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Crítica | Bórgia, de Alejandro Jodorowsky

O papa Alexandre VI, ou Rodrigo Bórgia (1431 – 1503), passou à História como uma persona que pede um neologismo para ser descrita. “Caligulesco “parece ideal, já que ao pontífice são creditados inúmeros atos de corrupção e devassidão, o que torna difícil a separação entre fato e lenda. Claro que seus vários filhos comprovam algo destas afirmações, sendo dois deles tão conhecidos quanto o pai no que diz respeito a uma vida de excessos de todos os tipos: Cesare e Lucrécia. Ao primeiro, inclusive, Maquiavel dedicou O Príncipe, sua obra mais famosa.

Vale uma reflexão sobre o legado deste clã. Em um contexto de poder e prestígio totais da Igreja, outros papas não desfrutaram de sua posição de maneira semelhante? Claro que sim, mas quem ficou com a posição de pior de todos foi Bórgia. Apenas mais um entre vários, é possível que a associação com Maquiavel, cujo trabalho é frequentemente mal interpretado e alvo de sofismas, tenha contribuído para isso, obscurecendo o florescimento das artes durante sua gestão. Enfim, o ambiente opulente e altamente sexualizado destas figuras históricas é um cenário rico para uma imaginação como a de Alejandro Jodorowsky, contando com a arte exuberante de Milo Manara.

Bórgia é uma série de quatro álbuns que transporta o leitor para a “corte” de Alexandre VI. Publicado entre 2005 e 2011 no Brasil pela Conrad, cada volume se ocupa de um recorte específico da trajetória de ascensão, apogeu e queda. São eles em ordem, Sangue Para o Papa, Poder e Incesto, As Chamas da Fogueira e Tudo é Vaidade. Mesmo com toda violência e perversão que sabemos fazer parte deste caminho, a Jodorowsky não interessa um retrato histórico fiel ou revisionista. O chileno prefere imaginar esse pano de fundo como um parque de diversões sensorial para quem folheia essas páginas, sem a necessidade de jornadas dramáticas definidas para seus protagonistas.

O que o torna absolutamente bem sucedido nesta proposta é a arte de Manara. Compondo os quadros da HQ com o detalhismo extremo e a maestria que lhe é comum, ele ainda é responsável por uma colorização que emula as pinturas do Renascimento. Com texto e arte trabalhando em perfeita sinergia, Bórgia consegue um ar sutilmente fantástico e onírico, chocando vez por outra com alguma cena mais forte ou um fato estranho que desafia nossa interpretação.

A intenção do roteirista, aproveitando todos os recursos que seu ilustrador dispõe, parece ser tocar naquele voyeurismo mórbido e mais ou menos perverso que todo ser humano tem, em maior ou menor grau. Mesmo fugindo da fidelidade histórica, Rodrigo, Cesare e Lucrécia são representados como seres vivos pulsantes, além de fascinantes, chamando nossa atenção pelo comportamento desregrado. O atrativo vem justamente da curiosidade em torno de quão longe vai essa loucura, nunca frustrando o leitor que os acompanha.

Contando com aparições do próprio Maquiavel e Leonardo Da Vinci, os quatro volumes de Bórgia nos dão acesso a uma realidade alternativa, situada em algum lugar entre a veracidade histórica e as lendas envolvendo esse sobrenome. Eis um caso em que a mídia de quadrinhos mostra sua versatilidade como arte, já que não sofre com as limitações que uma obra audiovisual eventualmente encara. Se pararmos para pensar, essa visão levada ao cinema poderia muito bem culminar em um filme apelativo e esquecível. No traço de Manara, transformou-se em algo imortal. No mínimo.

Redação Bastidores

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