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Crítica | A Vida de uma Mulher

Depois de filmes notáveis, como O Valor de um Homem, Uma Primavera com a minha mãe e Mademoiselle Chambon, o diretor francês Stéphane Brizé sai dos cenários contemporâneos para realizar seu primeiro “de época”. Para isso, recorreu à literatura de seu país e optou pelo primeiro romance do célebre Guy de Maupassant, Une vie – que também é o título original do filme. Para cá veio como A Vida de uma Mulher. Essa “vida”, porém, que nas letras invocava algo mais abrangente, embebida nas influências de Flaubert e Balzac, na tela ganha traços de um Lars Von Trier de segunda.

Esse destaque, diga-se, é despertado logo nos primeiros planos, com a câmera na mão e seus cortes bruscos e a textura granulada numa tela com razão de aspecto limitada. Nessa prisão visual, porém, não há uma dinâmica entre os corpos, nem uma dramaturgia que a justifique. Brizé opta por contar a história com grandes elipses de tempo, filmando apenas os picos do relevo dramático. Acaba desenhando um terreno tortuoso, não porque complexo, mas porque incapaz de alcançar uma unidade.

No caminho unívoco que segue o enredo, a empatia com a personagem de Jeanne (Judith Chemla) depende de todo o desenvolvimento dramático. A moça acaba de voltar para casa dos pais após completar os estudos e é levada a casar-se com Julien (Swann Arlaud), um moço bem quisto na região. Duas ou três sequências depois, já estão juntos na cama, passando a ideia de uma união matrimonial/sexual forçada. Momentos depois, descobrimos que o tal príncipe não passa de um patife, quando a mulher descobre o adultério com uma das serviçais. Por influência do pároco e da família, Jeanne perdoa o marido e prossegue estoicamente em seu sofrimento. Com a ferida ainda fresca, seguem-se outros deslizes por parte do homem, que terminam tragicamente.

Esses grandes saltos temporais são uma boa ideia de representar as feridas que não saram. Por outro lado, para ter um corte, é preciso ter superfície, e para a emoção, alguma profundidade. E, por todo o filme, a câmera deixa Jeanne por poucos momentos. Mas como tudo é embalado na obviedade e numa aparente presunção, resta senão a impressão de um romanesco preguiçoso, não aquele que deu destaque para os artistas do período, nem nos seus desdobramentos.

A Vida de uma Mulher desconjunta-se em diversos retalhos, da mesma maneira como o recente Moonlight – Sob a Luz do Luar não conseguia sustentar a balança entre a história e seu personagem em seus três capítulos. São dois filmes bem parecidos, inclusive, na abordagem da trajetória de seus protagonistas-vítimas. A trajetória de Jeanne encerra-se num desfecho moralista (“A vida nunca é tão boa nem tão ruim quanto se pensa”), ao mesmo passo que a de Chiron segue a busca pelo individual num destino social bem traçado. Jeanne sofre, intransponível, poética para si e talvez para quem a conheça. Mas o tom universalizante deixado pela “lição final” não reflete o restante do filme, assim como Moonlight exigia no último momento uma ligação sentimental não construída.

Jeanne é nobre, filha de barões, vive no ambiente rural, escreve, solta uma verso aqui e outro acolá. Sofre com a canalhice do marido, com o sanguessuguismo do filho, com a morte da mãe… E o filme prossegue, filmando essa esponja de desgraças, repetindo os mesmos sons no piano, entre a alcova, os jardins e a vista do mar, com momentos mais alegres no verão verde-amarelo e mais tristes no inverno azul-preto – tudo para que o clímax sangrento ganhe feições fantasmagóricas que o justifiquem. O ritmo tedioso “intencional” mostra-se um experimento (que não é novidade alguma) desde o princípio malfadado.

Desse reducionismo, não parece sobrar nada que não um conformismo datado, com os trajes de um romântico de lentes modernas. Essa vida, porém, não consegue se desdobrar o bastante para falar de uma mulher nem de ontem, nem de hoje.

A Vida de uma Mulher (Une vie, França – 2016)

Direção: Stéphane Brizé
Roteiro: Stéphane Brizé e Florence Vignon
Elenco: Judith Chemla, Jean-Pierre Darroussin, Yolande Moreau, Swann Arlaud, Nina Meurisse, Olivier Perrier e Clotilde Hesme
Gênero: Drama
Duração: 119 min

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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