Em uma década que se provaria realmente difícil para a Marvel, o enorme sucesso provocado com a saga vista em Desafio Infinito faria o grupo editorial encomendar uma trilogia inteira para Jim Starlin salvar as vendas já muito afetadas dos quadrinhos. Porém, por mais que essas histórias vendam, elas passam longe da qualidade apresentada na primeira parte.
A decadência já havia sido sentida com Guerra Infinita, mostrando uma premissa curiosa da materialização do “lado negativo” de Adam Warlock, Magus, no mundo real tramando conquistar a Manopla do Infinito e dominar o universo. Embora seja bastante medíocre, havia uma noção mais original para dar continuidade para a narrativa de Desafio, além de trazer um novo vilão que apresentava falhas inerentes ao espírito de Warlock.
Já aqui com Cruzada Infinita, o final dessa Trilogia do Infinito, Starlin mostra sinais claros de esgotamento criativo ao apresentar uma antagonista que é o verdadeiro oposto de Magus. Ou seja, o “lado positivo” de Adam Warlock materializado no Universo. A vilã se autodenomina Deusa e, por conta dos eventos de Guerra, elabora um plano mais original para conquistar seus objetivos que parecem bem-intencionados em primeiro momento, mas no fundo são tão perversos quanto o de outros vilões.
A Luta pela Fé
Cruzada possui um escopo mais audacioso, embora falho. Todo o pano de fundo da história é uma pseudocrítica ao fanatismo religioso, já que Deusa conquista, através de manipulações psicológica, diversos importantes heróis da editora como Capitão América e Doutor Estranho para a auxiliarem em sua Cruzada a fim de levar todo o Universo para uma nova era de paz. Para isso, ela cria um Paraíso privado em um planeta distante para que os heróis a protejam enquanto ela faz os preparativos finais para executar seu plano.
Para não esgotar as Joias do Infinito, Starlin não faz a vilã partir em busca desses artefatos, mas sim criar um outro elemento místico que é realmente esquecível e de menor impacto narrativo. Logo nas duas primeiras edições também se percebe que esta saga seria facilmente comportada em uma quantidade mais modesta de páginas, já que Starlin realmente enrola o desenvolvimento da história com diversas transições entre os núcleos dos Vingadores e dos heróis aliados a Deusa.
Assim como nessas grandes sagas de Starlin, temos uma presença massiva de personagens que pouco são trabalhados. Todo esse conjunto de heróis tem a finalidade apenas de Starlin engenhar sessões de porradaria entre os heróis favoritos dos leitores. Porém é tudo tão sem imaginação e com reviravoltas óbvias – como ataques na retaguarda de inimigos distraídos, que logo se tornam um verdadeiro teste de paciência.
A leitura para chegar até esse momento também já é um grande esforço, pois Starlin usa um vai-e-volta irritante entre núcleos que simplesmente parecem não sair do lugar. Isso é apenas diluído com o núcleo realmente importante da obra focado em Adam Warlock e Thanos que passam a trabalhar juntos para deter a Deusa. Thanos ainda é o personagem mais interessante da obra, já que o roteirista insiste em manter as intenções de Warlock sob uma neblina tão espessa que as reviravoltas de seu plano quase se tornam incompreensíveis, pois inventam regras novas a todo momento.
Isso obviamente tem a ver com as escolhas envolvendo o famigerado Soul World de Warlock permitindo que o herói desapareça por enormes porções da jornada. Com tantos personagens fracos ou de propósito rasteiro nessa história, é fácil ficar desinteressado. Porém, é preciso apontar algumas boas ideias nada desenvolvidas que Starlin traz nessa conclusão. Ele pretende discutir as mazelas do livre-arbítrio, da fé cega e da purificação da alma, mas acaba reduzindo tudo ao extremo do jogo eterno entre o bem e o mal conseguindo deixar tudo o que foi apresentado até então em meros caprichos criativos.
Ao menos, durante o clímax da obra, temos uma boa reviravolta assim como os desenhos pouco inspirados de Ron Lim ganham mais vida chegando até mesmo a brincar com metalinguagem. Infelizmente, Deusa apenas se torna mais uma vilã esquecível do panteão cósmico da Marvel, assim como toda essa história pouco relevante dentro do universo da editora.
A Cruzada da Leitura
É realmente uma tarefa árdua concluir Cruzada Infinita apesar do interesse do leitor ser provocado pela conclusão em cliffhanger de Guerra Infinita. Starlin está totalmente esgotado criativamente com essa trilogia a ponto de inverter a ordem de ideias já apresentadas e que se provaram pouco eficazes na condução de uma narrativa. Ainda que o lendário roteirista pretenda trabalhar temas complexos e a polêmica da religião aqui, há muita poluição em arcos e núcleos pouco interessantes que somente servem para confundir o leitor. Pior ainda são as decisões editoriais da Marvel que insere diversos tie-ins importantes para compreender algumas reviravoltas injustificadas dentro da saga.
Cruzada Infinita (The Infinity Crusade, EUA – 1993)
Roteiro: Jim Starlin
Arte: Ron Lim
Arte-final: Al Milgrom
Cores: Ian Laughlin
Letras: Jack Morelli
Editora: Marvel Comics