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Crítica | Águas Rasas

Jaume Collet-Serra vem em uma boa fase nos cinemas americanos. Aliás, ele é um dos melhores exemplos de diretores que têm péssimas estreias de carreira, mas que, de bico fechado e com muito estudo, conseguem fixar carreira em Hollywood até realizarem bons filmes. Collet-Serra surgiu com o deplorável, péssimo A Casa de Cera, um filme de 2005 que certamente entra na lista dos piores que vi na vida.

Porém a recuperação foi rápida. Três anos depois, ele trouxe A Órfã, um empolgante thriller de suspense que certamente é um de seus melhores filmes. Nisso, fez dois longas de ação com Liam Neeson sendo Noite Sem Fim o ápice de sua carreira. Agora com Águas Rasas, é possível afirmar que o diretor cresceu e conseguiu manter boa qualidade em suas obras.

Nancy resolveu tirar um período sabático em sua vida agitada como estudante de medicina. Para homenagear sua mãe, falecida há pouco tempo, ela parte para uma praia secreta na costa mexicana onde seus pais costumavam surfar. O cenário paradisíaco, deserto e sereno é fantástico no começo do dia. Porém, quando o sol começa a se pôr, uma ameaça gigantesca surge e ataca Nancy: um tubarão branco. Mesmo ferida, ela consegue chegar em uma diminuta ilha de rochas no meio do oceano. Lá, ela terá que enfrentar todos os perigos vindos de seu ferimento e ficar atenta ao tubarão que ronda sua ilha a todo o momento até encontrar alguma maneira de retornar à praia em segurança.

O roteiro de Anthony Jaswinski escolhe rumos menos óbvios para um filme de ataques de tubarão. Ao contrário de Mar Aberto, longa de situação muito similar à de Águas Rasas, Jawinski aposta muito na força de sua personagem Nancy. Logo, de modo inteligente e bem-humorado, o roteirista oferece um bom momento de exposição para situar a motivação da protagonista.

Já ali, ele situa bons elementos através do uso de redes sociais e aplicativos de smartphones. Após uma primeira sessão de surfe onde também ocorre outra interação da personagem com outros coadjuvantes, se estabelece um conflito secundário que torna a surfista bem mais complexa, além de justificar diversas ações que ela toma após o ataque do tubarão.

Quando finalmente o tubarão entra em cena, boa parte do desenvolvimento humano é deixado de lado, afinal todos os esforços se concentram no jogo da sobrevivência. O maior ganho do roteiro é definir uma lógica interna fantástica para a rotina de Nancy em cima da rocha. Enquanto ele sucede bem ao estabelecer as medidas da protagonista para sobreviver, além de delinear os perigos como insolação, desidratação intensa, necrose dos ferimentos, febre, hipotermia, os horários de maré alta e baixa e as rondas do tubarão obcecado, o roteirista exagera na dose da exposição ruim quebrando a todo momento o silencio do solilóquio de Nancy.

Para justificar tantas vezes que a personagem fala consigo mesmo, até insere uma gaivota ferida na mesma rocha rendendo alguns momentos de leveza em meio a tanta tensão e desespero. Talvez, o único verdadeiro porém do longa, seria a inteligência por vezes muito avançada do tubarão. De resto, as saídas para o conflito até o clímax são muito bem inseridas encaixando elementos novos para o espectador não cair no marasmo durante o filme.

Com um texto bastante satisfatório, Jaume Collet-Serra consegue fazer bonito na direção do filme, exceto logo na primeira sequência. Como o roteiro usa o auxílio de redes sociais para definir quem é Nancy, Serra sempre insere caixinhas virtuais ao lado dos atores enquanto eles interagem com fotos ou vídeos. A primeira sequência se concentra em uma camionete que segue até a praia secreta onde Nancy e o motorista conversam.

Como em todas as cenas que se passam dentro de carros, a quebra de eixo de direção é normal por conta do jogo do campo e contracampo. Ou seja, ora o carro vai para a direita da tela, ora para a esquerda. Seguindo um jogo de decupagem infeliz por se concentrar em close ups durante essa conversa, além de encaixar nos mesmos planos as telinhas virtuais, o diretor joga toda a atenção para essa quebra de eixo já que os quadradinhos ficam mudando de lado no enquadramento a cada novo plano. É feio, é amador e gera confusão visual.

Após esse grande tropeço no começo, o diretor toma as rédeas e capricha bastante no resto do filme. Já na primeira grande sequência de surfe, ele consegue realizar uma ótima metáfora de montagem ao mudar os planos de superfície que acompanham a ação, para os subaquáticos mais contemplativos. Toda vez que estamos na superfície, sempre há presença de música que, por sua vez, some, quando nos planos submersos. Infere que a ameaça invisível e despercebida já está presente enquanto a protagonista se diverte com o surfe. Não muito delicado, mas eficiente.

A mesma qualidade segue quando finalmente o tubarão surge. Para isso, ele aproveita praticamente quase todos os planos possíveis para realizar em um filme desses. Logo, a linguagem visual é bastante rica e diversificada. Até mesmo há algumas mudanças de ponto de vista necessárias para a melhor compreensão de algumas passagens. Aliás, o campo de cinematografia brilha bastante conseguindo resultados fantásticos para tomadas submarinas. O mesmo ocorre com o uso adequado das cores para refletir os estados de espírito da protagonista. Novamente, não é à toa que clímax do longa se dê debaixo de forte tempestade.

Dominando bem o campo visual, fazendo algumas montagens videoclipadas para as cenas de surfe, Collet-Serra soube entender bem o tipo de filme que faz. Águas Rasas é, intrinsicamente, um filme de sobrevivência. E como toda obra desse tipo, a montagem tem que ser eficiente para transmitir o momento de marasmo necessário. Fora isso, há todas as outras dicotomias clássicas presentes em filmes de náufragos como a grande ironia da sede – afinal a personagem está cercada por água.

Também não funcionaria bem caso não nos importássemos com a protagonista. Por competência, Blake Lively consegue segurar bem o longa com momentos de horror e determinação. Além disso, o paralelo criado entre o passado da mãe da personagem com a sua luta pela sobrevivência ser competente. Collet-Serra confia tanto em sua atriz que até realiza um plano hitchcockiano que aposta na reação de horror da expressão de Lively ao presenciar uma cena bastante grotesca.

Com absoluta certeza, Águas Rasas é um dos melhores longas que exploram esse tema de ataques de tubarão. Seu roteiro consegue criar laços competentes para a personagem, elaborar planos de sobrevivência críveis, além de firmar bem a figura antagônica do tubarão. O mesmo se dá com Collet-Serra através da linguagem visual rica e das boas metáforas. A ação é igualmente competente, assim como o senso de urgência que ele traduz em sua montagem acertada. Até mesmo a maquiagem e o departamento de efeitos visuais impressionam muito – o tubarão só fica artificial em tomadas aéreas que capturam sua silhueta cafona.

Não há muito erro com esse filme. Se é fã desse tema e de cinema de horror competente, é a escolha mais adequada.

Águas Rasas (The Shallows, EUA, 2016)

Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: Anthony Jaswinski
Elenco: Blake Lively, Óscar Jaenada, Brett Cullen, Sedona Legge, Pablo Calva, Janelle Bailey, Sully Seagull
Gênero: Suspense, Terror 
Duração: 86 min

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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