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Crítica | Big Mouth – 1ª Temporada: A Culminação Criativa dos Hormônios

Alguns itens narrativos são comuns à vida de todos nós. Enquanto outras obras preferem ver o lado luminoso da vida, com momentos mágicos da infância, sobre os primeiros romances, as aventuras do casamento, o amor paternal e maternal, entre tantos outros temas tão pertinentes a vida humana, Big Mouth traz o retrato mais cru e irreverente sobre a pré-adolescência e toda a conturbação psicológica trazida por essa fase.

Criada por profissionais já envolvidos com animações adultas de comédia, a produção de Big Mouth se comporta como uma culminação da força criativa latente das mentes de Andrew Goldberg, Mark Levin e Jennifer Flackett. Como showrunners pela primeira vez, não há limites para o que pretendem trazer em tela. A liberdade criativa da Netflix realmente parece ter sido plena.

Na história, acompanhamos a vida de dois meninos de 13 anos com tremendo potencial para serem os losers da escola (mesmo não sendo). Enquanto Andrew já atingiu a puberdade, Nick sofre com a expectativa da chegada das mudanças hormonais. Apesar de seguir uma narrativa fluída e bastante amarrada, o formato narrativo se vale do foco clássico em aventuras diversificadas para que os roteiristas trabalhem diferentes temas – assim como ocorre com Rick e Morty e BoJack Horseman.

Felizmente, o seriado não recorre a estereótipos bem consolidados para criar a psique e o modo de agir dos personagens. O que realmente faz um grande sentido, já que os protagonistas estão passando pela fase que geralmente define as características mais permanentes das pessoas no futuro. Apesar de existirem adultos, o grande foco é mesmo nas crianças.

Humor Para os Fortes

Recentemente, Big Mouth já conseguiu angaria sua primeira polêmica com um pai desavisado colocando o desenho para os filhos assistirem. Na verdade, não é nem um pouco improvável que até mesmo um adulto fique transtornado pelas coisas apresentadas no desenho.

A proposta do humor da série é ser irreverente e “politicamente incorreta”. Os moralistas com certeza ficarão afetados pela comédia crua que consegue ser ainda mais forte que a de desenhos completamente sem freios como Rick e Morty.

Ao contrário dos dois cínicos desenhos já acima citados, não há um norte filosófico aparente em Big Mouth que não tange o existencialismo ou positivismo. Algo totalmente pertinente que evita o seriado de se tornar pedante, afinal até mesmo os roteiristas reconhecem que a maioria dos pré-adolescentes não tem crises existenciais como futuramente possa ocorrer. Na verdade, interessa muito mais aqui a linha sociológica de micro-cosmos, psicológica e até mesmo biológica.

Raramente havia visto um desenho tão inteligente em formar piadas com biologia humana sem descambar de imediato para a escatologia. De fato, há sim todo o humor escatológico e escroto representando fisicamente pelo Monstro da Puberdade, uma personificação egocêntrica e escrachada dos hormônios que afetam Andrew.

O personagem serve como um guia e guru para Andrew, norteando algumas de suas piores escolhas, pois, obviamente, não são racionais. O interessante é que, apesar de ser uma criatura mitológica e extremamente velha, o Monstro dos Hormônios geralmente acompanha a idade mental dos personagens, somente reverberando os maiores e depravados desejos que ele tem, mas que são podados pelo superego do psicológico. Aliás, se fossemos comparar em termos da psicologia, o Monstro seria a personificação mais forte do Id, a nossa força de desejos sem freios morais ou éticos.

Logo, o Monstro certamente é o personagem que mais traz o humor grotesco e nojento para a história. Algo que é até mesmo confrontado pelos protagonistas que evitam escutar alguns de seus conselhos.

Nessa primeira temporada, acompanhamos essas aventuras que nada mais trazem tópicos relevantes do amadurecimento de cada um. Ao longo de dez episódios, vemos narrativas que elaboram o primeiro beijo, tamanho peniano, mudanças de altura, mudanças repentinas de comportamento, a menarca, poluções noturnas, urgência de masturbação, festas de colegas de ensino médio, relacionamento com os pais, problemas domésticos e, finalmente, a descoberta da pornografia e o possível vício.

Cada história trabalha bem esses temas, enquanto os roteiristas gostam de encaixar referências próprias do seriado em episódios posteriores. É um vício que é mal trabalhado na maioria das vezes, com exceção de uma que brinca com a linguagem visual de games arcade. Nas outras, há alguns vícios estúpidos em interromper a narrativa para inserir quebras de quarta parede nada pertinentes que mais funcionam também como uma autopromoção da série como se os showrunners tivessem medo de perder a audiência na metade da temporada.

Outro elemento muito chato e intrusivo é uma jogada imbecil de ficar mencionando a Netflix nessas quebras de quarta parede. Isso acaba nos removendo totalmente da imersão da série, além de quebrar o fluxo narrativo que é bastante fluído quando não ocorrem essas palhaçadas.

Estudo de uma Fase

Trabalhar os temas com afinco e boas piadas é o mínimo esperado para um seriado cômico, mas também é igualmente importante estruturar bem seus personagens para que não se tornem repetitivos como acontece em BoJack Horseman.

De grosso modo, Big Mouth já exibe alguns indícios de personagens que necessitam de melhor tratamento. Enquanto os pais de Nick, os dois protagonistas, Jessi e Missy e os dois Monstros da Puberdade (também tem a do sexo feminino) funcionam muitíssimo bem, outros passam a esgotar rapidamente como Jay, o fantasma de Duke Ellington e treinador Steve – esse em particular é uma boa representação do fracasso de alguém que nunca conseguiu sair da puberdade funcionando como uma crítica espetacular para a atual geração que está entre os 20 e 30 anos.

Os personagens têm bom potencial, como Jay com sua relação familiar problemática e frustrada, além do Fantasma ajudar a fazer piadas funcionais da América racista dos anos 1950. Porém, rapidamente os roteiristas não sabem mais o que fazer com eles, repetindo piadas e situações excessivas vezes. Por exemplo, todos sofrem de piadas que não funcionam, mas que insistem em surgir como a do analfabetismo de Steve, dos comerciais do pai de Jay e também sobre a vida cultural de Los Angeles em 1950 e 1960. Nada disso realmente presta ou agrega na narrativa.

Apesar de Nick ser um bom protagonista, os roteiristas têm menos interesse em trabalhar com ele por conta do atraso da puberdade. Portanto, Andrew recebe melhor desenvolvimento ao longo da temporada passando por descobrir sua sexualidade, entre outras noias pertinentes à idade. O personagem simplesmente funciona e conduz bem todos os episódios, além da escrita não ignorar os resquícios de inocência da infância dos garotos sempre as contrastando com um choque de realidade eficiente.

De resto, a narrativa não é revolucionária ou particularmente original. O uso com os personagens é bastante ordinário formando e desfazendo casais. Há, porém, jornadas geniais como um episódio que mimetiza gags de Seinfeld.

Aliás, da parte técnica, é interessante mencionar o estilo bastante único do design dos personagens extremamente cabeçudos e com lábios inchados. De certo modo, a estética não é desagradável de forma alguma e transparece boa dose de humanidade nos protagonistas e seus amigos. Na direção, não há lampejos que fujam do ordinário da animação 2D desses seriados. A linguagem é a mesma de sempre, correta e eficiente. Mas vale destacar os esforços de criar diversos números musicais paródicos com liberdades criativas visuais interessantes.

De toda a forma, Big Mouth funciona e é bastante promissor. No fim, apenas comprova que a verdadeira força dessas animações vem do carisma de seus personagens e na agilidade de diálogos inteligentes misturados com diversas caraterísticas de humor grosseiro.

Big Mouth (Idem, EUA – 2017)

Showrunners: Andrew Goldberg, Mark Levin e Jennifer Flackett
Direção: Joel Moser, Bryan Francis, Mike L. Mayfield
Roteiro: Emily Altman, Kelly Galuska, Mark Levin, Jennifer Flackett, Victor Quinaz
Elenco: Nick Kroll, John Mulaney, Maya Rudolph, Jenny Slate, Jessi Klein, Jordan Peele, Paula Pell, Kat Dennings
Gênero: Animação adulta
Duração: 25 min/episódio.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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