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Crítica | Annabelle 2: A Criação do Mal

Talvez a realização mais assustadora acerca da franquia Invocação do Mal, seja o próprio fato de que esta é uma franquia, ou Universo Cinematográfico, como dita o marketing da Warner Bros e o atual modelo de mercado blockbuster. Nem mesmo James Wan tinha ciência da porta que estava abrindo em 2013, quando simplesmente tentou fazer um filme de terror de estúdio decente e à moda antiga, com um sucesso avassalador tanto de crítica quanto de público; era de fato um dos melhores longas do gênero em anos, e o que iniciara a admirável nova safra que temos experimentando em tempos recentes.

Agora, depois de uma continuação igualmente excelente e um spin off fraco sobre a boneca Annabelle, Wan promete explorar o sinistro arsenal do casal Ed e Lorraine Warren e oferecer histórias próprias a algumas de suas “relíquias”, já tendo anunciado A Freira para o ano que vem, um vindouro derivado para o Homem Torto no futuro e, claro, a terceira parte de Invocação do Mal; que Wan batiza de “nave-mãe” da franquia. Porém, foi só com Annabelle 2: A Criação do Mal, que realmente vemos força nesse universo, e também a realização de que ele pode funcionar sem a direção de Wan, algo que nos havia deixado preocupados no primeiro longa da boneca em 2014. Todo o crédito definitivamente recai sobre o diretor David F. Sandberg.

A trama do filme serve como prequel para o filme de 2014, nos levando para 1908, onde o fabricante de bonecas Samuel Mullins (Anthony LaPaglia) trabalha naquela que viria a ficar conhecida como a icônica Annabelle. Após sua filha morrer em um acidente de trânsito terrível, Samuel e sua esposa (Miranda Otto) decidem abrir sua longa casa para receber garotas órfãs de um convento católico, que chegam alguns anos após o evento fatídico. Claro, não demora até que as jovens começam a perceber atividades estranhas na casa, especialmente em relação com a sinistra boneca do título.

É de se espantar que o roteiro deste filme seja escrito por Gary Dauberman, o mesmo responsável pelo péssimo texto do primeiro Annabelle. Se o anterior judiava do espectador com personagens rasos e superficiais, temos em A Criação do Mal um núcleo surpreendentemente dócil e convincente, mesmo que pautados em clichês e relações que já vimos um milhão de vezes no gênero. Especialmente com as protagonistas Janice (Talitha Bateman) e Linda (Lulu Wilson), o texto de Dauberman oferece uma relação sincera e bonita, com duas amigas órfãs que se consideram irmãs e lutam para preservar sua forte amizade; o que por si só já torna nosso investimento maior durante o início de todo o horror, e ambas as atrizes oferecem momentos fantásticos aqui, com Wilson agradando no inesperado timing cômico e Bateman por sua assustadora virada sombria no terceiro ato.

Além do trabalho eficiente com os personagens, Dauberman se sai muito bem ao expandir a mitologia desse universo aqui. Não só a história de origem contada para a boneca agrada por suas reviravoltas e segredos bem escondidos do público (aquele velho jogo de perguntas e respostas, com uma exposição gigantesca antes do grande clímax), mas também traz uma inesperada e satisfatória conexão com o primeiro filme – e admito que mesmo este sendo muito mais fraco, o elo de ligação lhe ofereceu uma profundidade muito maior, ainda que um tanto absurdo. O roteirista ainda tem a chance de apresentar novas “criaturas” para o lore da série, seja na figura fantasmagórica de uma mulher com rosto deformado até, meu preferido, um sinistro espantalho que daria pesadelos ao próprio Batman.

E o diretor David F. Sandberg certamente se diverte com todos esses conceitos. Saído de sua bem sucedida estreia com Quando as Luzes se Apagam, Sandberg tem uma carreira promissora e definitivamente inspiradora: com o sucesso de seu curta de terror, acabou atraindo a atenção da Warner e de James Wan, e agora já está contratado para comandar a adaptação da DC comics de Shazam. Aqui, o diretor continua demonstrando um invejável domínio na arte de se criar atmosfera e terror, e assim como tem mostrado-se uma tendência no “Conjuverse”, nada de jump scares ou sustos baratos. Com seu tenebroso uso de corredores escuros e locais pouco iluminados, há diversas brincadeiras com luz e lâmpadas que remetem a seu trabalho anterior, e que também devem ter exigido um planejamento certeiro do fotógrafo Maxime Alexandre, que acerta em suas escolhas de tonalidade e textura para a época retratada – reparem no granulado 16mm, todo inserido durante a pós produção.

E, claro, toda essa brincadeira com o escuro ajuda a tornar as sequências de terror um verdadeiro festival de suspense, deixando o espectador ansioso pela revelação das (sinistras) aparições da história, e a forma como estas mesclam-se com a escuridão é uma ótima sacada: demora até o espectador perceber que a ameaça JÁ ESTÁ em nosso campo de visão. Aliás, aplausos aos responsáveis por criarem monstros tão marcantes como o que vimos aqui, desde o trabalho corporal fantástico do sempre sinistro Joseph Bishara, até o já comentado Espantalho, a boneca Annabelle e a velha mascarada. Quanto a personagem título, Sandberg sabiamente segue os passos de Wan e Leonetti ao nunca mostrá-la em movimento, sempre usando de cortes para ocultar as manifestações físicas da boneca, algo que é consideravelmente mais eficiente e sinistro; sem falar no excelente plano onde um personagem acaba tendo um destino terrível, mas a câmera é toda mantida na reação inexpressiva da boneca, enquanto os gritos de dor preenchem a paisagem sonora.

Sandberg também segue a tradição da franquia ao nos apresentar a casa dos Mullins com um belo plano sequência, já situando o espectador e tornando-o confortável com a espacialidade do local – ainda que seja uma decisão inteligente, vi aí um claro sinal de repetição em relação à estrutura dos longas. Porém, as ideias do diretor destacam-se até mesmo em pequenos momentos, como quando a jovem Janice senta-se de costas à freira Charlotte (Stephanie Sigman) e a câmera de Sandberg lentamente vai rodopiando ao redor das duas, uma decisão que mostra-se delicada à medida em que a conversa vai tornando-se mais informal. De forma similar, o diretor é sábio ao retratar a jovem Janice tentando caminhar sem suas muletas (ela tem poliomielete em uma perna) ao mesmo tempo em que enquadra as peças velhas de bonecas não completadas, criando um bom paralelo visual. 

Sendo muito melhor do que seu fraco antecessor, Annabelle 2: A Criação do Mal mostra que o universo de Invocação do Mal é capaz de contar boas histórias isoladas, contando com uma direção muito eficiente e uma exploração fascinante da mitologia sinistra da franquia sobrenatural. Esse talvez seja o universo cinematográfico mais empolgante em atividade, e olha que fomos todos pegos de surpresa com sua criação.

Que James Wan continue apadrinhando novos contadores de histórias de terror.

Annabelle 2: A Criação do Mal (Annabelle: Creation, EUA – 2017)

Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Gary Dauberman
Elenco: Lulu Wilson, Talitha Bateman, Stepahnie Sigman, Anthony LaPaglia, Miranda Otto, Kerry O’Malley, Philippa Coulthard, Samara Lee, Grace Fulton, Joseph Bishara
Gênero: Terror
Duração: 109 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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