O fascínio de David Mamet cresceria substancialmente por personagens fortes inseridos em situações nada ortodoxas envolvendo criminalidade ou enrascadas provocadas por dinheiro. Em seu oitavo filme como diretor, Mamet conquistaria um dos orçamentos mais generosos de sua carreira devido ao teor do que ele pretendia abordar: um típico filme de assalto.
Como é um roteirista muito prestigiado pela indústria, a aposta de trinta e nove milhões foi concretizada na forma de O Assalto reunindo nomes expressivos no elenco como Gene Hackman e Danny DeVito. Além disso, o que poderia dar errado possuindo um dos maiores escritores da geração por conta de sua criatividade invejável?
Infelizmente, a realidade foi crua, apesar do desempenho modesto do longa nas bilheterias. Mamet apenas cria um filme divertido, mas não o suficiente para passar além disso, afinal algumas surpresas negativas recaem diretamente em sua escrita sempre ferina.
Queimados
Durante um assalto que seria o último da carreira do ladrão Joe Moore (Hackman) e sua trupe de especialistas, um fator imprevisível ocorre permitindo que o assaltante deixe seu rosto ser filmado por câmeras de segurança – curiosamente, esse ponto que motiva o desejo de aposentadoria do protagonista, é em grande parte esquecido em diversas cenas da obra. Apesar do assalto ter sido parcialmente bem-sucedido com Moore entregando toda a remessa para seu contratante mafioso, Mickey Bergman (DeVito), o homem não se dá por satisfeito, o obrigando a realizar um último trabalho antes da sonhada aposentadoria.
Para domar Moore, Bergman retém os lucros da parte do antigo parceiro, além de obrigar que o experiente gatuno aceite a presença de Jimmy Silk (Sam Rockwell), seu protegido, na gangue que executa os assaltos com perfeição técnica. Rapidamente, toda a dinâmica do grupo se transforma com a participação nada convidativa desse membro inexperiente e traiçoeiro.
Mamet, assim como um assaltante experiente de joias, primeiro engana a plateia para então surrupiar algo valioso e deixa-la no desalento. A primeira sequência do longa oferece uma abertura enérgica e contagiante com a vertigem causada pelas sucessivas trocas de enquadramentos para estabelecer toda a lógica e geografia do plano do assalto inicial enquanto os personagens nos são apresentados.
A direção é um ponto inicial de destaque com dinâmicas diversas da montagem contemplando a ação e as minúcias das interações entre os assaltantes enquanto executam o trabalho. Apesar de não ser revolucionário, Mamet cria uma sequência muito eficiente assim como todo o trabalho de câmera ao longo do filme. Competente, correto, mas não muito inspirado – o tratamento com a paleta de cores continua inexpressivo pelos tons monocromáticos empregados.
Enquanto o primeiro ato se sustenta bem pela dinâmica do grupo e dos diálogos fantásticos de Mamet com frases de efeito divertidíssimas, O Assalto rapidamente começa a desfarelar com rapidez. Isso ocorre principalmente pela ocorrência absurda de clichês na narrativa como a insubordinação contra o mandante que se transforma em antagonista, com o uso sempre irritante de Jimmy como o elemento desagregador desagradável, de trapaças “inesperadas” ou reviravoltas falsas que visam “enganar” o espectador.
O ritmo constante desse “faz e desfaz” torna a narrativa realmente pouco relevante em acompanhar, já que os personagens, apesar de carismáticos, simplesmente não possuem qualquer substância ou relevância. Tanto que quando o grupo pensa em se separar, toda a tensão é supérflua, pois o espectador já tem ciência que se trata de mais algum truque barato da escrita de Mamet.
Pela falha com os personagens, o que resta é apreciar a beleza do plano final de Moore e do inusitado assalto final que consegue bastante originalidade com a abordagem repleta de disfarces, além da falta de glamour do local. É um plano simplesmente lógico. Mas, como havia dito anteriormente, Mamet insiste em trazer uma miríade constante de reviravoltas que visam colocar o protagonista em enrascadas, mas cujas soluções dos desafios são fáceis de deduzir ou de aceitar devido a vasta experiência do assaltante.
Tudo se torna um jogo de trapaças e muito pouco além disso, até um tiroteio final sem muito prestígio e mais outras duas reviravoltas envolvendo traições e surpresas sobre a recompensa final. É um ritmo tão desmedido que o espectador fica cansado e até mesmo descrente em tudo que o roteirista apresenta.
Também por ter sido lançado durante uma época saturada de filmes de assalto, a memória de outros longas de 2001 que são infinitamente melhores é persistente como no caso de Onze Homens e Um Segredo, um longa tão eficiente que acabou cravando uma franquia inteira que existe até mesmo nos dias de hoje. Até mesmo em sua estreia, era assombrado por filmes melhores.
Assalto cheio de falsas surpresas e clichês
No fim, David Mamet apenas traz um longa padrão e divertido que não guarda muitas surpresas além da qualidade dos diálogos sempre bem escritos. A narrativa decepciona pelo excesso e por conta do completo abandono do roteirista por seus personagens em situações clichês sem se valer da originalidade de se tratar de um grupo criminoso composto por homens já próximos da terceira idade.
Com uma direção apenas correta e pouco inspirada e uma história que só consegue surpreender pessoas que nunca viram qualquer filme de assalto antes, O Assalto apenas será o que o título promete: um assalto de seu tempo, embora o resultado final não acabe gerando tanto desgosto assim.
O Assalto (Heist, Canadá, EUA – 2001)
Direção: David Mamet
Roteiro: David Mamet
Elenco: Gene Hackman, Danny DeVito, Delroy Lindo, Sam Rockwell, Rebecca Pidgeon, Rick Jay
Gênero: Crime, Ação
Duração: 110 minutos