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As Boas Maneiras | Entrevista com a equipe

Os cineastas Marco Dutra e Juliana Rojas, para além de suas carreiras individuais, são parceiros constantes desde a faculdade. Começaram co-dirigindo curtas, e juntos ganharam projeção internacional com Trabalhar Cansa (2011), na programação do Festival de Cannes. À época, o filme causou espanto, também literalmente, afinal, tratava-se de um misto de suspense e terror, mas com as veias abertas do social. Desde então, cada um seguiu sua filmografia particular. Nesse período, Dutra fez Quando eu era vivo (2014) e O Silêncio do Céu (2016) e Rojas lançou seu Sinfonia da Necrópole (2014) – entre os melhores filmes nacionais recentes.

Agora, a dupla retoma o trabalho conjunto e lança na próxima quinta-feira (7), As Boas Maneiras, filme ganhador do grande prêmio no Festival do Rio 2017, também selecionado para o Festival de Locarno. Refinada a técnica, o novo filme traz o gênero do terror em uma nova escala, mais frontal e refinado que a atmosfera de Trabalhar Cansa, e também com um fôlego bem maior. Dividido em duas partes, acompanhamos a estranha gestação de Ana (Marjorie Estiano), uma jovem branca, filha de latifundiáios goianos, que é amparada em seu apartamento em São Paulo por Clara (Isabél Zuaa), sua nova doméstica, negra. Essas duas personagens acabam desenvolvendo uma relação muito forte na qual Clara chega a dar seu sangue, literalmente, para satisfazer a patroa grávida.

Portuguesa, Zuaa esteve nas telonas brasileiras recentemente como a escava Preta, em Joaquim (2017) e Clara tem pontos de contatos que essa personagem, tanto pelo símbolo como na própria personalidade: é uma mulher muito introspectiva, resignada, mas que ao mesmo tempo não deixa de contestar algumas indicações de sua patroa.

No filme, temos poucas informações objetivas sobre a vida e o passado de Clara, o que exigiu uma de Zuaa uma interpretação muito precisa, que conseguisse trazer o peso do não-dito. Inclusive, pensando nisso, a atriz tentou levar em conta alguns elementos metafísicos inusitados. “Eu busco trazer elementos da astrologia, da natureza, para entender meus personagens e analisar o quão distante são da minha personalidade”, conta a atriz com seu sotaque lusitano – imperceptível em As Boas Maneiras. “Para mim a Clara é do signo de fogo, diferente de mim, que sou de água, mais flexível. Ela tem dificuldade em se dobrar, assim como a Preta, de Joaquim, apesar de achar que ela é mais terra”.

Mais inusitada ainda é relação que as duas protagonistas desenvolvem na primeira parte do filme, com pinceladas eróticas, violentas e sobrenaturais – grande chamariz do longa. “Eu fiquei fascinada pelo roteiro desde o começo, pela sua precisão, seu poder de síntese, por não ser nada superficial”, disse Marjorie. “Eu costumo fazer personagens mais realistas, pautadas em material muito concreto. Mas nesse filme não, que justamente me seduziu por ser tão imerso na fantasia. Foi tão desafiante quanto trabalhar em Garoto [2015, dirigido por Júlio Bressane]”.

Recuperando uma temática pueril, ligada à contação de histórias, à canção de ninar e às nossas lendas folclóricas, As Boas Maneiras é um  dos poucos filmes brasileiros recentes que tem coragem, por assim dizer, de distorcer a realidade para atingir propostas narrativas. “A gente tem muita influência de filmes musicais e de animaçõs da Disney, que está tanto na maneira como pensamos o roteiro, até influenciar nossa paleta de cores e nossa concepção do espaço”, afirmou Rojas.

O filme foi filmado todo em São Paulo, mas boa parte de suas paisagens são fabricadas. “A gente usou mais de trinta matte paintings feitos todos pelo Eduardo Schaal, todos com uma visão e uma textura muito particular”, disse Dutra, se referindo às paisagens feitas a partir de pinturas digitais. “Nós queríamos trabalhar com uma alegoria, usando elementos da cidade, como o shopping, as marginais, um rio que divide centro e periferia, evidenciando as distância entre um e outro… Enfim, continuar trabalhando as contradições sociais tão presentes nos nossos filmes”.

Mas os efeitos mais impressionantes ficaram na decisão de fazer As Boas Maneiras um filme de monstro. No caso, o bebê de Ana, um lobisomem. Tal fuga do realismo exigiu dos diretores todo um planejamento técnico incomum às produções nacionais.

Em parceria com empresas francesas, Dutra e Rojas mesclaram efeitos práticos e digitais. No caso do bebê lobisomem, foi feito um robô animatrônico, controlado por três operadores. “A gente podia deixar a câmera filmando e enquanto isso a gente podia dar indicações para a Isabél, e ir mexendo o bebê”, lembra Dutra. Essa opção pelo efeito material permitiu à direção uma liberdade distinta das exigências dos efeitos digitais.

Já mais crescido, na segunda parte do filme, conhecemos Joel (Miguel Lobo), a criança lobisomem já com sete anos. Zuaa teve ora que contracenar com o garoto vestido todo de verde, ora com objetos inanimados, que só se tornariam o pequeno lobisomem com a maquiagem digital. “É uma situação muito diferente, porque seus olhos não estão vendo o resultado final, mas mesmo assim eu tinha que me emocionar frente às câmeras”, recordou a atriz. Além disso, os diretores tiveram que pensar os planos com muita precisão – afinal, a aplicação de efeitos é cobrada por segundo. “A gente em muita sorte de ter a Sara Silveira [da Dezenove Som e Imagens] como nossa produtora”, afirmou Rojas.

No momento, Dutra está trabalhando em um filme de época com Caetano Gotardo, mas já planeja com Rojas um novo projeto envolvendo uma casa mal-assombrada.

Confira aqui a nossa crítica do filme.

Redação Bastidores

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