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Crítica | Batman: Venom

Em 1989, encantados pelo sucesso que Batman fez nos anos 80 e, para aproveitar o embalo do lançamento do filme de Tim Burton, os diretores da DC Comics resolvem lançar outra série paralela traçando contos ligados ao universo da série de quadrinhos. Em novembro do mesmo ano, é lançada a série “Um Conto de Batman” – no original,Legends of the Dark Knight, trazendo diversos artistas para registrar sua marca e contar uma excelente história sobre o herói. O sucesso foi tanto que até hoje ela é publicada nos Estados Unidos.

Algumas edições entraram para a história ao serem ovacionadas pelos fãs do Morcego. Uma delas é “Batman: Venom” ou “Batman: Veneno” em português. Concordo que ela seja uma das grandes aventuras do herói, mas não creio que entre para a minha lista de favoritos.

A minissérie começa com Batman tentando resgatar uma garotinha. Entretanto, a situação é mais complicada do que o imaginado. Ela está presa graças a uma imensa rocha que a impede de fugir do pequeno espaço em que foi confinada e o lugar inteiro está prestes a ser inundado. Batman tenta remover a rocha com toda sua força, mas não consegue levantar os 650 quilos de peso e a pequena Sissy morre afogada.

Devastado com sua falha, Batman vai até a casa do pai para informar sobre a morte da menina. Ele parece não se importar e oferece ao herói uma droga experimental que estava sintetizando. Diz que lhe aumentará a força de maneira descomunal e que nada mais poderá detê-lo. Batman, mesmo fragilizado, recusa, afinal ele não busca alternativas fáceis para realizar suas proezas.

Obcecado com sua falha, Batman treina excessivamente para conseguir levantar os 650 kg, mas como o previsto, não consegue. Frustrado e cheio de raiva, Bruce começa a brigar com todos ao seu redor e volta para a casa do “farmacêutico”. Chegando lá, Batman pega a droga e começa a usá-las. Quase que imediatamente o herói sente os componentes do comprimido agindo em seu organismo. Algo está diferente.

Os dias se passam e Bruce percebe que já está conseguindo levantar quase 700 quilos. Entretanto, mesmo com tanto ganho de força física, Alfred percebe que há algo de diferente no herói. Algo de maligno. Seu patrão tem sentido muita raiva e o trata como lixo. Os efeitos colaterais se intensificam a cada dia. Eventualmente, as pílulas carinhosamente chamadas de venom – SIM! A mesma droga que Bane irá utilizar no futuro, acabam e o já viciado Bruce Wayne retorna a casa de Randolph Porter para conseguir mais.

O evidente vício de Bruce se torna ainda mais claro quando aceita matar Jim Gordon para arranjar um outro punhado de pílulas. Antes de ir cumprir sua incumbência, Batman conhece o General Slaycroft que financia as pesquisas de Porter. Depois de algumas reviravoltas, o herói encontra-se completamente drogado, virou um nóia como diria a nossa gente aqui no Brasil. Não há mais ninguém para ajudá-lo. E algo pior ainda está por vir. Batman descobre que o General pretende usar a droga de Porter em um grupo seleto de soldados a fim de criar o exército perfeito – completamente sem-noção de seus atos. Super-soldados que só cumprem ordens sem sentir remorso ou compaixão. Assassinos frios, poderosos e implacáveis. Será que Batman conseguirá se recuperar a tempo e impedir que Gotham seja destruída por esses zumbis militares comandados por um homem sem coração?

Não sei se você, caro leitor, percebeu que o argumento da história de Danny O’Neil é excelente. Jogar na cara de nosso herói favorito que ele é apenas um humano e não um super-humano é uma das melhores ideias que poderia ocorrer em uma HQ de Batman. Ele tem suas fraquezas, mas não é a kryptonita, mas sim a velhice, a doença, enfim, as amargas limitações humanas. Para então apresentar-lhe algo que é capaz de melhorar sua capacidade em um de seus momentos mais frágeis é simplesmente genial.

A qualidade soberba da história segue as três primeiras das cinco edições de Venom, que acompanham o declínio de Bruce Wayne ante as drogas, começa a cair a partir da quarta edição em que Batman esbofeteia tubarões para salvar Alfred. Pois é… Quem diria, hein, senhor O’Neil, que uma premissa tão boa como esta acabasse com um desfecho tão mediano.

O principal problema da HQ é o antagonista fraquíssimo. Tudo bem que o verdadeiro antagonista seja a droga, mas o General Slaycroft é simplesmente bizarro. Até Bane de Joel Schumacher tem mais carisma que este cara. O personagem é totalmente unidimensional que deixa o leitor com raiva, só que não do vilão, mas da falta de insumo criativo para melhorar ou definir com mais cuidado a obsessão do general que nunca, em nenhuma passagem, é explicada. Suas motivações são uma incógnita. O único aspecto que consegue infligir alguma emoção no leitor é o filho do antagonista, Timothy Slaycroft Junior, que também se torna totalmente banal no fim da pequena saga.

Outro deslize cometido por O ‘Neil é o desfecho apressado e bem fraco da comic. O encerramento do farmacêutico Randolph Porter é insatisfatório sendo que este é anunciado através de um diálogo breve entre Gordon e Batman. Para um personagem, como Porter, que começa gerando suspeitas que ele possa ter sido o autor do assassinato de sua própria filha, uma conclusão como esta é completamente risível.

Entretanto os aspectos negativos param por aí. Não se deixe enganar, leitor, a história que O’Neil traz aqui seria sublime se não fosse a preguiça da concepção dos antagonistas e do desfecho. Ver meu herói favorito se afundar nas drogas em busca de suprir um desejo tão primitivo foi uma tristeza para mim. Quando Batman chega ao fundo do poço, você sente pena do herói. Anseia por entrar no quadrinho para retirá-lo de tal situação tão deplorável.

Além deste declínio angustiante, vemos Bruce agir de forma tão desnecessariamente violenta que podemos imaginar ele traindo seu juramento mais sagrado. O conflito que causa com as pessoas que mais se importam com ele também é de extrema amargura.

Sobre a arte de Batman: Venom há pouco para dizer. Os desenhos são de Trevor Von Eeden e Russell Braun coloridos por Jose Garcia Lopez. Eles não são obras-primas, mas são bonitos com certeza. Algumas imagens são épicas como a impagável passagem do morcegão estapeando tubarões. Outras, têm tanta força que causam um impacto no leitor. É o caso dos quadrinhos que retratam Bruce completamente viciado. As capas da segunda e terceira edição também são fantásticas. O sorriso demente estampado na cara de Batman causa arrepios, assim como vê-lo totalmente barbudo, derrotado e desemparado sentado em sua batcadeira.

A arte tende a ser desleixada com elementos em segundo plano – repare que os desenhistas evitam trabalhar com desenhos recheados de elementos de profundidade. Entretanto, existem algumas metáforas visuais bem inteligentes como aquela em Bruce liga para Alfred em uma cabine telefônica para depois socar o vidro extravasando sua frustração. No quadrinho seguinte, o símbolo do herói aparece bem em meio do afiado buraco que o herói “esculpiu” no vidro dando a ideia que se Bruce continuar naquele rumo, ele colocará seu legado em risco.

Entre altos muito altos e baixos abissais, “Batman: Venom” é uma história essencial para qualquer fã do herói. Com sua mensagem anti-drogas mais clara que a água, essa HQ ganhou um espaço no meu catálogo das melhores comics de Batman. Se você for um bat-fã, não tenho medo de recomendar esse belo conto. E até mesmo para quem não gosta muito do homem-morcego, pergunto: você tem certeza que não quer ler uma história em que Batman chega ao fundo do poço? Ora, se você for um leitor de Superman, aí está algo para se gabar. Como diria Batman – “Superman é escoteiro demais para essas coisas.” E ele não poderia estar mais correto.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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