e pensarmos na história do cinema podemos pescar algumas obras que, sem a menor sombra de dúvida, marcaram não somente uma década, como gerações inteiras – Conta Comigo, baseado no romance de Stephen King, é um desses filmes impossíveis de se esquecer. Pensamos nos anos oitenta, ao menos os cinéfilos, e a imagem dos meninos andando pelos trilhos do trem vem quase que de imediato à cabeça. Mas até que ponto podemos considerar o longa-metragem de Rob Reiner como algo que excede as barreiras de seu tempo? Podemos considerar a mensagem do filme como universal e atemporal? A resposta, evidentemente, é sim.
A trama gira em torno de um grupo de quatro jovens, de doze anos, todos com algum tipo de problema ligado à família. Após Vern (Jerry O’Connell) ouvir falar sobre a localização do cadáver de um garoto da idade deles pela região, os meninos decidem ir em uma excursão a fim de ver esse corpo – sem nenhum motivo aparente, apenas pelo espetáculo sensorial. O caminho até lá, contudo, se prova como uma verdadeira jornada de autoconhecimento e mais que uma aventura, isso se prova como uma maneira de lidar com a dura realidade que os cerca e os oprime.
Conta Comigo certamente não é um filme fácil de se assistir. Não por não nos sentirmos engajados pela história e sim pelo peso de sua atmosfera. Apesar de estarmos diante de crianças, seus problemas refletem aqueles de nosso impiedoso mundo e pouco a pouco enxergamos como as ações dos adultos profundamente afetam esses garotos, até moldando-os no que podem ser quando amadurecerem. Desde o tratamento dos pais de Gordie (Wil Wheaton) em relação a ele (tanto antes, quanto depois da morte do irmão), até o preconceito da sociedade acerca de Chris (River Phoenix), vemos meninos profundamente feridos emocionalmente, ocasionando não somente em lágrimas, como em alguns comportamentos não condizentes com os de uma criança (apesar destes, também, certamente estarem presentes).
Aqui o título demonstra toda sua relevância dentro do contexto apresentado. Nesse mundo cruel, esses quatro garotos escapam da realidade através de seus amigos – são eles com quem realmente podem contar, como já é deixado claro na canção de Ben E. King, reproduzida tanto no início quanto no fim da projeção. Essa vivência é ainda essencial e enxergamos isso com clareza nos minutos finais, quando descobrimos que Chris escapou de seu “destino selado” e se tornou um advogado. Você pode ir para onde quiser, Gordie diz a ele e tais palavras repercutem no futuro do jovem, nos deixando com um desfecho que mistura a nostalgia, o otimismo e a tristeza do naturalismo tudo de uma vez.
De forma interessante, o roteiro ainda trabalha seu protagonista, Gordie, como se estivesse em uma verdadeira estrada de superação em relação a morte de seu irmão, única figura que, de fato, o conhecia dentro da família. A relação entre o menino e seu melhor amigo mostra como ele se apoiou em Chris, que genuinamente o ajuda a superar essa difícil fase. A química entre os dois chega a ser palpável e a melancolia do autor, anos depois, que escreve sobre sua infância consegue ser perfeitamente transmitida a nós espectadores.
Naturalmente, a escolha do elenco e, é claro, a direção de atores, teve um papel essencial aqui. Poucas vezes assistimos uma obra audiovisual, com um elenco principal formado unicamente por crianças, que funciona de maneira tão orgânica. Enxergamos neles aspectos de nossas próprias infâncias e o mais desconcertante é reconhecer que muitos dos problemas que encaramos na vida adulta, eles precisam enfrentar aqui, evidentemente que de uma maneira menos madura e com todo aquele olhar jovem sobre o mundo – ainda que a ingenuidade de todos eles já tenha sido abalada inúmeras vezes. De fato, o que vemos aqui é um caminhar de cada um deles para a vida adulta.
A direção de Rob Reiner ainda constrói o suspense do roteiro de maneira sufocante. Um perfeito exemplo disso é quando estão atravessando a ponte nos trilhos do trem. A câmera faz questão de mostrar a altitude que se encontram e como qualquer deslize pode leva-los à morte ou a um acidente gravíssimo, visto que precisam passar por cima dos vãos entre as tábuas de madeira. Ao mesmo tempo não sabemos quando o trem irá chegar e se conseguirão atravessar a tempo. A perspectiva ora alterna entre grandes planos abertos, mostrando a pequenez deles em relação ao mundo, ora nos mostra o olhar do protagonista, que constantemente checa para ver se a fumaça da locomotiva aparece à distância, criando em nós uma angústia que chega a ser palpável.
Estratégia similar é utilizada através da montagem paralela, que nos mostra o grupo de Ace (Kiefer Sutherland) se aproximando do local para onde os garotos estão indo, evidenciando que veremos um conflito em breve, mas não sabemos o que, de fato, irá acontecer. A tensão somente aumenta conforme testemunhamos a loucura e até maldade do personagem, que, claramente, não irá pegar mais leve somente porque irá lidar com jovens de doze anos. Essa construção lentamente nos leva para o clímax, que é resolvido de maneira que, ao mesmo tempo é simples e orgânica, mas que consegue nos deixar sem fôlego até sua resolução.
Quando Conta Comigo encerra seu flashback, iniciado no prólogo do longa, nos pegamos verdadeiramente exaustos, como se houvéssemos acompanhados esses meninos em sua aventura e da mesma maneira que o protagonista, já mais velho, se pega pensativo em relação a seu passado, somos deixados na introspecção, refletindo não só sobre o que o filme representou, ou o marco que representa dentro da História do Cinema, como em nossas próprias vidas, nossas amizades deixadas para trás e até que ponto acreditamos em nossa capacidade de ir para onde quisermos. Não consigo pensar, portanto, como a mensagem desta obra não seria universal e atemporal.
Conta Comigo (Stand by Me – EUA, 1986)
Direção: Rob Reiner
Roteiro: Raynold Gideon, Bruce A. Evans (baseado no romance de Stephen King)
Elenco: Wil Wheaton, River Phoenix, Corey Feldman, Jerry O’Connell, Kiefer Sutherland, Casey Siemaszko, Gary Riley, John Cusack
Gênero: Aventura, Drama
Duração: 89 min.