É sempre curioso ver os projetos que diretores escolhem após uma vitória no Oscar. Podem ser escolhas que os mantém na temporada de prêmios, como foi o caso de Kathryn Bigelow ao fazer A Hora Mais Escura após Guerra ao Terror, Danny Boyle seguir com histórias de sobrevivência com 127 Horas após seu Quem quer Ser um Milionário? fazer a limpa, ou o caso recente de Alejandro G. Iñarritu, que saiu vitorioso na categoria de Diretor duas vezes consecutivas, por Birdman e O Regresso. Praticamente todos os diretores dessa última década acabaram retornando aos prêmios da Academia logo com seus projetos seguintes à vitória.
Porém, é bizarro quando seus trabalhos seguintes acabam sendo negligenciados, e é simplesmente inacreditável que o cineasta Ang Lee tenha tido uma recepção tão indiferente ao promissor A Longa Caminhada de Billy Lynn, que marca seu retorno após a vitória por As Aventuras de Pi e também um importante experimento tecnológico, visto o ambicioso formato de gravação optado pelo diretor. Infelizmente, a recepção negativa e a total ignorada do projeto não foram à toa, já que o filme realmente é muito, muito fraco.
O filme adapta o livro homônimo de Ben Fountain, acompanhando a turnê que um pelotão das tropas americanas realiza pelo país após uma batalha na Guerra do Iraque, em 2004. A passada dos soldados é particularmente marcante pela presença de um certo Billy Lynn (o estreante Jon Alwyn), que recebeu condecorações e uma fama inesperada após um vídeo seu realizando um ato de heroísmo em pleno campo de batalha viralizar. Assim, acompanhamos os pensamentos e dilemas de Billy enquanto segue para o grande show de inte rvalo de um jogo da NFL, assim como os dramas pessoais que circundam a vida que deixou para trás ao se alistar.
Um dos grandes problemas em se analisar Billy Lynn é a impossibilidade de conferi-lo na versão desejada por Lee, que gravou o filme em 3D e com uma taxa de frame rate de inacreditáveis 120 frames por segundo (como comparação, um filme normal tem 24fps, a televisão 30fps e a trilogia Hobbit de Peter Jackson arriscou exibir suas imagens em 48fps), algo que nunca fora realizado no cinema antes. Isso torna as imagens mais vívidas e nítidas, e talvez até justificasse a decisão do filme em apostar em cores tão naturais e até uma fotografia que retrata o violento combate no Iraque de forma tão… Limpa e cirúrgica, o que claramente provoca uma estranheza – até se compararmos com o trabalho de Kathryn Bigelow nos filmes citados acima.
Mas, de qualquer forma, por mais fascinante que o resultado visual possa ter sido em sua versão original, não corrigiria o fato de que A Longa Caminhada de Billy Lynn tem uma história fraca e que falha em conquistar qualquer afeto ou identificação com seus personagens. O roteiro de Jean-Christophe Castelli (estreando na função após produzir As Aventuras de Pi) flerta com a abordagem de diversos temas interessantes, em especial a forma como as conquistas das tropas rapidamente tornaram-se um entretenimento para as massas e garantiram uma desconfortável atenção, desde o conceito do show do intervalo até o fato de que estúdios de Hollywood tentam barganhar uma adaptação cinematográfica baseada nos feitos do pelotão.
Porém, tudo surge artificial e clichê, sem a presença de um conflito maior que realmente justificasse essas subtramas, e também pelo fato de que Chris Rock e Steve Martin (duas figuras cruciais nesse núcleo) sejam tão maniqueístas e vazios, e o próprio personagem de Rock invalida um discurso de moral de um dos soldados ao comentar que “se isso fosse um filme, esse seria o grande momento”, em um grave erro que literalmente joga pela janela tudo o que o filme vinha tentando construir em troca de uma metalinguagem imprópria. E ainda que Castelli tente aprofundar na visão pública da população americana em geral do trabalho das tropas, armar um conflito físico entre os protagonistas e um grupo de civis sem o menor motivo é uma jogada infeliz e risível, enfraquecendo ainda mais o clímax da narrativa.
O estresse pós-traumático de Billy Lynn também é difícil de ser sentido, ainda que o texto de Castelli constantemente afirme que o soldado sofre de algo e que sua irmã Kathryn (Kristen Stewart) insista em levá-lo para um psicólogo o mais rápido possível. Não há nada realmente concreto que nos faça crer nessa informação, com exceção da excelente performance de Jon Alwyn, que marca sua estreia como ator de forma carismática e emotiva. Se há um único elemento que mantém nosso interesse no filme e não nos faça cair de sono ou tédio, é a performance de Alwyn, cuja dinâmica com alguns dos personagens ainda eleva um trabalho regular de Garret Hedlund (o sargento durão) e de um eficiente Vin Diesel (o sargento espirituoso).
Não há muito invencionismo na direção de Ang Lee, ainda que – mesmo excluindo-se o 3D e o high frame rate – seja possível observar conceitos visuais elaborados e que impressionem pela plasticidade, como o gigantesco telão que traz imagens coloridas e um close pornográfico do rosto de Billy Lynn enquanto um show da extinta Destiny’s Child (sério, temos dublês de corpo de Beyoncé) explode com sua pirotecnia ao fundo. De forma similar, a montagem de Tim Squyres é feliz ao bolar transições e fusões criativas (dada a estrutura de flashbacks constantes), que incluem fogos de artifício transformando-se em explosões de areia e até uma inesperada mixagem de som que combina o hino nacional americano com pensamentos eróticos de Lynn.
Com uma história tão fraca e falha em desenvolver seus temas e personagens, A Longa Caminhada de Billy Lynn provavelmente nasceu apenas para um experimento tecnológico, que infelizmente não fui capaz de conferir por simplesmente não ter chegado ao país. Mas que fique a lição, nada funciona sem uma boa história e um tratamento adequado.
A Longa Caminhada de Billy Lynn (Billy Lynn’s Long Halftime Walk, EUA – 2016)
Direção: Ang Lee
Roteiro: Jean-Christophe Castelli
Elenco: Joe Alwin, Garrett Hedlund, Kristen Stewart, Vin Diesel, Chris Rock, Steve Martin, Makenzie Leigh
Gênero: Drama, Guerra
Duração: 113 minutos.
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