em

Análise | Prey (2017)

Em 12 de junho de 2016, a Bethesda Softworks anunciou na feira de jogos eletrônicos E3 um reboot de Prey, lançado em 2006 e desenvolvido pela Human Head Studios. Ao me deparar com tantos artigos da mídia estabelecendo elos entre Prey e System Shock 2 fiquei muito feliz e ansiosíssimo para jogá-lo. Os immersive sims (simuladores de imersão) representam uma sub categoria já muito restrita de jogos digitais mas que, felizmente, é muito bem preenchida, com obras como o clássico Bioshock, Deus Ex e Dishonored.

Minha jornada em Prey, no entanto, foi provavelmente uma das mais decepcionantes e frustrantes na minha vida como gamer, provavelmente por causa das altas expectativas que orbitavam o jogo e com certeza por conta dos problemas envolvendo a jogabilidade no Playstation 4. Embora não seja péssimo, está longe de ser bom, resumindo-se a uma experiência medíocre pontuada por inconsistências no design e virtudes ocasionais embalados em belíssimos cenários.

ALIENS!

A protagonista (ou “o”, dependendo de qual gênero for selecionado) é Morgan Yu, voluntária de uma série de experimentos cuja finalidade é incrementar a raça humana. Os mesmos estão sendo supervisionados por seu irmão mais velho, Alex Yu, o qual é um correspondente da empresa de alta tecnologia TransStar.

O decorrer do início é pacífico e lento, servindo como uma espécie de tutorial no qual pode-se perambular pelo quarto de Morgan e interagir com diversos objetos e mobília, aprendendo-se os comandos mais básicos de acordo com o ritmo do jogador e de modo não intrusivo, aspecto muito bem vindo diante do péssimo hábito da indústria de arremessar caixas de texto pela tela a todo momento.

A paz reina por pouco tempo e começa então uma jornada pela sobrevivência, marcada por intensa paranoia. Após uma reviravolta na trama, Morgan encontra-se a bordo de uma estação espacial chamada Talos I, a qual está infestada por uma espécie alienígena chamada Typhon.

Os Typhon são os antagonistas primários do jogo, e o soldado mais mundano na hierarquia deles é o mímico, uma espécie de gosma escura com tentáculos capaz de mimetizar qualquer objeto cotidiano, como cadeiras e xícaras de café. Isso significa que deve-se desconfiar de todo o cenário no início de Prey, embora esse aspecto perca relevância mais tarde.

Após uma introdução espetacular, Prey começa a salientar todas suas deficiências consecutivamente, tornando o que poderia ter sido uma jogatina excelente em, no máximo, razoável.

PARECE BIOSHOCK

Prey é um aglutinado de ideias previamente trabalhadas em títulos tais quais Bioshock, System Shock 2 e o próprio Dishonored, como citado antes. Embora as “inspirações” não pudessem ser mais óbvias, a pretensão está no modo como o jogo se agarra a essas ideias para construir sua base de mecânicas e se auto intitula “inovador”, por meio das enormes caixas de diálogos nas quais são apresentadas ferramentas e recursos como se fossem conceitos fresquinhos.

Uma chave inglesa? Familiar, não? Habilidades sobre humanas? Fases temáticas? O problema não está realmente na busca de repertório em jogos mais antigos, mas na aplicação quase idêntica das mecânicas neles trabalhadas e, principalmente, na falta de aprofundamento das já existentes.

Bioshock fez seu dever de casa ao desambiguar novas maneiras de utilizar conceitos mal trabalhados em System Shock 2, como, por exemplo, acelerar o ritmo do combate por meio de alta mobilidade do personagem – e dos próprios inimigos – e rapidez de troca entre armas e habilidades. O resultado foi confrontos dinâmicos pontuados por trocas de tiro e disparos de poderes, sem abrir mão de fatores estratégicos como fraquezas elementais, posicionamento e utilização do cenário.

Prey tenta reproduzir alguns desses aspectos, mas gagueja terrivelmente. Embora não cometa erros o tempo todo, o problema principal está na inconsistência de design do jogo em geral, especialmente no que diz respeito à lógica de progressão e aquisição de neuromods – itens vitais ao desenvolvimento de Morgan – e que acaba por dragar outras características para baixo.

VOU TE MATEI

Embora o jogo não deixe isso claro, a princípio o combate em Prey nem sempre é uma opção. Enfrentar os mímicos pode ser extremamente frustrante, ainda mais no início, quando Morgan está isenta de habilidades e equipamentos, forçando-a ao clássico mano a mano utilizando a chave inglesa.

Logo de cara, está escancarado uma das coisas mais irritantes de Prey: o combate corpo a corpo. A única razão para a existência dessa mecância no jogo é a chave inglesa, que, por sua vez, parece existir apenas como ícone imortal de outros immersive sims. Ataques com a ferramenta consomem estâmina, os quais podem ser carregados para mais dano, porém diminuindo ainda mais a barra do recurso.

O problema, no entanto, não é o gerenciamento da fadiga de Morgan e sim o curtíssimo alcance da chave, tornando imprescindível estar colado ao inimigo para acertá-lo. Não só, a jogabilidade no PS4 é terrível, pois há um pequeno atraso nos comandos mesmo após uma atualização que amenizou o problema e a velocidade da câmera. Para piorar, os mímicos são pequenos e ágeis, executam saltos acrobáticos frequentemente, prendendo-se a paredes e posicionando-se atrás do jogador.

O uso de armas de fogo não melhora muito a situação, já que a escassa munição dos cenários acaba, em maior parte, nas paredes. O arsenal em si não é muito variado, sendo mais voltado para a utilidade do que dano, com destaque para a arma de estimação do jogo, o canhão GLOO.

Essa ferramenta atira uma espécie de mistura que solidifica em contato com superfícies, criando plataformas nas quais o jogador pode subir ou petrificando Typhons para despachá-los com mais facilidade. No entanto, seu uso é muito mais amplo, como apagar focos de incêndio, temporariamente desabilitar painéis eletrificados, bloquear uma passagem, etc.

Mesmo assim, a falta de balanceamento do jogo é desnorteante. A distribuição dos inimigos e o poder dos mesmos em certos pontos parece quase aleatória, mantendo a impressão de que o jogador nunca está preparado para os desafios no estágio em que está e os que virão. O que incomoda em Prey não é o alto grau de dificuldade, mas sim que o mesmo é resultado artificial de escolhas incongruentes de design.

A agilidade exigida para enfretar os Typhon simplesmente não existe. Grande parte deles se move de maneira imprevisível e muito rápida, dando verdadeiros bailes em Morgan e tirando grande quantidades de saúde até que possamos entender o que está acontecendo. Sem contar quando mímicos disfarçados simplesmente pulam no jogador, garantindo ataques gratuitos.

NEUROQUE?

Neuromods. Na história de Prey, neuromods são implantes neurais capazes de outorgar conhecimentos diretamente às memórias de um indivíduo, como os downloads de manuais em The Matrix. A nível de gameplay, são essencialmente a moeda para compra das habilidades de Morgan.

Existem diferentes árvores de habilidades, cada uma contemplando um estilo de jogo e é possível adquirir todas, se o jogador tiver paciência o suficiente. Digo “paciência” pois o maior furo de Prey é a falta de um meio garantido para a aquisição de neuromods. Maneiras de conseguir neuromods incluem a realização de quests, tanto primárias quanto secundárias, varrer os cenários de ponta a ponta na esperança de encontrar alguns e construí-los você mesmo.

O imbróglio é que os poderes e habilidades que Morgan pode adquirir são essenciais ao sucesso da jornada. Eles permitem contornar perigos do ambiente, derrotar inimigos (ou evitá-los), conseguir mais recursos, aumentar a eficácia de itens de cura, etc. Entretanto,  a falta de um inimigo com saque garantido de neuromods ao ser derrotado ou a impossibilidade de criá-los no início do jogo faz com que o desenvolvimento dessas habilidades seja lento e tortuoso, concedendo um aspecto de gameplay que, se estratégico, é forçado ao jogador quando ele deve ponderar muito bem acerca do que investir.

Isso acaba extendendo a duração do jogo ao tornar alguns segmentos praticamente instransponíveis sem o kit correto. E pior, não é nem um pouco divertido. Plasmids, os poderes em Bioshock, funcionavam pois havia um padrão definido para a obtenção de ADAM (moeda de compra dos plasmids): salvando ou matando as little sisters. Essa escolha de design permitia ao jogador, desde a primeira fase, se habituar com o sistema e considerar quando deveria arriscar-se a enfrentar os temíveis Big Daddies, sabendo que haveria uma recompensa no êxito.

Isso não parece se desenrolar nunca em Prey, já que neuromods vem e vão quase que aleatoriamente.  Em certo ponto da história Morgan consegue uma planta de fabricação de do item. Eu fiquei surpreso, já que o jogo de repente decidiu me entregar a capacidade de literalmente fabricar pontos de habilidade. Como uma pessoa que oferece um doce a uma criança e então, subitamente o arranca da mão dela, o jogo nos impede de construir além de uma quantia fixa de neuromods, ao que é oferecida uma quest secundária para destravar-se novamente a produção do item.

Para um conceito que tem um impacto tão profundo na jogatina, é uma falta de bom senso delegar sua funcionalidade ao acaso. Principalmente porque a maior parte das mecânicas de desenvolvimento de Morgan (plantas de fabricação, neuromods, armas, chipsets, etc) deveriam estar implantadas de modo pré ordenado, desde o início do jogo, facilitando o entendimento do mesmo.

Seria mais interessante o neuromod ser uma ferramenta abastecida com materiais de Typhons derrotados, como se fossem a experiência dos RPGs tradicionais, o que faria muito pela ordem de progressão do jogo.

PSICOQUE?

Há uma ferramenta que é adquirida em um ponto do jogo chamada Psicoscópio, uma espécie de visor que permite Morgan estudar Typhons e marcá-los para encontrá-los não importa onde estejam. Embora não muito prático, o dispositivo é muito útil e facilita um pouco os encontros com mímicos, já que uma vez analisados podem ser facilmente reconhecidos, mesmo quando disfarçados.

A grande utilidade do psicoscópio é que ele destrava habilidades Typhon por meio do estudo dos alienígenas. Elas compõe o núcleo de possibilidades para lidarmos com inimigos ou contorná-los (geralmente a segunda opção). Além disso, o aparelho também pode pesquisar máquinas como operadores – pequenos robôs voadores que podem restaurar a saúde, PSI e mesmo consertar a armadura de Morgan – e torretas, que atiram em Typhons. Elas também atacarão o jogador caso ele tenha adquirido uma certa quantidade de habilidades alienígenas, que o farão ser visto como Typhon pelas máquinas. Embora seja uma ideia interessante, apenas adiciona mais um empecilho numa jogatina já desnecessariamente punitiva e complicada.

Tanto o psicoscópio quanto a “armadura” de Morgan (o traje espacial) podem receber chipsets, itens que concedem capacidades passivas para a protagonista como regeneração de PSI (recurso para uso de habilidades Typhon), resistência à natureza de certos ataques (fogo, eletricidade, etéreo), varredura mais rápida dos inimigos, etc. Entretanto boa parte dos chipsets devem ser encontrados fora da rota principal, novamente levando quem estiver interessado em adquirí-los a uma caça ao tesouro pelas fases. Pelo menos podem ser trocados à vontade, sem necessidade de um intermediário para tanto.

SEMPRE RECICLE

Finalmente, um dos lados positivos de Prey: a capacidade de conseguirmos itens inúteis e transformá-los em materiais para a construção de armas, equipamentos, munição, etc. Durante o jogo Morgan pode pegar todo tipo de tralha, como cascas de frutas, circuitos queimados, papéis, etc, para levá-los ao reciclador, uma espécie de máquina que pode tornar esses objetos em recursos.

Existem quatro “moedas” para tanto: material sintético, orgânico, inorgânico e exótico. Alguns objetos podem conceder mais de um ao serem reciclados, tornando importante a tarefa de catar tudo que está espalhado pelos cenários. Essa é uma característica indispensável de Prey, já que estar bem preparado é essencial para evitar-se mais aborrecimentos no jogo.

Esses recursos podem então serem levados a um construtor, máquina que permite a fabricação de itens. É importante notar, no entanto, que só é possível fazer algo depois de encontrar a planta de fabricação correspondente. Infelizmente, a vasta maioria delas não está no  trajeto principal, forçando o jogador a revirar as fases se quiser se manter a altura dos desafios.

Curiosamente, muitas das plantas podem ser encontradas mais de uma vez – algumas mais de seis – o que pode ser interpretado como uma confissão discreta da Arkane que encontrar coisas específicas pelas vastas áreas de Talos I é uma tarefa da qual poucos estavam dispostos a se incumbir. Outro aspecto negativo no que toca a confecção de itens é que a distribuição de recicladores e construtores pelas fases é demasiadamente espaçada, fazendo com que frequentemente o inventário lote até que encontremos um lugar para dispor da tralha acumulada.

Outra observação relevante é que alguns itens são claramente superiores em termos  de utilidade a outros: a munição de escopeta e kits de saúde são os exemplo mais notórios. A escopeta é de longe a arma mais apropriada para todo tipo de encontro, causando grande dano e frequentemente derrubando oponentes, o que os deixa muito mais fáceis de enfrentar. Os kits de saúde, por sua vez, são relativamente raros de serem achados nas fases, merecendo atenção especial nos construtores.

PARKOUR NO ESPAÇO

A qualidade mais proeminente de Prey é, facilmente, o soberbo level design. Não me refiro apenas aos gráficos, que fazem uso do que há de melhor atualmente em texturas, modelagem e animação, mas também da disposição das áreas a serem investigadas e, principalmente, da criatividade envolvida na tarefa.

O jogo se gaba das possibilidades envolvidas quanto o assunto é superar um obstáculo, como passar por uma porta com senha numérica ou um painel soltando arcos de eletricidade. Se você não encontrou a senha da porta, pode hackeá-la se possuir o nível requerido da habilidade hackeamento. Se isso não for o caso, pode procurar por um duto de ventilação que leve até a sala em questão. Ou talvez simplesmente abrir a porta com força bruta. Quem sabe virar uma xícara com a habilidade mimetismo e passar por uma frestinha na janela? Embora nem toda localização tenha o mesmo nível de acessibilidade, em geral há mais de um modo.

Essa minuciosidade da exploração em Prey é definitivamente seu ponto mais charmoso, principalmente porque se desprende do design restritivo que compõe os outros aspectos do jogo. O comando de escalar objetos permite que Morgan chegue a lugares bizarros, mesmo que não fossem pensados para tanto. Usar o canhão GLOO nos permite criar escada e plataformas para chegarmos ainda mais longe, de modo que nada está realmente fora de nosso alcance.

Me diverti bastante criando métodos não ortodoxos para me infiltrar em espaços que normalmente não poderiam ser acessados. A ironia é que esse prazer advém de necessidade e não uma escolha pessoal, já que todas as mecânicas citadas anteriormente obrigam o jogador a fuçar tudo que há para encontrar seus objetivos.

E, falando-se em objetivos, pasme: o indicador de missões é um engodo. Claro, às vezes ele indica corretamente o destino do jogador. Porém, o que ele indica é a área final da missão, pulando qualquer etapa intermediária para chegar-se lá, como ativar uma alavanca. Eu passei horas rodando uma fase até descobrir o que fazer, sendo que os registros de áudio e objetivos no menu de pausa pouquíssimo fazem para ajudar, por causa da avalanche de informações disponibilizadas simultaneamente. Embora ofereça categorias para melhor organização, ainda é muito difícil localizar o arquivo necessário no meio de tudo.

Grande parte do investimento de Prey foi para a narração da trama por meio de pistas no ambiente, como arquivos em computadores, post its, livros, etc. Ainda assim isso pouco faz para enaltecer a história principal e acaba ao invés fortificando as noções sobre o cotidiano em Talos I, com diversos registros de mesquinharias entre os habitantes, cartas de amor e até fichas de RPG de mesa. Interessante, mas irritante, pois a miríade de elementos narrativos adicionais espalhados torna encontrar as coisas necessárias um verdadeiro caos.

Prey também possui seções de exploração no vácuo, no qual pode-se navegar livremente utilizando os jatos acoplados na armadura. Talvez uma das seções mais agradáveis, caminhadas no espaço nos permite ter uma idea da imensidão de Talos I, pois é possível voar em todo o exterior da estação para, inclusive, coletar itens, encontrar missões secundárias, matar Typhons, etc. É também estranhamente sereno, considerando o ritmo implacável do jogo. Ressalto que é importante dominar os controles nesse modo um pouco mais desafiador.

VEREDITO

Prey é um jogo bem-intencionado, com enorme dedicação e carinho aos immersive sims que fizeram história antes dele, talvez até demais. Embora tente se distinguir como inovador, acaba caindo na mesmice, ainda mais por titubear na execução de mecânicas centrais como o combate muito frustrante, aquisição do recurso mais vital ao desenvolvimento da protagonista e forçar a exploração dos cenários, que deveria ser algo fluído e endêmico ao interesse do jogador.

Além disso, a lógica de progressão completamente desordenada e a falta de precisão ao elucidar os objetivos torna o ritmo em Prey inconsistente e, muitas vezes, um aborrecimento. Mesmo assim, o excelente level design, liberdade de movimentação e a criativade envolvida para solução de problemas aliviam muito desse peso, tornando Talos I um verdadeiro playground para os aventureiros de plantão.

Prey é um jogo com crises de identidade, hora assumindo sua relação com os clássicos e hora timidamente tentando caminhar por conta própria, muitas vezes tropeçando. Mas definitivamente merece uma chance.

Essa análise foi realizada a partir de uma jogatina de 40 horas. Agradecemos muito a Bethesda pela cópia gentilmente cedida para a realização deste texto.

Desenvolvedora: Arkane Studios

Publicadora: Bethesda Softworks

Plataformas: PS4, XONE e PC

Data de lançamento: 5 de maio de 2017

Texto escrito por Bruno Ribeiro de Mello

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

Perfil oficial da redação do site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica | Twin Peaks – 1ª Temporada