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Crítica | A Rota Selvagem – Um caminho de autodescoberta

Histórias de superação e autodescobertas existem aos montes no cinema, principalmente com personagens com algum problema em se conectar com o mundo ou que estejam em uma fase da vida de novos conhecimentos. É isso o que é proposto em A Rota Selvagem (Andrew Haigh), um filme em que acompanhamos a trajetória de Charley (Charlie Plummer), um garoto que vive com o pai alcoólatra e mulherengo e que não tem mais sua mãe por perto como companheira para o ajudar a viver com essa barra de ter um pai que mesmo estando presente é bastante ausente. 

Eis que o roteiro faz com que uma tragédia ocorra na vida do garoto fazendo com que isso funcione como uma justificativa para que assim Charley possa sair do seu estado comum e comece a viver sua vida. Esse fato é mais uma desculpa para que Charley possa sair à procura de sua tia e assim acabe por fazer uma viagem de auto conhecimento. É uma produção que trabalha bem a ideia de não ficar preso a um lugar e poder sair por aí para desfrutar das maravilhas do mundo e também a de conhecer os perigos e as belezas da vida em um período tão confuso como é a adolescência. 

Charley é um garoto como qualquer um, é curioso, de poucas palavras e busca emoções novas. É nesse contexto que se depara com Lean on Pete, um cavalo usado em corridas, que logo é descartado por não conseguir obter os resultados necessários. Lean on Pete e Charley tem muito em comum, ambos foram largados no mundo, a diferença é que o cavalo não terá um fim digno e o garoto acha isso injusto, além de ter criado um laço de amizade sensível com o animal passa a continuar sua viagem, agora com companhia de Lean

A partir daí que o longa passa a ficar mais cativante. O garoto não é de ficar plantando em apenas um lugar, quer continuar seu caminho e assim conhecendo um mundo novo, cheio de barreiras e perigos pela frente. Essa sua nova trajetória é marcada por uma segunda tragédia que serve para dar outra lição a Charley, não adianta o quanto ele ajude o cavalo, o animal tem o seu rumo e o seu destino certo e mesmo que se faça algo para mudar esse caminho o destino fará o seu trabalho para que a ordem natural volte aos eixos.

O roteiro é bem estruturado no sentido de fazer com que Charley se conecte com o mundo exterior e que o cavalo e a ida à casa de sua tia são na verdade apenas uma desculpa para que ele saia andando por aí. Apesar de ser bastante maçante em alguns momentos A Rota Selvagem não é monótono, a ação acontece, mas sempre no sentido em que o protagonista vai caminhando, é uma ação mais arrastada que o de costume e que lembra bastante o longa Inverno da Alma em que a personagem de Jennifer Lawrence busca encontrar seu pai. Esse ritmo faz todo o sentido, pois há uma razão para que seja trabalhado dessa forma, ainda mais levando em conta a questão de o garoto se sentir abandonado, algo diferente do que ocorre em Na Natureza Selvagem (Sean Penn) em que o protagonista foge de sua vida por querer fazer algo de novo e de relevante.

O título original do longa leva o nome do cavalo e isso diz muito sobre o que ele representa para a história. Lean on Pete, queira ou não, é importante no sentido de amadurecimento de Charley e por dar um motivo para que ele faça o que sempre desejou, não apenas sair de casa e da realidade que vivia, mas a de conhecer todo o vasto mundo que há além de sua casa. Mas o cavalo não é o único amigo que Charley conhece, encontra em Del (Steve Buscemi) e Bonnie (Chloë Sevigny) conexões que descobre ser passageiras, mas que o ajudam a entender como o mundo funciona, se você é fraco não serve mais para a sociedade e acaba sendo descartado. Essa lição, que Del e Bonnie passam Charley serve para dar uma guinada em sua vida no sentido de fugir dali o mais rápido possível para que não seja ele no futuro a pessoa a ser descartada. 

O diretor dá um direcionamento em relação ao personagem de Charley, fazendo com que sem mais nem menos esteja pronto para novos desafios e para que ele crie uma casca também no sentido de ter uma superação quanto aos traumas vividos. Charley tem pouca vivência por ser novo, mas com uma trajetória marcada por tantas histórias que com certeza ajudarão a moldar sua personalidade e a transformar ele em uma pessoa melhor. 

Há uma diferença gritante de interpretação quando Charlie Plummer está em cena com o ator renomado Steve Buscemi e com a excelente Chloë Sevigny, algo natural se levar em conta a bagagem dos dois veteranos no cinema, mas o garoto não decepciona, apesar de jovem mantem o foco no personagem e prende a atenção do telespectador com seu modo simples de interpretar um garoto vazio e que ainda está criando uma personalidade. Buscemi e Sevigny estão ótimos, mas com pouco destaque acabam perdendo o brilho e para piorar o diretor resolve tirar os dois da história quase que simultaneamente, apenas para mostrar que essa era apenas uma fase vivida por Charley.   

Andrew Haigh tem uma direção competente, trabalhando bem elementos que ajudam a direcionar o caminho do protagonista, sem dar pistas do que vem pela frente na aventura pelo mundo afora. Alguns momentos se excede em cenas que não acrescentam em nada para a trama e trabalha bem os diálogos que vão direto ao assunto, sem ficar dando voltas. Andrew Haigh toma decisões rápidas quando precisa levar o garoto de um lado para o outro e tudo que acontece na história é por algum sentido. 

*Esse filme foi visto durante a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A Rota Selvagem (Lean on Pete, Coréia do Sul – 2018)

Direção: Andrew Haigh
Roteiro: Andrew Haigh, Willy Vlautin
Elenco: Chloë Sevigny, Charlie Plummer, Steve Buscemi, Travis Fimmel, Amy Seimetz
Gênero: Aventura, Drama
Duração: 121 min

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Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

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