Em Novembro de 1939, um mês após o início da Segunda Guerra Mundial, durante um de seus infames discursos, Adolf Hitler não fazia a menor ideia de que a poucos metros de distância tinha sido colocada uma bomba capaz de matar todos aqueles que estavam presentes no comício. No entanto, para a infelicidade de milhões que viriam a sofrer na pele os abusos monstruosos do Nazismo, a explosão ocorreu 13 minutos após Hitler ter abandonado o local (daí o título do filme). Naquela mesma noite, Georg Elser, o responsável pelo atentado, foi preso próximo da fronteira da Alemanha com a Suíça. Já nas mãos da Gestapo, ele foi torturado durante dias e posteriormente enviado para um campo de concentração, onde foi morto em 1945. A única coisa que o manteve vivo durante esse tempo todo foi a insistência de Hitler em descobrir qual era o grupo que estava por detrás do ataque, insistência essa que não cessava mesmo após as constantes afirmações de Elser de que havia planejado tudo sozinho.
Embora a história de Georg Elser nunca tenha sido contada no cinema (até onde sei), outras histórias fictícias envolvendo tentativas de assassinato do ditador alemão fizeram a cabeça de cineastas e produziram filmes como O Homem que quis Matar Hitler, do diretor austríaco Fritz Lang (que se mudou para os Estados Unidos após ter recusado um cargo no Ministério da Propaganda Nazista chefiado por Joseph Goebbels), e, mais recentemente, Operação Valquíria, de Bryan Singer, com o astro Tom Cruise. Não é preciso ir muito longe para perceber o fascínio que esse tipo de história gera no público, afinal, imaginar que inúmeras mortes poderiam ter sido evitadas se algum desses planos tivesse sido bem-sucedido dialoga com o desejo humano de manipular a história e mudar o passado.
Léonie-Claire e Fred Breinersdorfer, os roteiristas do filme, sabem muito bem disso e até fazem uma brincadeira no título do filme com os míseros 13 minutos que separaram a explosão da bomba da tão desejada morte de Hitler. No entanto, diferentemente desses outros filmes (isso sem mencionar Bastardos Inglórios, que ultrapassa o fictício para se tornar “tarantinesco”), os roteiristas tinham em mãos uma história real, que, além de curiosa, continha um protagonista complexo e cheio de contradições.
Aliás, a maior força de 13 Minutos reside em Georg Elser. A opção de alternar as cenas de interrogatório com flashbacks longos que mostram a vida do protagonista anos antes da tomada do poder pelos nazistas se mostra acertada, uma vez que os roteiristas poderiam ter optado pela emoção fácil, exibindo durante todo o filme os sofrimentos de Elser no campo de concentração. Essa escolha possibilita ao público um contato mais próximo com o personagem, pois mostrar no que consistia a sua vida cria uma empatia no espectador muito maior que colocar falas expositivas na boca de alguém. Ela se mostra ainda mais correta quando percebemos que tanto as ações exibidas nos flashbacks quanto aquelas que ocorrem em tempo real são usadas pelos roteiristas para enriquecer cada vez mais o protagonista. Se nas cenas de tortura Elser não se rende nem mesmo frente à provações violentas e humilhantes, são nos momentos mais descontraídos do seu passado que enxergamos toda a sua complexidade.
O protagonista não planeja a morte de Hitler porque alguma organização opositora pediu que ele fizesse isso ou por causa de alguma ideologia política, mas sim porque deseja viver livremente, sem ter de abaixar a cabeça ou sentir medo. Esse princípio de liberdade está presente na vida do personagem desde o início. Percebam como no primeiro flashback, logo após deixar claro que Elser não quer um relacionamento sério com a atual namorada, o filme faz questão de ressaltar a liberdade da qual o protagonista goza na belíssima cena do nado. Outro momento em que isso fica claro é quando ele conhece Elsa (Katharina Schüttler). Menosprezando o fato de ela ser casada (“As casadas são as melhores”, ele diz), Elser é convidado por Elsa a dançar e, momentos depois de ela guiá-lo durante um Tango, ele toma as rédeas e passa rapidamente a guiá-la noutro tipo de dança. Nesses sutis instantes, fica claro para o espectador que a liberdade e o controle da própria vida, tão estimados por Elser, se sobressaem até mesmo nos momentos mais banais.
Todavia, como todo ser humano real, esses elementos não são soberanos, e logo começam a surgir características que são contraditórias. Se no começo Elser pulava de mulher em mulher, depois de conhecer Elsa, ele se apaixona completamente. Idealizando uma vida em que ela está separada do marido e os dois podem viver felizes juntos, Elser não se abala nem mesmo quando descobre que ela está esperando um filho dele. A velocidade e o afinco com os quais ele abraça essa paixão não deixam de causar surpresa no espectador. Era de se esperar que ao menos no começo ele tentasse se afastar do sentimento, mas quem de nós não conhece alguém que afirmou a vida inteira não querer casar apenas para tempos depois encontrar uma pessoa que o fizesse mudar de opinião? Essa contradição também fica claro na facilidade com que Elser se ajoelha perante Deus e pede a Sua ajuda ou perdão. Porém, em momento algum esses paradoxos incomodam. Pelo contrário, eles sempre parecem verossímeis.
Por fim, Oliver Hirschbiegel, após o ótimo A Queda! As Últimas Horas de Hitler e os ruins Invasores, Rastros de Justiça e Diana, se recupera em 13 Minutos. Embora a lógica visual empregada pelo diretor seja óbvia (fotografia cinzenta) e lembre muito o sucesso de 2004, ele comanda o filme com bastante segurança. Não há percalços ou muita irregularidade no filme. E, além de extrair uma performance poderosa de Christian Friedel, Hirschbiegel entrega dois momentos de puro brilhantismo técnico. No primeiro deles, o diretor ilustra a insensibilidade de uma secretária da Gestapo ao sofrimento alheio mantendo a câmera distante dela. No entanto, a câmera começa a se aproximar lentamente, e quanto mais nos aproximamos da personagem, mais percebemos que ela não é tão insensível assim e que, na verdade, ela está incomodada com os gritos de dor ouvidos na sala da frente. No segundo desses momentos, Hirschbiegel mantém a câmera estática enquanto o corpo de um oficial que está sendo enforcado se mexe e luta contra a morte inevitável. A câmera fixa, o enquadramento que deixa de fora a cabeça do personagem e a longa duração da cena criam no espectador uma sensação assustadora que consegue ser extravasada apenas através de uma risada nervosa.
Quando saí da sessão, percebi com espanto como a Segunda Guerra Mundial continua a produzir obras interessantes. Provavelmente, nenhum período histórico ou tema tenham produzido tantos filmes quanto ela. Eu mesmo sinto um certo enfado quando sei que um filme abordará esse assunto. Mas, com uma constância que nunca deixa de me surpreender, eu sou presenteado por obras que sempre acham uma maneira de abordar a questão de uma perspectiva diferente. 13 Minutos é um desses casos. Trata-se de mais um daqueles filmes que mostram como as barbaridades e os atos de heroísmo da Segunda Guerra Mundial talvez nunca cessem de nos surpreender.
13 Minutos (Elser, Alemanha – 2015)
Direção: Oliver Hirschbiegel
Roteiro: Léonie-Claire e Fred Breinersdorfer
Elenco: Christian Friedel, Katharina Schüttler, Burghart Klaubner, Johan Von Bulow, Felix Eitner
Gênero: Drama
Duração: 114 min