O público do cinema de ação atual creio que pode ser facilmente dividido em alguns grupos, dois dos principais se focam de um lado nos blockbusters de orçamentos gigantescos variados, e do outro, e o mais interessante, nos filmes de porradaria e tiroteio à moda antiga que pouco se levam a sério e trazem todos os clichês velhos e inimagináveis à tona.
Nem são inúmeros os exemplos a ressaltar desse lado, mas os destaques são pequenas pérolas do entretenimento moderno que muito já receberam suas pequenas legiões de fãs e admiradores, e que esperam um próximo filme dos seus diretores, atores produtores envolvidos etc; vide os recentes filmes do John Wick e os tão aclamado The Raid de Gareth Evans, como exemplos melhor conhecidos deste “subgênero” atual da ação.
Mas enquanto John Wick 3 não sai e Gareth Evans anda ocupado com seu retorno ao gênero do terror com seu recente Apóstolo na Netflix, há uma recente ótima surpresa que a Netflix presenteou esse ano e que pode saciar essa vontade por um filme de ação casca grossa, e esse é o indonésio A Noite nos Persegue de Timo Tjahjanto.
Na trama você tem exatamente a receita que você já viu antes e segue os caminhos e batidas previsíveis do mesmo, mas não pré-julgue tão facilmente antes de ver o que o filme realmente entrega. A história segue Ito (Joe Taslim), um executor de poderosas gangues nas Filipinas, é pego em meio a uma insurreição traiçoeira e violenta dentro de sua família criminosa intitulada de “A Tríade” ao voltar de um violento ataque no exterior e salvar a vida de uma criança inocente que agora precisa manter à salvo. Ao mesmo tempo que seu passado volta para assombra-lo na forma de seu velho amigo Arian (Iko Uwais), um assassino letal da Tríade.
Não é tão difícil discutir sobre o que se trata A Noite nos Persegue, nem necessário se alongar demais. Ser curto e grosso é exatamente o que o filme do infelizmente pouco conhecido Timo Tjahjanto é e exatamente o que essa crítica será.
O filme se inspira razoavelmente nas tramas de crime e ação dos filmes de Hong Kong, especificamente de Johnnie To como os excelentes Drug War e Eleição 1 e 2, ao mesmo tempo que segue os moldes já familiares de ação ultra violenta e cenografias de luta decoradas como um musical derivado dos filmes Indonésios do The Raid e do prévio filme de Tijo, o bem legal Headshot (também estrelando Iko Uwais).
Mas parece que foi com A Noite nos Persegue, que Timo parece querer criar algo mais próprio e autoral em seu estilo de encenar ação violenta e escapista. É como se ele tivesse olhado para os filmes do John Wick e pensado: “bah, isso é muito deprê”, ou chegado para o Gareth Evans e falado: “seus filmes são legais mas falta mais sangue e tripas neles”. Calcule isso tudo isso junto e você tem as 2 horas de filme à se assistir aqui.
Perdoe o linguajar no parágrafo à seguir, mas o que presenciamos aqui é uma torrente quase ininterrupta de lutas magnificamente coreografadas, balas voando para todos os lados, facadas em todos os lugares inimagináveis, ossos fraturados em ângulos dos mais criativos e mais sangue e gore do que talvez um matadouro produz em um ano. Gente eviscerada segurando as próprias tripas, garrafa quebrada enfiada na boca, uma garotinha esfaqueando o olho de um dos capangas, partes intimas estraçalhadas, cabeças metralhadas à queima roupa, estiletes atravessando a bochecha por dentro e tantos outros tipos de violência que, mesmo quando você deixa em pause, personagens parece que continuam a morrer.
A câmera é ininterrupta e segue cada chute soco facada e tiro com planos alongados e até viram de cabeça pra baixo se preciso. Com a fotografia de Gunnar Nimpuno sendo um pequeno deleite à parte, com uma mescla de cores esverdeadas e esbranquiçadas nas cenas matinais e interiores para ressaltar o máximo de sangue possível. E variando com uma belíssima coloração Noir nas cenas noturnas, o que só torna toda a ação estilizada sim mas inegavelmente bonitas de se ver.
E se vocês pensavam que os clássicos embates Peter vs A Galinha em Família da Pesada eram as porradarias mais sangrentas ou qualquer cena de ação com Jackie Chan eram as com maior uso de adereços nos cenários possíveis, aguardem só pela clássica luta final daqui. É um dos espetáculos solos mais excelentes e catárticos do filme. Que talvez só perca para a MELHOR cat-fight feita em anos que precede a esta no filme, que fazem algumas das coreografias corpo a corpo e luta com facas (com uma não tão estranha tensão sexual presente) das mais impressionantes. É pedir muito um filme derivado só da personagem de Julie Estelle, apenas chamada de “The Operator (A Operadora)”? Ela não só rouba a cena como quase mata o próprio protagonista. Além do que já têm um título prontinho pra se usar.
Tudo isso com um roteiro simplista e que expõe o mínimo necessário de possível relevância narrativa em sua trama, que mais uma vez não é nada demais e só serve como desculpa para vermos os personagens se esbofeteando e desmembrando do início ao fim. E que no final do dia só tem como importante e relevante mensagem de que amizade é tudo que importa em um mundo de violência e crime, com até decentes momentos de “tensão dramática” entre a boa dupla de protagonistas Joe Taslim e Iko Uwais, os dois que andam sempre juntos desde The Raid e que tão pra se tornar os Lee Van Cleef e Clint Eastwood dos filmes de ação Indonésios (ou algo parecido).
O que nisso revela uma boa influência dos filmes de John Woo como Alvo Duplo ou Fervura Máxima, no sentido que o filme se reconhece como um inevitável brega exagerado e estilizado e abraça isso no maior espetáculo de entretenimento possível, ao mesmo tempo que não esquece do coração de seus personagens carismáticos e interessantes, que até dedica cenas inteiras na pausa de toda a ação pra mostrar o passado de seus personagens e a conexão íntima e amigável deles antes de suas vidas se tornarem um verdadeiro inferno no tempo atual. O que claro nos fazem simpatizar emocionalmente e torcer pelos mocinhos e esperar ansiosos pela morte satisfatória dos vilões.
Onde o passado é uma boa e confortável brisa antes da tempestade furiosa e violenta que é o tempo atual. Mas é como o próprio filme sutilmente nos diz: quem raio liga para a história clichê de vida do crime e traições entre antigos amigos enquanto é muito mais divertido vendo eles liberando toda sua fúria em cenas de ação espetaculares, catárticas e brutais. Se for exatamente isso que você espera o filme vai te entregar em grande, te fazer virar a cara em certas cenas e abrir um sorriso enorme em outras.
A Noite nos Persegue (The Night Comes for Us – 2018)
Diretor: Timo Tjahjanto
Roteiro: Timo Tjahjanto
Elenco: Iko Uwais, Julie Estelle, Joe Taslin, Zack Lee, Sunny Pang
Gênero: Ação
Duração: 121 min.