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Crítica | Artista do Desastre – O Ed Wood dessa geração

Já era mesmo uma questão de tempo até Hollywood vir a fazer um filme sobre um dos seus grandes fenômenos culturais dos últimos tempos. E sim, indubitavelmente, o filme The Room do peculiar Tommy Wiseau se tornou, mesmo com toda sua bizarrice e ruindade cinematográfica, uma obra inesquecível e criadora de legiões de fãs até hoje.

E parece que essa história de caráter tão fascinante, interessou e muito ao querido James Franco, que aqui assume a cadeira de diretor e produtor, assim como intérprete principal do próprio Tommy Wiseau (que também assumira os mesmos postos em The Room), em cima do roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber baseado no livro The Disaster Artist: My Life Inside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made de Greg Sestero, o famoso ‘Mark’ de The Room.

Com essa íntima trama nos levando por dentro um pouco da vida do jovem ator sonhador de Greg Sestero (Dave Franco), e sua peculiar amizade com o ainda mais peculiar Tommy Wiseau, e a busca de ambos pelo estrelato e sucesso em Hollywood. Onde culmina na brilhante ideia de Wiseau de produzir, escrever e dirigir o próprio filme, The Room, e ver a turbulenta produção que se inicia em volta dele.

Reverência e Nostalgia

Um dos medos que talvez se possa ter ao se deparar com Artista do Desastre, é se o filme vai cair no antro dos “filmes de Seth Rogen e sua trupe”, já que vemos o próprio também na produção e participando do filme como Sandy Sichklair, o incrédulo supervisor de roteiro, e ainda breves participações especiais (e hilárias) de caras conhecidas como Danny McBride e Zac Efron, entre outros. Não que isso seja algo ruim claro, boa parte dessa leva de filmes do grupo de amigos são boas e divertidas comédias, mas não sei se seria uma narrativa escrachada como de costume do grupo, tão apropriada para um filme assumidamente “autobiográfico” como Artista do Desastre mostra ser.

Porém, Franco surpreende em seu comando do filme e nunca leva o humor para o lado escrachado e bobo, e sim busca tratar a história de Tommy Wiseau e Greg Sestero com imenso respeito e até muito carinho, conseguindo trazer uma leveza e humor muito naturais. Provocando sim constantes risadas e instantânea empatia com a dupla de Tommy e Greg.

É por raros motivos assim que você talvez consiga ver, e aflorar, a verdadeira qualidade de um cineasta: lhe entregando um trabalho que seja de seu grande aprecio e afeto. E no caso de Franco, que até hoje nunca emplacou um filme no mínimo interessante e conhecido como diretor, Artista do Desastre lhe cai como um presente e facilmente vira seu melhor filme no comando. Nada de realmente interessante pode ser destacado do visual um tanto genérico com que ele emprega aqui, basicamente um ‘câmera na mão’ constante que até se utiliza de pequenos planos longos aqui e ali, querendo homenagear a era clássica do cinema talvez, ou apenas preguiça de montagem. Mas consegue causar o sentimento de imersão nos bastidores e na bizarra vida íntima de Wiseau. 

Porém o que mais impressiona é sua recriação fidedigna de vários momentos icônicos de The Room (acredito quase que eles refilmaram o filme original por completo e só mostraram momentos chaves aqui e ali – seria um ótimo extra para o blu-ray), assim como ótimas cenas de bastidores. Acredite, a maioria dos momentos mais insanos e bizarro que você verá aqui, aconteceu mesmo, e é absolutamente hilário.

Mas no quesito narrativo, o filme até consegue se destacar bem decentemente. Com um texto que assume um toque auto-referencial, inteligentemente empregado, até quase documental em partes, quando vemos alguns artistas famosos como J.J Abrams e Kevin Smith introduzindo ao filme, implicando o grande marco cultural que foi The Room. E dessa forma, vemos a abordagem tão nostálgica que Franco toma aqui, em querer revelar o íntimo dos bastidores desse pequeno fenômeno cult que mora no coração de tantos de forma tão nostálgica. Incluindo de todos os membros do elenco aqui que se mostram estar claramente se divertindo horrores ao recriar o desastre que foi as filmagens dessa pérola, incluindo duas breves participações do próprio Tommy Wiseau e Greg Sestero que se piscar perdeu, ambos muito bem integrados no elenco, e com certeza orgulhosos da homenagem sendo feita sobre suas obras.

O Amor Cego à arte

Seguindo por essa perspectiva, podemos notar também como Franco possui uma certa relação íntima com essa história, bem familiar como a que Wiseau tinha por The Room, onde encontramos o bom e velho tema do filme: o doloroso amor pela profissão.

O cinema é uma arte escandalosa, imersiva, operante, complexa; capaz de expressar tudo que não se consegue na vida real ou através da escrita ou meras palavras. E atuar, talvez seja o perfeito e apaixonante emprego para a grande maioria do ramo. Essa era a maldição de Wiseau e que tantos outros carregam: querer ser o melhor no que faz e encontrar alguma espécie de valor e reconhecimento neste. Dinheiro, fama, admiração, quem não quer?! Mas, como tudo na vida, e como Rocky Balboa já bem disse, ela vai te esmurrar no chão sem piedade e muitos vão querer te derrubar e desmerecer por completo.

Wiseau é um PÉSSIMO ator, Franco sabe disso, todos sabem disso, acho que até ele próprio, hoje, sabe disso. Mas isso nunca o parou ou o impediu de realizar aquilo que sempre amou. Assim como Ed Wood no seu ápice realizando os piores melhores clássicos do cinema, Wiseau entregou um dos filmes mais esquisitos de todos os tempos, mas ele o fez com inegável paixão.

E é essa admiração tão apaixonada e inspiradora, que desperta em Franco o afeto na criação desse filme. Mesmo sentimento que também permitiu Tim Burton prestigiar Ed Wood, e de sobra Bela Lugosi, naquele seu fantástico filme, e que se bastante se assemelha a este no nível de emoções que ambos filmes são capazes de despertar no púbico.

E se Burton tinha dois excelentes Johnny Depp e Martin Landau dando perfeita vida à Ed Wood e Bela Lugosi naquele filme, Franco mostra ser bem apto ao trabalho e dá vida e forma quase perfeita para o seu Tommy Wiseau. E digo quase perfeita porque ele talvez entregue uma performance um tanto… boa demais para o personagem que interpreta, mas que constrói sua fisicalidade e dialeto verborrágico com uma imitação perfeita dos tiques e maneirismos do ator, e desperta o humor de forma instantânea e constante ao longo do filme de forma muito natural.

Embora eu pessoalmente ache que ele exagera um pouco na recriação do famoso “I DID NOOOOT” presente na icônica cena do telhado em The Room, e que Wiseau proferira de forma tão natural e não intencionalmente hilária. Enquanto a versão de Franco, sendo feita intencionalmente para rir, acada saindo caricata. Embora a cena em que ela se suceda seja de fato a melhor e mais engraçada cena do filme, com Wiseau lutando para conseguir se lembrar da sua rápida e breve linha de diálogo em uma recorrente repetição, causando estresse na equipe e provocando risos instantâneos no público.

Mas Franco ainda assim consegue recriar um Tommy Wiseau fiel, e até surpreende ao encher o personagem com até muito mistério, de suas origens e sua forma de pensar e agir. Sem sombra de dúvidas uma de suas melhores atuações facilmente, quase um Orson Welles moderno da comédia.

Mas não sei se o mesmo pode ser dito de Dave Franco aqui. Ele se mostra sim bastante integrado ao personagem, mas é um tanto difícil julgar por um ator que infelizmente se mostrou ser sempre de uma só decente nota. Embora ele saiba até equilibrar bem o lado sério e cômico do personagem na medida certa. E também o próprio Greg Sestero não é o ator de maior caras e bocas no mundo. O que realmente o salva e destaca aqui é a ótima química que possui com o irmão, e mostram criar um laço verdadeiro e palpável na amizade da dupla.

No final, Artista do Desastre é exatamente aquilo que prometeu e se propôs a realizar aqui: uma verdadeira carta de amor e reverência a esse fenômeno bizarro do cinema que a tantos assombram de forma prazerosa até hoje. E que se mostra um filme tão leve, divertido e até inspirador nas sua familiar jornada da busca pelos sonhos, não importa o quanto bizarros sejam.

E mesmo não sendo uma obra de grau tão memorável, consegue fazer jus e prestar homenagem ao seu peculiar clássico de Tommy Wiseau, que todos deveriam assistir uma vez na vida. E claro, ver a esse que é um perfeito exemplar do bizarro amor que todos sentem por esse fenômeno tão inspirador, e tão ‘cinema’!

Artista do Desastre (The Disaster Artist – EUA – 2017)

Direção: James Franco
Roteiro: Scott Neustadter, Michael H. Weber (baseado no livro The Disaster Artist: My Life Inside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made de Greg Sestero e Tom Bissell
Elenco: James Franco, Dave Franco, Alison Brie Zoey Deutch, Seth Rogen, Josh Hutcherson, Eliza Coupe, Mellanie Griffith, Tommy Wiseau, Sharon Stone
Gênero: Comédia, Drama, Biografia
Duração: 103 min

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Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

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