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Crítica com Spoilers | Liga da Justiça – As Consequências da Mordaça

Fazer filmes é uma tarefa árdua.

São dedicados anos inteiros da vida de inúmeras pessoas para um produto ser lançado, consumido e então avaliado em questão de poucas horas. Zack Snyder não é um completo desconhecido para essas dificuldades que permeiam a produção e o lançamento de um filme.

Praticamente todos seus longas foram arduamente criticados pela imprensa especializada, mas, de alguma forma, Snyder conseguiu encabeçar o projeto do universo cinematográfico da DC nos cinemas para concorrer diretamente com a Marvel. Mesmo com tropeços em O Homem de Aço, Snyder já demonstrava uma visão realmente muito peculiar sobre as adaptações de consagrados personagens da editora.

Mas mais importante, era já delinear que seus filmes tinham personalidade. Snyder conseguiu preservas suas características de autor cinematográfico em obras milionárias e com forte controle por parte do estúdio. Porém, depois de Batman vs Superman: A Origem da Justiça receber uma avalanche de críticas negativas – das quais discordo da maior parte, parece que as coisas mudaram para o entusiasmado diretor.

Já me surpreende muito que Liga da Justiça tenha conseguido ser finalizado depois de tantos problemas notáveis. Ao conferir o resultado final, o sentimento que tive foi, na verdade, uma indagação: o que aconteceu com o Snyder? Aconteceu a máquina de Hollywood.

Não são estranhas ao público as tantas notícias que falavam do rebuliço que atingiu a Warner depois da recepção crítica e da queda vertiginosa de bilheteria de BvS. O filme não atingiu a tão almejada marca do bilhão deixando os produtores e executivos realmente descontentes, afinal como pode um filme que reúne os três maiores heróis da história das HQs não conseguir o bilhão na bilheteria?

O negócio foi tão feio que era possível ver o impacto negativo do longa conseguir aplacar um desanimo cruel em Zack Snyder e até mesmo em Ben Affleck na sua estreia como Batman. Com a produção do novo filme encaminhada e um contrato assinado, não havia tempo para um luto criativo. Snyder tinha que fazer o serviço o mais rápido possível, além de parar de investir no caminho que estava trilhando nos filmes anteriores.

Nas primeiras prévias, era possível notar que algo tinha mudado, mas não de modo tão expressivo quanto o visto no produto final. Snyder ainda queria fazer seu grande épico para a estreia da Liga da Justiça nos cinemas. Mas por conta de uma tragédia familiar realmente terrível e já bastante esgotado criativamente, Snyder decidiu abandonar o filme e Joss Whedon foi contratado para concluir as filmagens.

De novo, outra reviravolta acontece e anunciam que o longa precisaria de extensas refilmagens que adicionariam mais 100 milhões de dólares no orçamento – totalizando 300 milhões no custo total. Em momento histórico para a DC e a Warner, Liga da Justiça não pode falhar de modo algum, mas, infelizmente, o resultado final do filme também deixa bastante a desejar. E os maiores culpados disso são eles mesmos.

Feito sob Medida

A indústria cinematográfica atual e muito em particular a Warner com os filmes DC, parecem se desesperar cada vez mais quando surge uma média crítica em um site agregador de resenhas. Respondem as menores picuinhas que a fanbase cria em fóruns diversos e já se prontificam a lançar edições estendidas em um ato desesperado para resolver os problemas do corte dos cinemas.

Justamente por conta dessa histeria e da completa falta de confiança nos produtos que lançam que tivemos tanta reestruturação dentro de Liga da Justiça. Por conta de diversas ideias e muitas mãos “invisíveis” que temos um filme tão… medíocre, embora divertido.

Oficialmente, Chris Terrio e Joss Whedon assinam o roteiro baseado no argumento de Snyder, mas observando trabalhos regressos de Terrio e principalmente de Snyder, é bastante fácil apontar a quão apertada estava a mordaça nas mentes criativas mais importantes do longa.

A sinopse é básica: depois da morte de Superman, o mundo cai em luto e desesperança permitindo que Steppenwolf, tio de Darkseid, surja na Terra com seus parademônios para acabar com toda a vida no planeta com o auxílio das Caixas Maternas aqui escondidas. Batman, já há tempos investigando a presença desses alienígenas em Gotham, decide que finalmente chegou a hora de reunir a equipe de meta-humanos para defender o planeta de ameaças graves. Assim, Bruce Wayne parte em uma tarefa difícil de convencer os humanos mais poderosos do planeta a participarem de sua liga da justiça.

A história, por mais simples que seja, realmente não é o grande problema do longa, mas sim as diversas pretensões reminiscentes da história cortada que Snyder queria contar. O roteiro é bastante diluído até tornar-se fraco em uma narrativa que poderia ser exibida em seriados de televisão sem o menor problema.

Os caminhos burocráticos e subtramas que Snyder tanto gostava estão ausentes aqui. O mesmo acontece com o trabalho magistral de Chris Terrio com o tratamento dos diálogos, igualmente simples, mas ainda assim, divertidos por conta do aumento expressivo do humor que procura encaixar-se bem e com naturalidade durante as conversas.

Se na concorrência quase todos os personagens funcionam como alívios cômicos, Terrio e Whedon procuraram fazer o correto: focar as piadas no alívio cômico (no caso, o Flash/Barry Allen) e lançar frases cômicas pontuais para o restante da equipe.

Embora eu tenha me divertido com o humor do filme, o fantasma da pretensão narrativa de Snyder me assombrava a cada nova cena que surgia e o quão diluída e enxuta ela estava. O texto parece ter medo de encarar o terror para lançar a esperança, mas ele sugere isso a todo momento com situações estranhas como a cena dos terroristas reacionários religiosos – vide, cristãos, para lançar a modernidade de volta para a idade das trevas… Ou usando a imagem de um skinhead destruindo a propriedade de uma muçulmana nos créditos iniciais.

É tudo bastante óbvio, mas como é lançado de modo pedestre, o espectador pode ter dificuldade de associar essas reações de medo e desesperança com a chegada arbitrária de Steppenwolf na Terra. Com umas linhas de diálogos a mais, seria bem fácil resolver esse entrave do vilão, um dos aspectos mais criticados do filme.

De um fundo moral e mensagem relevante sobre a ausência de uma deidade e a falta de ética que consequentemente recai na humanidade, a potência do demônio em pessoa na Terra a transformando em um Inferno vivo é perdida com força. Isso por conta de Steppenwolf ser apenas funcional e de propósitos óbvios e previsíveis: unir a Liga, levar porrada e sumir do planeta.

O problema é que a pretensão ainda existe e, graças a uma montagem muito danosa, o núcleo do vilão se torna um belo desastre. Steppenwolf só se comunica através de frases de efeito bastante bregas e repetitivas, se comportando sempre como um fanático ao interpelar as Caixas Maternas. Ele somente age através de roteirismos e conveniências narrativas aparecendo sem o menor problema nas localizações secretas que as Caixas estão localizadas – em seu exílio, o Lobo nunca saberia onde fica Themyscira ou Atlântida.

Às vezes, até mesmo surge e some sem motivos claros, além de nunca ferir gravemente qualquer personagem importante. Na primeira luta, no subsolo do Porto de Gotham, o vilão interroga alguns humanos, luta com os heróis e depois some da batalha por razões desconhecidas. Os roteiristas falham explicar melhor tudo o que envolve Steppenwolf e as Caixas Maternas. Logo, ambos são relegados a serem somente funcionais, nada interessantes ou, tampouco, marcantes.

Logo, é percebido de cara que o texto foi feito sob medida. Uma história simples, mais enxuta, nada burocrática ou pretensiosa, com mais humor, um tom leve, vilão funcional e esquecível, bons personagens principais. Realmente parece a receita do sucesso e só o tempo dirá se o publicou aceitou esse texto feito sob medida.

Crônica Oriental

Em muitos comunicados para a imprensa, Snyder declarou que queria homenagear ferrenhamente um dos de seus filmes favoritos, Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa, lendário diretor de cinema japonês. Assim como no clássico, boa parte da história seria concentrada nos esforços de Batman em reunir os membros da Liga da Justiça ao redor do globo.

Apesar da homenagem desejada, é difícil negar que o começo de Liga da Justiça seja estranho. Assim como BvS, o filme possui diversos começos para situar os conflitos majoritários dos personagens que acompanharemos na jornada. O que tem mais potencial e recebe maior cuidado dos roteiristas certamente é Ciborgue, adaptando o conflito do Homem vs. Máquina visto na fase dos Novos 52 dos quadrinhos da editora.

Ray Fisher, novato em longas metragens, cumpre bem o papel inicialmente taciturno e angustiado de Victor Stone, um morto caminhando entre os vivos. É através dele que o filme começa a abordar o tema da “superação”, algo muito recorrente no longa. A superação do medo e do terror é o que une os personagens que buscam dar apoio moral e físico para uns aos outros sempre que preciso. Por sinal, justamente por causa da superação ser discutida em diálogos conflitantes, muitos deles são expositivos e conferem um ar de “novela” para muitas cenas.

Stone precisa superar o fato de que sobreviveu a um acidente avassalador e que acabou ganhando um grande poder: a dádiva da vida. Diana tem que assumir seu papel como heroína-deusa benevolente e começar a liderar novamente, superando a morte de seu grande amor, Steve Trevor. Arthur Curry precisa superar o abandono materno e o alcoolismo e reclamar o trono de um reino escondido que ele deveria proteger. Barry Allen precisa organizar sua vida pessoal e parar de reviver a tragédia injusta de seu passado. E, por fim, Bruce Wayne tem que lidar com o luto e a culpa da morte de Superman, jogando o mundo em um clima pessimista.

Como perceberam, o roteiro se preocupa em abordar esses mini arcos dramáticos para os personagens principais – até mesmo Lois Lane tem seu próprio arco com um bloqueio criativo. Uns funcionam, outros nem tanto, justamente pela duração do longa. O luto e a superação são temas complexos de grande dificuldade para desenvolvimento. Quando mal feito, é resultado pode ser uma enorme confusão.

Liga da Justiça não é confuso, mas sim superficial. Quando um filme nasce com uma pretensão e termina com uma despretensão, é evidente que os temas grandiosos são comprometidos pela tesoura da montagem. Estabelecendo esses dramas pessoais em poucos diálogos e conflitos, o mesmo acontece com as resoluções, sendo que algumas nem chegam a ter mesmo um grande momento catártico – praticamente nenhum deles possui essa catarse e algumas mudanças de relacionamento entre eles se tornam problemas como a súbita mudança de postura de Superman em relação ao Batman.

Como toda a primeira metade do longa é focada nessas pequenas reuniões e tentativas de união, o roteiro passa a ficar levemente repetitivo, salvando-se por conta das inserções corretas de humor e uma cena de ação em Themyscira. Quando os personagens finalmente estão juntos, vemos quem consegue se destacar com facilidade. Ezra Miller é um grande acerto de casting pelo timing cômico exemplar, além de incorporar e criar trejeitos muito interessantes para o personagem.

Gal Gadot continua em curva ascendente atuando cada vez melhor soltando apenas uma frase esquisita durante a projeção – de resto, está ótimo e consegue criar laços afetivos cheios de potencial com o Batman. Por falar nele, Ben Affleck parece estar cansado e levemente desinteressado no personagem sem a energia de outrora. Porém, o ator transparece com competência a melancolia que aflige a vida do personagem, o motivando a tomar atitudes cada vez mais suicidas – o Batman praticamente se comporta como um kamikaze durante as batalhas contra Steppenwolf e seu exército de minions.

O que menos se destaca é Jason Momoa, conferindo uma personalidade mista ao seu Arthur Curry. Por ora, é uma atuação confusa, mas que possui lampejos carismáticos com a piada da honestidade envolvendo o Laço de Hestia e também durante a porradaria no clímax.

Com essa abordagem direta do longa, Terrio e Whedon não perdem muito tempo depois que a Liga é formada e já partem para trazer Superman de volta. O curioso é que, apesar da ideia ser elaborada e interessante, entra em conflito com os segundos finais de BvS. Nessa ressureição do maior herói da Liga, é digno de nota que haja um esforço coletivo conseguindo integrar diversas partes da equipe para conseguir o feito, além de destacar a grande importância de Ciborgue e as Caixas Maternas para esse arco.

De modo bastante intimista, Superman tem um retorno nem tão épico como muitos imaginavam, além de jogar o filme em outros diversos clichês como a breve mudança de índole do kryptoniano e a luta de herói vs. herói que marcam todos os filmes que Whedon participou nesse gênero. Com uma resolução doce e bonita desse conflito, o filme caminha para o clímax.

 Aliás, vez ou outra, sempre há a inserção de uma família de civis que moram ao lado da usina nuclear em uma cidadezinha no norte da Rússia. A inclusão desse núcleo é totalmente invasiva com o resto da trama do filme, mesmo que os civis estejam localizados no mesmo lugar do clímax. São três cenas focadas em pequenos atos dos personagens que poderiam ser reduzidas somente para uma quando Flash e Superman partem para salvar os moradores da cidade.

Aliás, é muito satisfatório ver enfim Henry Cavill se comportando como o Superman simpático e bondoso dos quadrinhos e dos filmes de Richard Donner. Com a conclusão de seu arco dramático em BvS no qual ele abraça sua figura e responsabilidade messiânica, finalmente pudemos ver o herói de fato pela primeira vez com semblantes de paz e sossego. Porém, de novo, pelos cortes que o filme sofreu, essa volta do Superman como um ser bondoso é ligeira e estranhamente superficial, apesar da reunião com Lois ser emocionante.

Após o clímax acontecer, sem trazer qualquer grande desafio para a equipe – algo estranho já que BvS, O Homem de Aço e Mulher-Maravilha possuem sempre um grande senso de ameaça a integridade física dos heróis, o filme se apressa para terminar exibindo o fim dos arcos dos personagens como se eles realmente tivessem sido desenvolvidos ao longo da jornada.

Bruce se torna o grande amigo de Clark Kent, Diana assume sua posição como um farol ético e moral para a humanidade, não mais se escondendo. Ray Fisher perdoa seu pai e passa a visitar a Starlabs para dominar sua armadura. Barry Allen entra no laboratório criminal. Diana e Bruce fundam a sede da Liga na Mansão Wayne. Clark se joga aos céus como Superman para salvar alguém.

Visão Abortada

É inegável. Zack Snyder tem personalidade e assinatura cinematográfica. Em tempos que os blockbusters caminham para zonas cinzentas de inexpressividade artitítica, Snyder se destacava com muita facilidade pelas imagens incríveis que conseguiu criar com o auxílio de efeitos visuais.

Já fascinado pelo poder de mensagem que uma imagem carrega, Snyder conseguiu criar um filme a frente de seu tempo com BvS, relegando muito do desenvolvimento dos personagens através do poder da síntese visual e apostando menos em diálogos muito expositivos. Porém, todos nós sabemos do resultado dessa aventura que foi muito cara para a Warner.

Em Liga da Justiça, Snyder está sob controle rígido – muito rígido mesmo. A começar, esse é de longe o filme mais porco esteticamente que o diretor já dirigiu na vida. As ricas composições visuais e belíssimos planos que traziam uma grandeza avassaladora foram para o espaço. Até mesmo sua encenação para cenas menos complexas se tornou cansada como se a própria câmera fosse um fardo. Isso também pode cair na conta de Joss Whedon, um diretor de linguagem visual muito mais simples que a de Snyder.

Logo, temos imagens de aspecto de seriado, com um jogo de diálogos sempre muito simples e sem o toque autoral de outrora. Isso é visto em questão de segundos aliás com uma abertura mais light e já totalmente desprovida do filtro que simulava grãos de película cinematográfica. A colorização foi alterada para deixar tons primários mais saturados e menos sombrios. Até mesmo a cinematografia de Fabian Wagner, substituindo Larry Fong, conta com mais pontos de luz, ainda que a iluminação nunca perca uma nuance mais estilizada como nas cenas de Gotham – caracterização sempre excepcional dessa cidade.

Talvez, onde Snyder mais se sente à vontade seja no início do longa, criando composições mais interessantes como um reflexo do Batman em uma janela ou ao posicionar Diana justamente em cima de uma estátua da deusa Thêmis, a Justiça – praticamente, a única cena com uma simbologia visual mais carregada.

De resto, não há tanta coisa elaborada no filme excetuando coreografias sempre bacanas de algumas batalhas como o “pega-pega” de Themyscira – que me lembrou muito do final de Rogue One: Uma História Star Wars – e também do clímax onde cada herói consegue exibir bem seus poderes individualmente além de interagirem com muita fluidez entre si.

Enfim, ainda há personalidade no visual do filme, mas assim como o roteiro, foi diluída quase ao máximo, na beira de quase perder sua identidade e seguir um caminho totalmente enlatado e pré-fabricado, como se tivesse sido enquadrado por robôs e não por artistas. Aliás, é muito perturbador acreditar que esse filme custou 300 milhões de dólares quando, visualmente, parece mais barato do que O Homem de Aço e BvS.  

Outra característica marcante do diretor era a jornada que criava paralelos evidentes entre Jesus Cristo e Superman. Para mim, foi triste notar que tudo isso foi cortado. Não existe carga simbólico-religiosa em Liga da Justiça do modo que era feito antes. Tanto que a cena da ressurreição de Superman mais se assemelha a uma homenagem aos filmes Frankenstein do que qualquer tema que tenha a ver com fé.

Também foi excluída a assinatura dos famosos planos de câmera tremida que Snyder sabia realizar tão bem. Aqui tudo é feito do modo mais clássico e comportado possível, deixando sempre a pobre encenação acima da câmera em hierarquia de direção. Aliás, há um tremendo problema visual em Liga da Justiça que inexiste em todos os outros filmes dessa fase até agora: os famigerados “cortes de cabelo” nos enquadramentos.

Um corte de cabelo é quando o diretor resolve enquadrar o ator cortando uma parte do topo de sua cabeça. Isso é muito comum em big closes e closes, mas aqui é feito por conta da janela de exibição do filme. Estamos entrando em um setor técnico que raramente vai afetar o público que deve sentir apenas um estranhamento em alguns planos, mas nada que vá perturbá-lo a ponto de sair reclamando.

O fato é que Snyder gostou muito do formato IMAX que usou em BvS durante algumas cenas. E resolveu formatar Liga da Justiça justamente em formato acadêmico: 1.37: 1 – uma janela mais “quadrada” e fácil de formatar em IMAX. Na primeira vez que vi ao longa, vi em IMAX e esse problema mencionado não ocorre, pois toda a informação visual está na tela.

Porém, na segunda vez, vi no formato convencional que os cinemas optaram em formatar suas telas: na janela 1.85 : 1 – formato que preenche a tela toda de um televisor widescreen que você tem na sua casa. Obviamente, por ser um formato retangular, parte do topo e da base da imagem são perdidas. A rigor artístico, isso não é a morte de um filme caso o diretor enquadre pensando na adaptação vindoura de uma janela que o longa será exibido na maioria dos cinemas. Já que esse problema persiste em muitas cenas. O que ocorre é simples: a linha do olhar dos personagens sempre está acima do ponto de fuga considerado “normal” na linguagem cinematográfica – sim, há estudos rigorosos sobre as linhas guia que você deve enquadrar os olhos do ator a ponto de não causar desconforto. Por diversas vezes, os olhos dos personagens quase beiram o topo da tela exibidora e te garanto que isso não é nada agradável de notar. Agora é torcer para que a Warner lance a versão em formato acadêmico como Snyder original gravou o longa em home vídeo, pois será algo consideravelmente chato esse incômodo visual persistir.

Também acho particularmente curioso Snyder e o design de produção escolherem locais tão similares para os dois confrontos com Steppenwolf: construções cilíndricas verticais. Apesar de não limitar expressivamente a coreografia das lutas – Mulher-Maravilha é quem mais sofre com a repetição de golpes – certamente resulta em uma mesmice visual que o filme não precisava. Curioso que isso ocorre justamente depois das ótimas sequências da batalha na cidade contra os parademônios abaixo de um céu totalmente vermelho. Que ironia a batalha mais legal do filme ser justamente contra minions genéricos do que contra o grande vilão.

Também é curioso como Snyder investe tão pouco nas diferenças de pontos de vista para mostrar Flash em ação. Sempre quando o personagem entra na chamada força de aceleração, o diretor usa a técnica mais elaborada de slow motion que já realizou até agora. Apesar de ser um efeito bonito, a repetição pode cansar – até mesmo a música tema de Danny Elfman é repetida nas três cenas principais que o Flash entra em ação.

Aliás, embora a trilha musical não seja um problema em si, Elfman também não consegue criar temas expressivos para os heróis – com exceção ao do Flash. A trilha funciona, mas é bem mais fraca que as composições interessantes que Hans Zimmer e Junkie XL trouxeram em BvS. Ao menos, há o retorno de trechos dos temas clássicos de Batman e Superman, encaixados de forma orgânica em novas composições – eles podem passar despercebidos se não estiver atento.

Sempre atento aos bons efeitos visuais, é curioso que Snyder e a equipe tenham preferido criar Steppenwolf totalmente com efeitos digitais. Além do resultado não ser muito bom, o design e as expressões faciais de Steppenwolf são medíocres falhando em incutir medo ou qualquer emoção negativa na plateia, afinal como não ficar indiferente com um vilão caricato e monocórdico desses?

O bigode de Henry Cavill também se torna um problema, já que a “barbearia digital” que a Warner contratou deixou o lábio superior do ator levemente inchado, como se ele estivesse se recuperando de uma grave crise alérgica. Embora existam esses deslizes nesses efeitos em particular, há também trabalhos sempre bem-feitos para modelar os edifícios estilizados de Gotham e Metropolis, além de recriações virtuais do Batmóvel e dos atores em cenas específicas.

No fim, Snyder fez seu trabalho, mas sob uma mordaça criativa que talvez tenha sido mais danosa ao filme do que se ele tivesse seguido com sua marca autoral. Afinal, as pessoas ainda discutem BvS, o ápice autoral de Snyder na DC. Por quanto tempo também discutiremos sobre a qualidade estranha de Liga da Justiça?

Ideias Aprisionadas

Embora meu texto pareça uma enorme crítica negativa pela falta de coragem que distinguia esses filmes da DC das obras da concorrência, admito que me diverti consideravelmente com Liga da Justiça. É um longa despretensioso, otimista, bonitinho e engraçado. Uma aventura que lembra os moldes do inesquecível desenho animado Liga da Justiça Sem Limites. Snyder e Whedon souberam bem trabalhar a interação conflituosa e também da enorme amizade entre os integrantes do grupo.

Seja em ótimas sequências de ação ou através de diálogos que trazem a tona a personalidade de cada um. Até mesmo é interessante notar uma nova abordagem para um Batman inseguro e suicida, mesmerizado pelo poder de divindades que trabalham ao seu lado enquanto se posiciona corretamente como o estrategista do grupo com o auxílio de seus gadgets – nunca ser rico fez tão bem aos poderes do Morcego.

Mas o amargor de uma decepção, de ver um filme tão mutilado que sofre com alguns entroncamentos errôneos da montagem e da pressa em entregar uma mensagem que deveria ser muito mais poderosa, praticamente deixa o bom trabalho realizado enublado, dando a sensação incômoda de um filme enlatado, feito sem muito esmero ou interesse de um grande autor do cinema blockbuster.

Se antes havia Cinema, agora há apenas um produto de consumo imediato, modulado pelo medo de investidores e executivos em testemunharem mais um fracasso. Agora, que ironia cruel. Mesmo depois de tantas amarras e pressão para lançar uma obra “adequada ao gosto popular”, tenha recebido outra recepção crítica nada favorável – que as considero injustas também.

No fim, apenas lamento que a possível despedida de Snyder nesse universo tão cheio de potencial, seja tão amarga. O filme busca refletir esperança em um futuro melhor e eu realmente torço que o futuro desse universo cinematográfico, com a ajuda de ótimos diretores como James Wan e Matt Reeves, consiga recuperar seu frescor, originalidade e pioneirismo novamente.

O sonho ainda vive, mesmo que ferido.

Liga da Justiça (Justice League, EUA – 2017)

Direção: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio e Joss Whedon, baseado nos personagens da DC 
Elenco: Ben Affleck, Gal Gadot, Jason Momoa, Ezra Miller, Ray Fisher, Henry Cavill, Jeremy Irons, J.K. Simmons, Connie Nielsen, Amy Adams, Diane Lane, Amber Heard, Ciarán Hinds, Billy Crudup, Joe Morton, Jesse Eisenberg
Gênero: Aventura
Duração: 121 min

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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