Havia um tempo, no final dos anos 90 e início dos 2000, onde o cinema de ação apostava bastante em uma fórmula simples: o star power de uma grande estrela contra a natureza; seja ela na forma de um grande desastre – como um tornado, terremoto ou enchentes – ou um animal selvagem, que costuma ser o foco de Hollywood. Hoje, é difícil achar exemplares desse subgênero no mainstream, tão dominado por super-heróis e franquias.

Mas em ocasiões rara, o cinema é capaz de enviar alguns desses remanescentes da década de 90 para as telonas. Obras recentes como Predadores Assassinos (jacarés!), Águas Rasas (tubarão!) ou Aqueles que me Desejam a Morte (incêndios!) preenchem muito bem essa cota, que acaba de ganhar um novo companheiro na forma deste novo A Fera, da Universal Pictures.

Na trama, o médico viúvo Nathan (Idris Elba) acompanha suas duas filhas adolescentes, Norah e Meredith (Iyana Halley e Leah Jeffries) em uma viagem para conhecer o vilarejo africano onde sua mãe cresceu. Porém, o passeio amigável se transforma em um pesadelo quando o grupo cruza o caminho de um sanguinário e vingativo leão selvagem, que espalha um rastro de carnificina pela região após ser abordado por um grupo de caçadores ilegais. Diante da situação, Nathan faz o possível para garantir a segurança de sua família.

Caçadores mortais em A Fera

Um filme absolutamente simples e direto ao ponto. Com meros 93 minutos de duração contando os créditos, A Fera não traz nenhuma surpresa ou inovação narrativa, com o roteiro de Ryan Engle (Sem Escalas, O Passageiro) mantendo a trama no mais básico possível. Isso representa vantagens e desvantagens: de primeira, é louvável o esforço do roteirista para não vilanizar em excesso a figura do leão – bem diferente de algo visto em A Sombra e a Escuridão, de Stephen Hopkins, por exemplo. 

O filme acerta ao investir em um prólogo que mostra como essa fera sanguinária é vítima de um ataque de caçadores ilegais na região, que massacram a família do leão virá a se tornar o antagonista central da história. Uma solução eficaz e bem mais aceitável para a Hollywood contemporânea: aqui, o caçador vivido por um carismático Sharlto Copley está mais interessado em perseguir outros caçadores, e de fato protege os animais.

Porém, Engle não se sai muito melhor com as relações familiares envolvendo o núcleo de Idris Elba. Apesar de o ator estar excelente no papel de um pai dedicado, atencioso e desesperado por redenção, todas as cenas que exigem um interesse ou investimento na relação com as filhas acabam sendo mais forçadas e artificiais. Todos os clichês possíveis encontram-se aqui, desde o peso da mãe falecida, as intrigas adolescentes e o clássico problema do pai que não dá atenção aos talentos das filhas. Apesar de uma boa química entre o elenco no geral, jamais garantem um investimento emocional suficiente para as cenas de perigo.

Salvo pelo islandês

Felizmente, o cineasta Baltasar Kormákur consegue se garantir puramente no nível técnico. Após ter dirigido empreitadas hollywoodianas como Evereste e Vidas à Deriva, o islandês reduz bastante a escala em seu novo filme, e oferece uma condução bastante elegante. Claramente inspirado pelo estilo ágil e repleto de encenações de Steven Spielberg, Kormákur capricha em diversos planos longos que aproveitam a geografia dos ambientes, posições de personagens e outros elementos espaciais – tudo isso para criar uma ambientação sólida que resulta em magistrais sequências de tensão.

O trabalho de câmera de Kormákur e do diretor de fotografia Philippe Rousselot é invejável, especialmente quando a dupla aposta em sequências mais claustrofóbicas. Boa parte dos ataques acontece no interior de um carro, o que garante uma imersão satisfatória e intensa, ainda mais quando aliado à criativa trilha sonora de Steven Price – vencedor do Oscar por seu abstrato trabalho em Gravidade.

O grande demérito de A Fera, porém, encontra-se em seu leão titular. Naturalmente, a criatura é toda construída digitalmente, e o efeito realmente funciona em doses: à distância, desfocado ou pelo interior de um veículo, o leão realmente convence. Mas quando Kormákur investe em cenas mais próximas e, em especial, um conflito bem próximo envolvendo Elba e o animal, o resultado é bem mais artificial. Curiosamente, A Fera é bem mais intenso e perigoso quando o leão não está em cena, já que a sugestão de sua presença é bem mais eficiente do que a própria aparição. Mais uma lição (acidental) do cinema de Spielberg, com Tubarão.

No mais, A Fera não oferece nada além do que precisava. É um filme de suspense e ação bem construído e com uma direção impressionante, que compensa pelo vazio do roteiro e os inúmeros clichês. E, sendo bem sincero, a imagem de Idris Elba literalmente trocando socos com um leão mortífero é algo que eu realmente não esperava ver em um cinema.

Só isso já vale a visita.

A Fera (Beast, EUA – 2022)

Direção: Baltasar Kormákur
Roteiro: Ryan Engle
Elenco: Idris Elba, Sharlto Copley, Iyana Halley, Leah Jeffries
Gênero: Ação, Suspense
Duração: 93 min

Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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