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Análise | Red Dead Redemption – Os Brutos Também Amam

Há jogos inesquecíveis na vida de todos. Independente de qual geração de consoles que tenha iniciado seu hobbie como gamer, sempre haverá aquele game que marcará uma parte de sua vida. No caso, um dos jogos que mais me impressionaram foi Red Dead Redemption. A temática mística do Velho Oeste aliada ao talento da Rockstar que obviamente fez parte da pré-adolescência com todos os Grand Theft Auto até o IV, certamente era a mistura perfeita.

Por semanas, me diverti com o game até terminar a trágica história de John Marston enquanto desviava do caminho realizando as milhares de atividades que o jogo trazia à época. Porém, agora com oito anos inteiros passados e após o lançamento do titânico Red Dead Redemption 2, senti que era a hora de revisitar esse clássico e sanar a dúvida: a primeira impressão é sempre a mais forte?

Sendo direto, sim, é. A nova jogatina evocou memórias muito queridas de quando eu estava jogado no sofá após os estudos obrigatórios da rotina. Além de eu ter ficado assustado de quanto tempo já havia se passado daquela época para hoje, também comecei a perceber o quão diferente era a Rockstar de 2010 para a empresa como conhecemos hoje. E isso, obviamente, muito tem a ver com a narrativa.

Rastro da Maldade

Como muitos já devem saber, ainda mais agora com o lançamento do novo jogo, em Red Dead Redemption encarnamos John Marston, um ex-fora da lei que procura sua redenção e a liberdade de sua família ao ser obrigado pelo agente federal Edgar Ross a caçar seus antigos comparsas criminosos de muito tempo atrás.

Através desse cenário fatídico da busca da redenção, da liberdade e também do exorcismo do próprio passado, temos aqui uma estrutura narrativa clássica dos westerns tradicionais de John Ford ou John Wayne. Entretanto, a Rockstar de 2010 não era a Rockstar de 2018 então, apesar de existir em pequenas doses, Red Dead Redemption em si não se trata de um drama, mas sim de uma sátira cínica condizente ao movimento de subversão do western que já havia pipocado no Cinema anos antes.

O exagero satírico é tanto que se torna difícil levar boas partes da narrativa a sério, pois a Rockstar deseja criticar inúmeros arquétipos da História do Oeste americano. Isso obviamente acaba por prejudicar nosso protagonista. Apesar de ser marcante, John Marston só começa a ser construído de fato apenas nos capítulos finais concentrados na caça a Dutch Van Der Linde e na relação com sua família.

Inicialmente, Marston sempre se eleva a uma posição moral bizarra, condenando outras figuras esdrúxulas que passam em seu caminho. O “herói” recusa a enxergar seu passado definidor e também o homem que ele é: um bronco grosseirão sanguinário tão torpe quanto seus aliados degenerados. 

Uma pena que por conta disso, Marston se limite a fazer comentários ácidos que pouco agregam a sua personalidade. Ele é um homem desesperado totalmente focado em sua missão, permitindo mediocremente que o jogador o conheça mais a fundo – algo certamente pouco habitual para a Rockstar depois da conquista narrativa de GTA IV.

Enquanto nosso protagonista demora a demonstrar como seu coração é bondoso dentro de uma casca grossa de corrupção moral, conhecemos o vasto rol de coadjuvantes que visam subverter os estereótipos do gênero clássico do western. Tudo começa com Bonnie MacFarlane. Apesar dela ser praticamente a única alma boa que cruza o caminho de John Marston ao longo de todo o game, temos aqui a figura de uma rancheira que enterrou praticamente todos seus irmãos, garantindo o terreno e a propriedade de seu velho pai.

Logo, o papel que geralmente é destinado ao homem nos faroestes, é revertido. Pouco depois, então começa a constante troca de favores com o resto dos personagens que sempre clamam serem ajudados primeiro para então ajudar Marston a capturar seus algozes. A estrutura se repete ad infinitum ao longo de todo o jogo que, felizmente, não é tão longo a ponto de aborrecer o gamer por essas barreiras que travam o ritmo da história.

Os primeiros personagens que temos contato borram a moralidade em diversos tons de cinza: o xerife inclinado à corrupção Johnson, o farsante West Dickens com seus tônicos ridículos, o exumador insano Seth, o bêbado folgado Irish, o sargento gay trapaceiro De Santa e o general despótico Allende, a revolucionária Luisa disposta a matar todos em busca de um amor idiotamente correspondido pelo boboca Reyes e, por fim, o professor cientista racista Harold MacDoughal.

Marston está repleto de más companhias para a Rockstar mostrar quem são os responsáveis pelo crescimento do Oeste americano e de toda sua história sangrenta. Assim, com ironias e humor ácido, pulamos entre diversos personagens egoístas que conseguem deixar John Marston um verdadeiro santo em efeito de comparação. Uma pena que a figura de tutor e mestre de Landon Ricketts dura tão pouco na história do jogo enquanto outros personagens bem mais fracos como Luisa e De Santa ocupam mais espaço.

Aliás, enquanto o passado de Marston é delineado razoavelmente, há pouco foco nos antagonistas do game. A Rockstar encara os bandidos destemidos do Oeste como velharias de um tempo há muito superado, nem dignos de maior desenvolvimento para motivar o jogador em sua jornada de redenção.

Isso, creio, é feito para compararmos entre os “bons” e os “maus” enquanto Marston se enquadra no “feio” da história. Os bons, a serviço de revoluções e da justiça utilizam diversos artifícios nada dignos enquanto os maus, ainda que cometam atrocidades, estão encarcerados em suas próprias jaulas. Todas as vezes que conseguimos extrair ou matar os comparsas de Marston, temos que invadir uma verdadeira fortaleza. São homens acuados que gastaram seus últimos recursos para se isolarem do mundo.

Enquanto com Bill Williamson e Javier Escuella temos arquétipos mais agressivos de vilões, o grande antagonista do game, Dutch Van Der Linde, traz um resquício de idealismo e rebelião contra a mudança no Oeste mesmo que tenha que se valer de uma parceria bastante suspeita com os últimos indígenas da região que são sumariamente exterminados.

Dutch, sem conhecermos o homem que vimos em Red Dead Redemption 2, é apenas um homem patético de sonhos grandiosos que sacrificou tudo o que havia de bom em sua vida, principalmente sua gangue original. Como o saudoso CJ de GTA San Andreas diria, é apenas um fool.

Já Marston, depois de concluir sua jornada repleta de trapaças e morte, consegue reaver sua família. Mas como Dutch avisa, não há como fugir do passado e que em breve os agentes encontrarão outro monstro para caçar. Dito e feito, quando finalmente passamos a conhecer melhor John Marston, um homem disposto a tudo para ficar com sua família, a derradeira tragédia acontece e a partir daí um ciclo de ódio é perpetuado.

Bravura Clássica

Obviamente que após tantos anos e também da própria evolução da Rockstar em game design, Red Dead Redemption envelheceria mal em algumas características, muito embora seja um game bastante atual até mesmo para os padrões de hoje.

Pegando o game antigo e comparando com sua sequência, não é nenhum absurdo dizer que temos um verdadeiro festim de elementos arcade na mecânica que agora se tornou hiper-realista e complexa. Entretanto, para a época, a Rockstar ofereceu um game repleto de elementos e coisas a se fazer como caçar, domar cavalos, exterminar campos de bandidos, jogar diversos minigames, travar duelos de pistoleiros, comprar casas espalhadas no mapa e concluir uma infinidade de desafios.

Ter o que fazer em Red Dead Redemption é um dos pontos altos do game que te mantém ocupado. Entretanto, no que a jogabilidade envelhece, tange diretamente o tiroteio. Ainda que seja prazeroso e divertido mandar bala em diversos inimigos e o sistema de cobertura ainda seja eficiente, a câmera sempre é distante demais do personagem – isso em todos os modos de jogo, e infelizmente não há como aproximar ela de Marston.

Logo, em tiroteios durante chuvas ou à noite, tudo se torna uma confusão para distinguir os inimigos do cenário. O retículo não muda de cor quando passamos a mira em cima dos oponentes e isso se torna um verdadeiro desafio quando somos obrigados a usar as metralhadoras pesadas nas quais a mira é ainda mais distante. O combate em cenários assim se torna frustrante e até mesmo injusto.

Retornando ao título, é normal que todo o resto seja um tanto “artificial” ao sair de Red Dead Redemption 2. Os cavalos são extremamente rápidos e não perdem embalo ao subir morros, como se estivessem deslizando pelo terreno. A limitação de não poder nadar, resultando em morte instantânea, também continua incômoda como sempre foi.  

De resto, ainda temos uma jogabilidade responsiva e funcional, mas obviamente mais superficial que a vista no jogo sucessor. Logo, pela falta de complexidade, se torna um faroeste mais arcade e permissivo para tocar o terror, já que as forças da lei são menos responsivas.

Os designs das missões também se sustentam, apesar das que envolvem pastoreio e atividades de rancho continuarem tão pouco inspiradas como sempre foram. Há algumas missões filler envolvendo disputas com corridas de cavalos e outras coisas do tipo, mas para o mundo que a Rockstar conseguiu criar aqui, há bastante diversidade com aventuras óbvias como uma envolvendo um assalto a um trem e outras menos óbvias como um jogo de pôquer que dá terrivelmente errado.

Os gráficos, caso jogue em um Xbox One que automaticamente oferece uma resolução Full HD, é um fato que temos um game bonito até hoje, mesmo que sofra um pouco pela falta de elementos físicos de clima. As texturas, animações e iluminação ainda permanecem bastante boas e agora com a possibilidade de jogar com uma taxa de quadros muito estável, o jogo fica mais belo do que nunca.

Herança de Sangue

No fim das contas, não fosse por um envelhecimento natural e até mesmo modesto de Red Dead Redemption ainda teríamos um jogo tão formidável quanto na época de seu lançamento. Mesmo sendo um jogo mais descompromissado e satírico da Rockstar, há muito valor em sua mensagem sobre como o passado molda um homem impossibilitando qualquer chance de uma redenção pacífica, além de construir comentários ácidos sobre a América sangrenta que cresceu no Oeste que servem de lição até hoje.

Pontos positivos: ambientação excelente, diversas atividades para realizar, ótima narrativa e dublagem, sistema dead eye, exploração do mapa, combate.
Pontos negativos: trilha incidental pouco inspirada, bugs ocasionais, envelhecimento de algumas mecânicas.

Red Dead Redemption (EUA, Reino Unido, Canadá – 2010)

Desenvolvedora: Rockstar Games, Rockstar San Diego
Estúdio: Take Two
Gênero: Western, Aventura em Terceira pessoa
Plataformas: PS3, Xbox 360, Xbox One

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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