Na nova Hollywood dos anos 1990, lar de Quentin Tarantino e Tony Scott, outra pessoa ganhava destaque absurdo com um nome de exotismo encantador: M. Night Shyamalan. Emplacou de vez logo dois clássicos: O Sexto Sentido e Corpo Fechado. Depois, decaiu um pouco a qualidade, mas ainda trazia bons filmes como Sinais e A Vila. Pois desde então, Shyamalan morreu para mim. Uma má fase que vinha desde A Dama na Água para chegar no ápice da porcaria em 2013 comDepois da Terra. Na época, eu ficava intrigado. Como um diretor que fez apenas dois ótimos sucessos continuou tendo chances em Hollywood com diversos filmes ruins e fracassos de bilheteria? Não faço ideia. Talvez Shyamalan tenha parte com forças sobrenaturais, porém é inegável que, finalmente, ele entregou algo satisfatório. Aleluia!
Esta incrível pequena surpresa se chama A Visita. Novamente, Shyamalan trabalha com crianças e as envia diretamente para agradável casa da vovó e do vovô. Entretanto, os irmãos Becca e Tyler nem imaginam as bizarrices que o casal de simpáticos velhinhos faz depois das 21:30. E a melhor saída para os dois é se trancafiar no quarto e rezar para a semana da visita passar o mais rápido possível.
Este é um dos filmes mais autoconscientes de Shyamalan dos últimos tempos. Isso é ótimo. Ele finalmente se tocou que seu nome virou sinônimo de obras esdrúxulas e não mais de arte renomada. Aqui, ele segura bem as pontas ao finalmente abraçar a simplicidade. Desde o formato escolhido para a filmagem até a própria narrativa.
Aqui se trata de um mockumentary. Ou seja, é um falso documentário. O filme justifica muitíssimo bem a escolha do formato que muitos podem confundir com found footage. Não é o caso. Becca é uma aspirante a cineasta e tem vontade de gravar a estadia na casa dos avós em uma tentativa de reconciliar os senhores com a sua mãe. É uma busca pela conciliação. O que é algo belo neste filme: as relações familiares.
Rapidamente nos sentimos ligados aos dois irmãos simpáticos que trocam provocações e traquinagens de tempos em tempos. De fato, muitas vezes A Visita não parece ser um filme de terror e sim de comédia tamanha a qualidade das piadinhas entre os irmãos. Porém, apesar da comédia pender para o ridículo às vezes, não pense que é porque Shyamalan voltou a ficar descerebrado. Isso é proposital para gerar o contraste forte pelo sempre presente twist, a reviravolta final e derradeira, característica autoral do trabalho do diretor. Como na maioria das vezes, ela é forte, seca, chocante e cruel. Eu fiquei verdadeiramente surpreso como há tempos não ficava – parecia aquelas senhoras fofoqueiras que assistem às novelas e se surpreendem com as reviravoltas mais dúbias. Aliás, até mesmo o twist do longa é simples e pode ser previsível para mentes mais cínicas que a minha.
Além da simplicidade, o longa nos cativa pela boa dinâmica de enredo. As coisas acontecem rápido. Em poucos minutos vemos a Vovó fazer umas loucuras assustadoras pela casa. Ainda que muitos desses momentos de tensão da primeira hora do filme sejam razoáveis e clichês, Shyamalan compensa com uma encenação satisfatória, timing certeiro e ótima ambientação sonora. É uma pena que nas primeiras três noites as coisas sejam muito parecidas e que realmente não apresentem ameaça alguma para os protagonistas.
Aliás, a câmera aqui é um personagem. A encenação se concentra no jogo de duas câmeras EOS C300 da Canon – já se trata de câmeras profissionais de cinema, as que aparecem em vídeo, menos robustas, são trucagem. Os irmãos empunham as câmeras e filmam tudo que vem pela cabeça, na teoria, pelo menos. É evidente que de fato os atores mirins não filmam porcaria nenhuma e que as cenas são dirigidas pelo Shyamalan acompanhadas da refinada fotografia de Maryse Alberti que trata a luz com muita delicadeza refletindo um ambiente ao mesmo tempo acolhedor, bucólico, nostálgico e assustador.
Como crítico, é complicado analisar a fotografia claramente trabalhada profissionalmente para dar a impressão que pertença a um mockumentary caseiro feito por uma garotinha de treze anos (na diegese). Dessa vez, tomo como licença poética, pois a luz tem aparência naturalista (apesar de não ser) e se comporta amadoramente quando o texto exige. Então, para mim, se trata de um ótimo trabalho de cinematografia. O único porém que eu acho completamente absurdo são as constantes passagens de foco que a câmera faz quando supostamente não há ninguém as manuseando. É algo que quebra a diegese e incomoda. Entretanto, as passagens de foco realmente são necessárias para guiar o olhar do espectador e auxiliar no visual da cena. Enfim, é algo preciso, mas que incomoda por não ser justificado de maneira competente.
Shyamalan falha ou acerta apenas com o Vovô e a Vovó, seja intencional ou não, o filme sai enfraquecido ou se torna brilhante – depende do ponto de vista que você escolher, afinal nós nunca conhecemos de fato os personagens. O diretor elabora sim alguma humanidade nos dois esquisitões muito bem interpretados por Deanna Dunagan e Peter McRobbie. Durante o filme, nós vemos pouca interação significativa entre os jovens e os avós, porém, se pensarmos bem, isso é justificado no final mesmo que deixe a desejar um pouco. O que talvez decepcione é a falta da presença da atmosfera ameaçadora para os dois jovens durante boa parte do filme. Apenas durante os trinta minutos finais que a coisa pega fogo e ali Shyamalan mostra porque era considerado o novo Hitchcock nos anos 1990. Claro, lhe falta a sutileza de outrora, mas o trabalho de tensão e do jogo de cena que explora as bordas dos enquadramentos em vez de simplesmente jogar a ação na cara do espectador, é algo delicioso de se assistir.
Até mesmo há apresentações de algumas reflexões sobre a terceira idade, de modo bem-humorado, claro. Sei que o filme não se propunha a isso, mas em determinada cena, acompanhamos o ponto de vista dos avós. Ali, teria sido uma ótima oportunidade para incrementar mais a relação do avô com a avó deixando esse conhecimento restrito apenas para os espectadores, por algum tempo. Na teoria do cinema e do suspense, geralmente quando nós sabemos de algo que os protagonistas ainda não sabem, a tensão se eleva e passamos a ficar mais aflitos.
O diretor também faz auto referencias certeiras. Aqui, a encenação de algumas passagens lembra momentos marcantes de O Sexto Sentido e Sinais. Também há um evidente cuidado para construir a atmosfera seja com alguns establishing shots ou pelo próprio trabalho do design de produção com a casa dos avós. Aliás, importante citar o ótimo rendimento que Shyamalan teve com seus atores mirins Olivia DeJonge e Ed Oxenbould. Ele nasceu para trabalhar com crianças.
A Visita marca, enfim, o retorno de Shyamalan à boa forma. Não é um longa excepcional de suspense ou algo significativamente importante para o gênero. Na verdade ele não apresenta nada de novo, mas sim uma exibição de como Shyamalan aborda o Suspense com um formato relativamente novo. Se trata apenas da forma mais pura de cinema – a do entretenimento despretensioso, simples e divertido. Assistir a esse filme é uma tarefa gostosa e, acredite, eu estava muito pessimista e carrancudo antes da sessão. Além disso, é ótimo ver que Shyamalan está tomando jeito – espero que continue assim por um bom tempo. Se você gosta de filmes sobre gente esquisita com um bom suspense, alguns sustos baratos (jump scares) e boas piadas, está aí uma ótima pedida para o fim de semana.
No fim das contas, A Visita rende uma boa visita ao cinema.
A Visita (The Visit — EUA, 2015)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: Olivia DeJonge, Ed Oxenbould, Deanna Dunagan, Peter McRobbie, Kathryn Hahn, Samuel Stricklen, Jorge Cordova.
Duração: 93 minutos.