Em meu texto sobre Thor: O Mundo Sombrio, reclamei sobre a falta de personalidade dos diretores que assumiam projetos dentro do Universo Cinematográfico da Marvel Studios, que mais pareciam produtos sob encomenda do chefão Kevin Feige (não que isso comprometesse por completo o resultado final destes). Mas em Capitão América 2: O Soldado Invernal, a produtora parece ter dado mais liberdade aos irmãos Anthony e Joe Russo, que entregam um projeto radicalmente diferente dos anteriores e capaz de se destacar como um dos pontos altos da trajetória do estúdio – ainda que imperfeito.
A trama é ambientada em Washington, e segue o Capitão Steve Rogers (Chris Evans) trabalhando em conjunto com a Viúva Negra (Scarlett Johansson) para a SHIELD, sob seu pseudônimo bandeiroso. Após uma missão duvidosa, Nick Fury (Samuel L. Jackson) é atacado pelo misterioso Soldado Invernal (Sebastian Stan) e o herói começa a questionar sua lealdade com a agência, que pode estar sofrendo de corrupção em seus departamentos internos.
De cara, já se percebe a intenção dos roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely em conferir uma trama mais adulta e política ao herói da Segunda Guerra. Confesso que me preocupava com a forma com que o personagem renderia um filme-solo nos dias atuais (já que Rogers é essencialmente um homem de seu tempo), mas a dupla acerta ao trazer elementos de espionagem internacional e a paranóia do governo americano em manter seus “inimigos” sob completa vigilância, o que entra em choque com a personalidade maniqueísta de “preto e branco” do personagem criado na guerra contra os nazistas. A performance de Chris Evans é bem mais interessante aqui, já que permite ao ator não só brincar com a ideia de um sujeito fora de seu tempo (inúmeras referências, reparem no caderninho), mas também questionar seu próprio papel nesse mundo.
E é justamente por tais virtudes que é uma pena ver o filme tomar as decisões erradas ao explorar sua ameaça invisível. Partindo do ótimo personagem-subtítulo, que surge como um oponente letal e visualmente criativo (ajuda também que a inspirada trilha sonora de Henry Jackman lhe confira um tema arrepiante), o roteiro de Markus e McFeely decepciona ao trazer de volta ameaças do primeiro filme do herói. Entendo ser um elemento essencial dos quadrinhos do Capitão América, mas se já é trabalhoso fazer funcionar um sujeito trajando a bandeira dos EUA em pleno século XXI, o que dizer de uma divisão científica nazista? Funciona com o Capitão, mas no caso da HIDRA, é apenas mais uma agência querendo dominar o mundo – o que não combina com a abordagem oferecida pelos roteiristas na metade inicial do filme.
Mas, se em seu núcleo a produção apresenta seus problemas, ao menos pode orgulhar-se de soar mais como um filme em sua pura forma do que seus antecessores. O humor é muito melhor distribuído aqui (nada como a palhaçada de Thor ou Homem de Ferro 3) e, como havia comentado ali em cima, os irmãos Russo mudam completamente o estilo dos filmes da Marvel ao apostar em cenas de ação agitadas, com cortes rápidos e muita câmera na mão; uma decisão acertadíssima (e claramente inspirada na trilogia Bourne, de Paul Greengrass) e que garante a O Soldado Invernal seus melhores momentos, que certamente impressionarão o espectador com coreografias excepcionalmente elaboradas e perseguições de carro empolgantes.
No fim, Capitão América 2: O Soldado Invernal revela-se uma das produções mais adultas e bem colocadas da Marvel Studios, ainda que seja comprometida por incongruências temáticas. Empolga pelo espetáculo e alguns momentos de tensão genuína, tornando-se um dos filmes mais interessantes do estúdio até o momento.
Capitão América 2: O Soldado Invernal (Captain America: The Winter Soldier, EUA – 2014)
Direção: Anthony Russo e Joe Russo
Roteiro: Stephen Markus e Stephen McFeely
Elenco: Chris Evans, Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Anthony Mackie, Samuel L. Jackson, Robert Redford
Gênero: Aventura, Ação
Duração: 136 min