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Crítica | Atômica – A Cidade Mais Fria

A primeira coisa que muitos espectadores curiosos devem ter feito depois de assistir a Atômica, novo filme com Charlize Theron, foi procurar o material que inspirou o filme. No caso, a HQ Atômica: A Cidade Mais Fria escrita por Antony Johnston e desenhada por Sam Hart.

Mesmo sendo medíocre, a adaptação do roteiro do filme é bastante fiel a graphic novel, além de conseguir resolver melhor o confuso final da obra. Logo, a sinopse é basicamente a mesma, mas sem alguns dos detalhes do longa que fazem a protagonista virar uma personagem mais complexa.

Lorraine é levada até o MI-6 para contar aos seus supervisores o que ocorreu em sua última e mais importante missão durante uma ida à Berlim enquanto o muro que dividia a Alemanha caia em 1989. Nela, Lorraine precisava descobrir onde estava uma lista contendo os nomes de todos os espiões atuantes de diversos países em Berlim depois de um assassinato misterioso de um colega de ofício. Para isso, conta com a ajuda desagradável de Percival, um espião fixo na cidade que já se enraizou demais para ser confiável.

Como era de se esperar, dificilmente quem não gostou do filme, encontrará muito apreço na HQ de luxo trazida pela Darkside em ótima edição. Apesar da narrativa ser menos burocrática que a do filme, o tom inspirado em obras de espionagem contemplativas como as de John le Carré (O Espião que Sabia Demais), não fazem bem muito bem a história que pretende ser mais densa, profunda e interessante do que é.

Os problemas, obviamente, permanecem os mesmos: os personagens ainda são deficitários e a protagonista continua bastante apática. Aqui, Percival é mais interessante que no filme, pois não se trata de uma figura caricata e detestável como a versão apresentada pelo longa. As coisas são mais cruas e se desenvolvem com notória rapidez. Em si, a HQ é uma leitura de menos de uma hora de tão rápida que é. Isso se dá pelos lados contrastantes da obra com longas passagens sem a presença de muito texto ou diálogos.

Johnston gosta de frisar a todo o momento a queda do Muro, das instabilidades políticas, das manifestações do povo e sobre a Guerra Fria deixando claro que tem orgulho de ter criado uma história situada neste momento histórico. Porém, de fato, pouco disso é utilizado a favor da narrativa para torna-la mais única. O momento só permite justificar as eventuais viradas sobre agentes duplos e a incerteza sobre quem devemos confiar.

Temos, inclusive, um caso de narrador não confiável. O testemunho de Lorraine para seus supervisores muitas vezes destoa do que é mostrado nos quadrinhos de flashback. Logo, nem mesmo esse recurso é utilizado de modo a provocar o leitor a ficar instigado e solucionar os mistérios e encontrar uma lógica nos acontecimentos por si. O autor se preocupa em contar apenas o mistério ou dos entraves da missão em vez de focar no que realmente importa como o desenvolvimento da protagonista, suas dificuldades e pequenos triunfos. Dificilmente o artista também pontua esses elementos pelas imagens da obra.

O que realmente ajuda a leitura é o fato da história ser mais enxuta e rápida, coisa que o filme falha para encher linguiça com cenas filler ou outras de ação. Aliás, o leitor mais atento e já conhecido da obra de John le Carré que mencionei acima, já deve ter sacado que a versão original de Atômica não chega perto de ter as grandiosas sequências explosivas do filme. O clima é muito mais próximo de um thriller tenso do que de uma história de ação, 

A HQ é tão fria quanto seu título original. E para se valer disso, temos a arte minimalista de Sam Hart, apostando sempre em contrastes duríssimos do preto e branco. Os traços, por várias vezes, são bastante desleixados, mas possuem certa poesia. O desenhista opta na abordagem simplória, investindo pouco em cenário para dar foco nos jogos de iluminação vindos de hachuras e outras jogadas boas feitas no papel.

Nos muitos closes, o traço é também apático para os poucos personagens da história. Muitos deles possuem um design parecido que torna a compreensão dos fatos um tanto confusa em excesso para uma obra assim. Claro, pode ser que tenham achado genial deixar todo mundo parecido para transmitir as incertezas de confiança da protagonista. Porém, na prática, o cenário chega perto do caótico e confundir o leitor certamente não é o caminho da genialidade.

Com uma arte um tanto sem-graça e uma história enxuta e sem carisma, fico impressionado de A Cidade Mais Fria tenha chegado tão longe a ponto de até mesmo virar um longa-metragem. O consenso geral é basicamente o mesmo: os leitores praticamente não ligam muito para o que acontece na história, apenas apreciando uma narrativa rápida e tão pouco original dentro do gênero generoso da espionagem.

Apesar disto, caso tenha sido fisgado pela narrativa do filme, recomendo dar uma olhada na edição da Darkside que merece somente elogios: encadernação de capa dura, papel superior, impressão de alta qualidade, ótima tradução, além de um breve glossário para traduzir as expressões em alemão que foram mantidas conforme os desejos do autor da obra. No fim, Atômica ainda continua sendo uma obra para poucos admiradores. Infelizmente, desta vez, não participo desse grupo.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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