do bendito timer que limitava muito a experiência do jogador mais casual. Aqui, podemos livremente explorar todo o gigantesco mapa do game, incluindo o novo enorme shopping de Willamette. Temos 4 territórios que variam entre complexos militares, zonas urbanas, “rurais”, esgoto, sítios de construção e subúrbios luxuosos.

A melhor característica da narrativa é que ela te força a visitar essa diversidade de cenários para a conclusão do game. Mesmo que o game não possua uma grande variedade de objetivos, essa cadência certeira de exploração diversificada anima muito, pois a construção de cada um dos lugares é bastante detalhada, interativa e interessante.

Com a ausência desse recurso, o jogador fica livre para explorar esses lugares em busca de colecionáveis diversos, novos mapas de construção de armas e veículos ou registros para o diário de Frank. Mantendo algumas características de Dead Rising 3, podemos montar as armas especiais em qualquer local, até mesmo com uma das peças livres no cenário, sem ter a necessidade de possuir as duas no inventário. São mais de 50 combinações como espadas flamejantes, de gelo, machados elétricos, clavas carregadas de ácido, luvas elétricas, marretas explosivas, etc. Uma infinidade de conteúdo que com certeza te deixará muito curioso para desbloquear tudo.

Os combos de veículos não foram desencorajados, mas certamente custam maior tempo para encontrar as duas partes. Também há combos de armas de fogo como armas que disparam ácido, bestas de fogos de artifício e pistolas com sinalizadores incendiários. O legal de usar essas armas, além da maior resistência até quebrarem completamente, é o efeito que causam nos zumbis. Eles são eletrocutados, pegam fogo, congelam, explodem, são cortados de diferentes maneiras, é um tremendo poder destrutivo nas mãos do jogador.

E, acredite, é ótimo destroçar hordas e hordas de zumbis com essas armas. Aliás, a multidão nesse Dead Rising está de cair o queixo. São incontáveis NPCs vagando no mapa e, obviamente, a inteligência artificial agressiva é ativada com Frank a poucos metros deles. Como a infecção deste jogo é um pouco diferente das dos anteriores, os zumbis não ficam mais agressivos à noite, mas existem recém-infectados que cumprem esse papel. Também há os Evo-zombies, zumbis mais rápidos, fortes e agressivos que resistem a muito dano. Pena que aparecem apenas em punhados e não oferecem muito desafio para serem derrubados.

Como havia dito, os psicopatas cederam o espaço para os antagonistas da trama que são poucos. Porém, em missões opcionais, ainda há uma dose bem diminuta daqueles psicopatas clássicos da trilogia original – fique atento aos chamados de Paula no rádio. Em compensação, há muitos inimigos humanos da organização paramilitar. Apesar de nem tão brilhantes, existe uma segunda classe de inimigos, esponja de balas, que carregam lança-chamas ou metralhadoras. Esses dão sufoco ao jogador.

Aliás, o controle para armas de fogo está muito mais calibrado rendendo ótimos momentos de tiroteio no game.

Porém, em certos momentos, temos a oportunidade de utilizar o querido exo suit, um exoesqueleto, que podemos vestir. Isso muda um pouco as regras do balanceamento – ainda equilibrado, como sempre. Podemos carregar armas que normalmente Frank não conseguiria como as metralhadoras, sinais de trânsito, marretas gigantes, postes com concreto, entre outros. O verdadeiro potencial do Exo Suit só aparece quando encontramos uma caixa que os aperfeiçoam.

Todo o potencial de destruição vem quando vestimos essas melhorias e assim como as armas combo, eles unem armas de fogo com armas de contato direto. Uma das melhores é a união do Exo Suit com uma máquina de raspadinhas. O combate direto congela os zumbis e a arma secundária dispara estalactites afiadíssimas de gelo nos inimigos. É muito divertido mesmo. Nesse trecho consegui o maior combo de sequência de ataques: 2000 golpes. Há essa facilidade para encarar inimigos comuns quando vestimos o exoesqueleto.

Aliás, após atingirmos um certo número de golpes, Frank consegue realizar movimentos especiais se apertarmos Y+B ao mesmo tempo. São diversas animações brutais para executar zumbis.

Zombie Paparazzo

Uma das principais novidades é o uso mais ativo da câmera de Frank para a mecânica do jogo. Podemos tirar selfies, fotografar inimigos, corpos mutilados, explosões e pessoas de interesse para a narrativa. Porém, o ponto principal é fazer o trabalho de fotojornalismo do protagonista.

Em certas seções do jogo, é ativado um modo de investigação. Nele, usamos a câmera para fotografar pontos importantes do cenário para que Frank consiga dar sequência a sua matéria. Às vezes somos obrigados a utilizar um filtro de visão noturna ou de calor para achar as pistas certas. É um modo que lembra bastante a mecânica dos jogos Batman Arkham então é difícil fazer besteira nessa escolha dos desenvolvedores.

Outro ponto interessante é a física do jogo. Conforme atropelamos muitos corpos, o carro recebe dano e desacelera – mesmo assim, a dirigibilidade dos veículos é muito responsiva e adequada. Frank continua o mesmo lerdão de sempre então ficar encurralado sempre é uma má ideia. Dependendo do tamanho da arma de combate próximo, também há um esforço para Frank manejá-la. A corrida, além de ineficaz, consome muita stamina – zerando a barra, o personagem desacelera para descansar.

Um dos bons pontos é a carnificina. Dá para pintar as ruas de Willamette de vermelho graças ao festim de sangue que esse jogo é. O mesmo acontece com as roupas de Frank que sempre respondem interativamente com o nível de carnificina. Aliás, essa característica principal da franquia foi expandida aqui. Há uma infinidade de opções de guarda-roupa para vestirmos Frank: desde cavaleiro medieval até figurinos de outros personagens clássicos da Capcom.

Também interessante notar outras escolhas da Capcom Vancouver para facilitar um pouco a vida do jogador, além da ausência do timer. Sempre há muita abundância de comida ou kits de primeiros-socorros em seções mais desafiadoras do game. A função de fast travel é bem resolvida com os postos de casas-seguras. O salvamento do game está completamente automático. As armas demoram mais para quebrar, entre algumas outras coisas.

Há a árvore de habilidades que mostram certo flerte do game com RPGs. É um ótimo esquema de melhorias diversas que custam sempre 1 ponto de experiência – algo bastante democrático por sinal. Para nivelar, certas habilidades requerem níveis mais altos ou habilidades previas para serem desbloqueadas. O impacto das melhorias é sentido na hora que compramos então tome cuidado se não quiser facilitar muito a experiência – só há um nível de dificuldade no jogo. A apresentação dos menus também é satisfatória apesar de pouco criativa.

Em relação a Dead Rising 3, a navegação pela cidade ficou muito mais compreensível com o auxílio de mapas melhores desenhados, além da construção do lugar ser muito mais cuidadosa. É um mundo aberto mais feliz na sua realização. Aliás, temos ciclos de dia-noite, mudanças climáticas e a sempre presente decoração natalina, afinal o surto ocorreu em plena black Friday para comemorar a inauguração do novo shopping. São toques que deixam o jogo mais bonito e com mais personalidade.

No trato gráfico, Dead Rising 4 não é um manjar para os olhos, mas ainda é um jogo bastante bonito. Há efeitos de iluminação elaborados e a interatividade com os cenários sempre é um grande diferencial. Em ocasiões certas, é possível se encontrar admirando um pouco a beleza do jogo ou da massa de zumbis se movimento a distância.

Mas isso não exclui os problemas técnicos que o game carrega consigo. A taxa de quadros oscila consideravelmente em momentos de maior exigência de hardware – isso ainda na versão de PC com uma GTX 980ti, uma placa que dá conta do recado tranquilamente. Serrilhados, sombras, texturas atrasadas estão presentes, mas raramente surgem. Há bugs mais graves como o frequente de atravessar objetos como carros ou de vermos zumbis presos dentro de paredes ou algo do tipo. Porém nada que encontrei consegue quebrar o jogo te forçando a reiniciar tudo.

Um dos melhores pontos do game é sua trilha musical que certamente deve ter sido muito pouco citada até agora. São mais de 4 horas de músicas escritas por diversos compositores o que garante uma pluralidade de estilos, apesar de todas elas serem instrumentais de escola clássica com requintes modernos. A trilha consegue capturar os momentos certos para elevar a sua tensão ao extremo em passagens mais intensas. A diversidade de temas é tão grande que consegue ter seu próprio estilo, sempre inclinado ao terror, mas com requintes de Danny Elfman até Bernard Herrmann. Enfim, brilhante trabalho para a trilha original do jogo que já está disponível no Spotify.

Para o bem ou Para o mal

Dead Rising 4 não chegou tão bem recebido pelos fãs de carteirinha da franquia. A escolha arriscada de remover as características que muitos consideravam como o pedigree da franquia acabou sendo acertada para uma nova gama de consumidores que nunca visitaram Dead Rising por conta da dificuldade imposta pela mecânica.

Apesar de reconhecer que o game ficou sim mais casual, achei as mudanças bem-vindas. Uma pena que a Capcom não tenha inserido esses recursos como opcionais para o jogador mais aficionado. Em linhas gerais, temos um ótimo jogo aqui que consegue se manter renovado mesmo depois de uma década de existências e quatro incursões canônicas.

Na minha experiência, a campanha consumiu 12 horas de jogatina, terminei no nível 50 e com mais de 10 mil zumbis trucidados. Porém, a quantidade absurda de conteúdo opcional facilmente joga essa duração total para mais de 20 horas de jogo. É um bom exclusivo da Microsoft que vale a pena ter na coleção.

Para o bem ou para o mal, Dead Rising 4 é o que é. E posso afirmar que se trata de algo muito divertido e sanguinolento.

Pontos positivos: narrativa interessante, sandbox bem-feito, hordas inacreditáveis de zumbis, novos inimigos, excepcional trilha musical, sistema de crafting muito convidativo, diversidade de armas e veículos para construir, gore e violência marcantes, senso de humor refinado, bom tempo de jogatina, diversidade de cenários, clima natalino, totalmente em português, novas escolhas de mecânica e dublagem.

Pontos negativos: bugs gráficos, ocasionais problemas de textura e quedas de framerate, final anticlimático, poucos psicopatas, curva de dificuldade descendente, poucos personagens marcantes, falta de opções de recursos clássicos de mecânica para jogadores mais exigentes e variação rasa de texturas e modelos para inimigos: zumbis ou humanos, sem opção co-op para a campanha, modo multiplayer pouco inspirado.

Essa análise foi feita com uma cópia gentilmente cedida pela Capcom.

 

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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