em

Artigo | Por que Dunkirk foi uma das melhores experiências que já tive no cinema

Eu sempre fico animado quando chega a hora de assistir um filme novo de Christopher Nolan. Não só por ser um admirador de sua carreira e fã de seu trabalho, mas também por sempre proporcionar algo cada vez mais ameaçado de extinção neste período contemporâneo: a grandiosa experiência cinematográfica, algo que o diretor tanto defende em sua campanha de preservação da película e o trabalho notável com câmeras de tecnologia IMAX.

Assim, quando me acomodei na poltrona e as luzes da sala do JK Iguatemi se apagaram antes do início de Dunkirk, já tinha ciência de que estava prestes a ter mais uma experiência memorável, daquelas que é impossível de se ter em outro lugar; me parte o coração a ideia de se ver esse filme em um tablet ou celular.

Quando o filme começa, já estamos no meio da ação. Em uma cidade fantasma, estamos junto a um pequeno pelotão de soldados britânicos, caminhando em alerta por uma ruazinha francesa enquanto dezenas de panfletos caem dos céus, todos eles com a mensagem de que suas tropas estão cercadas. É o primeiro sinal de um inimigo que nunca vemos. Uma força quase sobrenatural que sempre está à espreita, e que o filme nunca especifica ao chamar de “nazistas” ou “Alemanha”, limitando-se a chamá-los de “O Inimigo”, algo que torna a experiência muito mais intimista e assustadora; sim, estamos falando de uma guerra, mas a condução intensa e misteriosa de Nolan nos faria crer que aqueles homens estão sendo cercados por fantasmas, lobisomens e outras criaturas, com o mesmo efeito. Como bem apontou meu amigo Matheus Fragata em sua crítica do filme, não há monstro maior do que nossa História. 

A caminhada silenciosa do grupo pelo vilarejo são apenas alguns dos segundos de calma que sentimos durante a sessão. Pouco depois, ouvimos tiros. E preciso dizer, não foram tiros como aqueles que estamos acostumados a ouvir, estilizados pelo foley e design para torná-los mais bombásticos (e não há nada de errado com isso), mas sim um som assustador e visceral, do tipo que meus ouvidos não escutavam desde o excepcional tiroteio na rua em Fogo contra Fogo. O que quero dizer é: parece real. Não que eu tenha alguma experiência com trocas de tiro, é claro, mas assim que as balas começam a explodir e ricochetear pelos muros de tijolos durante essa primeira cena, vindo de todos os cantos da sala e distribuídos por um trabalho de edição sonora primorosa, eu sinto que estou ali. Daí a importância de se assistir a Dunkirk na sala mais impecável possível, especialmente valorizando as pouquíssimas projeções IMAX que temos no país.

Logo quando o soldado vivido por Fionn Whitehead escapa dos tiros e consegue passar pelo bloqueio francês, enfim chegando à praia da cidade-título, temos nosso primeiro grande vislumbre do escopo da produção. Exacerbado pelo aspect ratio maior das câmeras IMAX, vemos a imensidão da praia e todas as tropas enfileiradas em diferentes cantos da areia e do mar, seguindo em direção ao Molhe para evacuação. O som das ondas e da brisa oferecem um certo relaxamento após essa introdução pavorosa, mas a mixagem de som com a trilha de Hans Zimmer já começa a nos alertar do perigo se aproximando novamente, com o agonizante uso de um acelerado tique-tac de relógio permeando toda a música.

É quando temos o elemento mais assustador do Inimigo que nunca vemos: os aviões. Com um som ensurdecedor para seu rasante, ouvimos o motor ficando cada vez mais próximo graças ao chamado Shepard Tone, uma técnica sonora onde é criada a impressão de um loop sonoro eterno; algo que cresce, cresce, cresce e jamais desaparece, o que possibilita uma tensão incontrolável. Não bastasse o motor, os veículos voadores gritam como um dragão quando disparam seus mísseis sobre a praia e o Molhe, e o medo que toma conta dos soldados imediatamente é sentido pelo espectador. Justamente por não vermos os mísseis, apenas ouvindo seu barulho, sentimos um grande desconforto pois não sabemos ONDE o projétil cairá, mas sabemos que haverão baixas por estarmos diante de um plano aberto com centenas de pessoas desesperadamente se abaixando.

Então, temos um intertítulo que eu não estava esperando. Marcado com o número 1, temos a identificação do Molhe, informando que veríamos a situação daquele local se desenrolar no tempo de uma semana. De forma similar, somos apresentados a outro núcleo da história, com o personagem de Mark Rylance, um civil, preparando seu barco com a ajuda do filho e um amigo para se juntar à Marinha e ajudar no resgate de Dunkirk. Temos a legenda “O Mar”, mas agora com a duração de um dia. Por fim, o terceiro núcleo aumenta a escala e comprime o tempo ao nos trazer um esquadrão de pilotos de Spitfighters, no segmento batizado de “O Ar”, com a duração de apenas uma hora. Confesso que no início me preocupei com essa estrutura quebrada e que arriscava complicar algo que dispensava complexidade, mas sendo conhecedor da filmografia de Nolan (e também por minha experiência no ramo da montagem e edição), essa sensação veio com um misto de ansiedade; estava claro que veríamos um filme de guerra diferente daquele que estamos acostumados, e naquele momento fiquei empolgado.

Quando acompanhamos o núcleo dos pilotos, temos outra poderosa imersão na experiência do filme. Através de planos fechados e estratégicos, estamos sempre dentro do cockpit e observando o que o piloto de Tom Hardy vê. Mesmo quando temos perseguições aéreas, a câmera raramente opta por um plano mais aberto dos dois aviões (geralmente em um plano de estabelecimento ou o POV de outro piloto na lateral), mantendo um ângulo acoplado na asa e calda do spitfire, o que literalmente nos dá a impressão de estar voando ali. Mesmo quando temos tiroteios, a câmera jamais quebra essa mise en scène, rodopiando e virando enquanto seguimos o POV do piloto; é quase um videogame, só que jogado de forma realista dentro de uma tela gigantesca. Graças a esse trabalho de enquadramento, e também ao sempre perfeito trabalho sonoro, não foi preciso óculos 3D ou cadeiras 4D para que houvesse uma imersão completa.

Acho muito similar com a proposta de Avatar e Gravidade, filmes onde o diretor quer garantir essa experiência sensorial no espectador, colocando-o dentro do filme. Porém, se James Cameron e Alfonso Cuarón dependem muito do 3D para garantir essa imersão, Nolan o faz através de uma poderosa paisagem sonora e uma escala gigantesca, invalidando o uso de óculos ou qualquer outro recurso que não o próprio filme. Claro, acho possível que o filme cause menos impacto em uma sala comum, e principalmente quando tivermos suas edições em home video

Dunkirk sem dúvida foi o melhor filme que vi em 2017 até agora. É o tipo de experiência que me lembra não só o porquê de eu querer fazer filmes (a escrita é só um hobby), mas o motivo de eu gostar de ir ao cinema.

Leia mais sobre Christopher Nolan

Avatar

Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Lista | Os 5 Melhores episódios de Transformers: Generation 1

Lista | Ranking dos filmes de Christopher Nolan