A premissa do novo filme do cineasta sensação Neill Bloomkamp tange uma promessa de futuro que se encontra próxima da nossa realidade. Trata-se de mais um filme sobe a criação de inteligência artificial. Porém, praticamente nada funciona nesse desastre que aparenta ser apenas uma desculpa de 120 minutos para venderem os rappers da banda Die Antwoord.
Deon Wilson é um engenheiro mecatrônico na maior indústria bélica da África do Sul que revolucionou toda a segurança pública de Johannesburgo graças à invenção de seus Guardas – unidades robóticas de patrulhamento policial. Os robôs praticamente substituem a força policial da cidade por conta da segurança da tecnologia de ponta. Entretanto, mesmo alcançando o sucesso de uma vida, Deon conclui um projeto paralelo. Cria, enfim, a primeira unidade de inteligência artificial semelhante à uma consciência humana da história.
Conseguindo pedaços de sucata de um robô Guarda condenado, Deon tem sua chance testar a funcionalidade de seu invento. Porém, tudo começa a dar errado quando dois criminosos o sequestram e obrigam a usar seu invento para cometer delitos, afim de salvar-lhes de uma dívida milionária.
O roteiro de Bloomkamp e Terri Tatchell simplesmente não consegue se ater a nada. Atira para todos os lados visando tecer alguma crítica deformada sobre a sociedade e ao status quo, mas na prática, simplesmente não funciona porque o texto é ruim – o pior do ano até agora.
Para quem não conhece, Bloomkamp, desde seu excelente Distrito 9, constrói sua marca de autor no gênero da ficção cientifica. Ele sempre trabalha com a marginalidade, com personagens “injustiçados”, transformações corporais definitivas, mudanças morais, tecnológicas, além de reformas sociais que abalam todas as estruturas da sociedade. De novo, assim como em Distrito 9 e Elysium, isso acontece em Chappie.
O principal problema é como a narrativa se comporta. O espectador é forçado a acompanhar Chappie convivendo com os personagens mais insuportáveis e histéricos que tive o desgosto de conhecer. Não há exceção, tanto o mocinho Deon, interpretado por Dev Patel, quanto o casal criminoso Ninja e Yolandi ou o antagonista megalomaníaco Vincent Moore encarnado por Hugh Jackman.
Os roteiristas tentam explorar esse viés da inteligência artificial de um modo fora do convencional. Chappie, quando ativado, é igual a um bebê. Desconhece praticamente tudo, não sabe falar, não entende leis, códigos, éticas e a moral da sociedade ocidental humana. Uma folha em branco pronta para ser preenchida pelos valores de quem for escrever nela. No caso, os criminosos, que, após enxotarem Deon de seu esconderijo, tentam ensinar Chappie a se comportar como um gangster, um super bandido para assaltar um carro-forte. Logo, os valores que o robô recebe são completamente deturpados.
O filme tenderia a ganhar muito caso os criminosos agissem como anti-heróis, tivessem algum carisma ou maior complexidade. Praticamente todos os personagens são mal desenvolvidos e o mais prejudicado é Chappie.
Deon consegue, algumas vezes, passar alguma lição para Chappie discernir entre o certo e o errado. Entre a violência/crime e a paz/diplomacia.
Porém, ao contrário do que seu criador fala – que é a máquina mais inteligente que já existiu, Chappie sempre age erroneamente mesmo quando aprende a distinguir os valores humanos – até mesmo depois de acessar todo o repertório de nossa História quando acessa a internet. Não há nenhuma base que sustente os valores do robô. Ele, como indivíduo, é irrelevante já que nunca deixa de ser um instrumento para as finalidades inidôneas de Ninja e Yolandi. Chappie nunca pensa por si próprio. É uma inteligência artificial que é capaz de sentir e criar, mas raciocinar de forma verossímil é algo impossível para este protagonista.
Um exemplo claro disto ocorre ao fim do longa quando Chappie praticamente destrói um lugar enquanto grita que nada se resolve com violência. A cena não se comporta ironicamente, pois seu tom é sombrio e importante para a narrativa.
Entretanto, em meio a esses problemas, Chappie é o maior trunfo do filme, já que o robô tem carisma e isso se deve muito ao trabalho excelente de dublagem de Sharlto Copley. A respeito dos outros personagens, nada se salva.
Ninja e Yolandi são praticamente a mesma coisa entre os personagens e quem são na realidade. Os dois, fora das telas, são rappers da banda sul-africana Die Antwoord que valorizam o estilo ostentação gangster com o freak colorido cheio de simbologias. No filme, é basicamente a mesma coisa. O figurino, design de produção, maquiagem, cortes de cabelo, linguagem, os gestos, enfim, tudo é igual ao estilo que os dois apresentam publicamente em seus shows, entrevistas e videoclipes. Obviamente, graças a isso, o filme parece mais um vídeo promocional para a banda do que algo realmente relevante para o audiovisual. Isso é reforçado quando das onze canções que tocam durante a projeção, oito são da Die Antwoord – para piorar, quase nunca casam com a cena destoando completamente o espectador com a atmosfera diegética. Isso porque nem entrei no mérito se o conteúdo musical dos dois é de fato de qualidade.
O texto tenta conseguir alguma profundidade para os dois personagens, mas falha. De novo. Primeiro porque Yolandi é controversa. De bad girl violenta e independente vira uma figura materna para Chappie, além de submissa a Ninja. Tudo isso acontece de uma cena para outra. Nada é justificado, não há catarse, nada. Ninja é mais raso ainda. Apenas um trombadinha, mentiroso e imediatista.
Já Deon é mais surreal. Chega a ser risível. Logo na introdução vemos uma das maiores incoerências do filme – mesmo depois dele ter revolucionado a indústria com a criação dos Guardas, ainda trabalha em um cubículo de escritório. Diversas passagens pedem muito da suspensão de crença do espectador. O personagem simplesmente não pede ajuda para a polícia (principal cliente de sua empresa) quando os criminosos o assediam ou roubam Chappie – mesmo que isso traga problemas menores para ele. Aliás, a própria escolha do corpo para Chappie é controversa, afinal, Deon, tem diversos robozinhos com inteligências artificiais mais primitivas que poderiam servir de testes piloto sem que ele infringisse regras da empresa.
Enfim, se eu listar todos os problemas que este roteiro possui, o texto não teria fim. O problema é que Bloomkamp não erra somente na história, substância e diálogos do roteiro, mas também na direção do filme. Ele teima em glamourizar os bandidos em detrimento aos “mocinhos” – isso se dá muito pelo departamento de arte, supostas redenções “heroicas” durante o clímax e a enquadramentos onipotentes. Outros vícios como o péssimo uso do slow motion visto em Elysium se repete aqui.
Além disso, o teor de violência desse filme é completamente inconstante. Em sua maioria é um filme ameno e sem sangue, porém no clímax tudo muda de tom rapidamente. Algo completamente bipolar. Fora que o clímax é outro fato inverossímil que o filme carrega por causa do modo que Vincent age para provar que seu invento é melhor que o de Deon.
Enfim, Chappie é praticamente o pior filme do ano e talvez um dos piores filmes que já na minha vida. Escrevo isso com tristeza, pois vi a estreia de Bloomkamp com o maravilhoso Distrito 9 e apostava muito que ele seria um dos melhores diretores do cinema contemporâneo. Mas não é isso que vem acontecendo. Seu segundo filme, Elysium, já é péssimo, mas este consegue ser pior. Nunca vi um caso tão grave de um diretor conseguir piorar a forma e conteúdo significativamente a cada novo filme.
Ele simplesmente não se recicla. Seus três filmes parecem iguais em diversos pontos e Chappie propõe uma discussão sobre consciência que outros dois longas, também deploráveis e preguiçosos, já exploraram no ano passado – Lucy e Transcendence.
Está na hora de Neill Bloomkamp parar de bancar o espertinho ao propor temas e discussões importantes que nunca tem a chance de serem desenvolvidos, pois, coincidentemente, sempre surgem no minuto final de seus filmes.
Somente assim veremos o quão relevante é este cineasta para o cenário cinematográfico contemporâneo. Quando ele realmente der, de fato, a cara a tapa.