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Crítica | Death Note (2017)

Em certa altura de Death Note, Light (Natt Wolff) pergunta ao pai policial (Shea Whigham) como ele aguenta toda a situação embaraçosa da investigação. O pai responde que nem tudo é preto ou branco, que eles estão no meio, e que às vezes deve-se escolher, entre os males, o menor. Se os realizadores do filme seguiram o conselho do personagem, e esse melodrama que nos foi apresentado é realmente o menor dos males, então tenho medo do maior.

Light é um estudante que, certo dia, vê cair do céu um caderno negro, o Death Note do título. Quem tiver seu nome escrito nele, morre. O portador do caderno tem ainda a opção, entre tantas outras, de descrever a morte da pessoa, sendo inclusive capaz de controlar o comportamento desta por um período de dois dias antes de sua morte.

O objeto, por sua vez, foi deixado por Ryuk (a voz de Willem Dafoe no corpo virtual de Jason Liles), um deus da morte, simplesmente pelo fato de ele ter de “achar um novo dono”, aspecto nunca explicado. Uma premissa que desperta, com o mínimo de reflexão, algumas hipóteses interessantes – aspecto que a obra original soube desenvolver, mesmo com todas as suas falhas.

essa adaptação do famoso mangá de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, tudo que há de minimamente oriental é, da maneira mais simplista e sem comprometimento crítico, transposto para um EUA histérico. Isto reflete-se, no pontapé da história (quando o ocasional vira proposital), na concepção da morte e dos seus agentes (Ryuk é um sujeito ativo na história, absolutamente violento e mal intencionado, agente de um plano sistemático e nunca explicado, em vez de ser uma entidade observadora e de ações sutis e significativas, reduzida a frases de efeito e reviravoltas baratas), ou até nos próprios temas que a história aborda.

No filme produzido pela Netflix, Light logo alia-se com Mia (Margaret Qualley), uma colega de escola que se apaixona pelo garoto ao saber do poder que tem em mãos. Começam a fazer justiça com as próprias mãos, matando criminosos de noticiários. E, para ganhar notoriedade, Light faz com que suas vítimas escrevam mensagens nomeando seu alter-ego divino, Kira – pronúncia de killer (assassino) em japonês, em referência ao nome na obra original.

Partindo de uma cena sádica à Premonição (ironicamente, série do mesmo diretor de outra adaptação norte-americana de mangá, Dragonball Evolution) e do drama pessoal de Light – o bullying sofrido por Light e o assassinato de sua mãe por um bandido –, o roteiro constrói-se sobre futilidades atrás de futilidades.

Não há senso de gravidade, nem sensibilidade por parte dos protagonistas. Tudo é tratado no começo como um passatempo e depois como uma mediação erótica da explosão de libido entre Light e Mia (não há o pudor austero dos japoneses, como a autosuficiência do Light do quadrinho, senão a entrega à carne). Como se o poder de tirar a vida de alguém num piscar de olhos fosse análogo a uma pirueta, valendo-se dos argumentos mais básicos de um defensor da pena de morte.

O filme tenta se retratar, mostrando a sociopatia das personagens ao confrontar a investigação do misterioso L (Lakeith Stanfield), indivíduo perspicaz que consegue traçar o caminho de Kira… afinal, ele leu o roteiro: só assim para tirar as conclusões que tira, de uma hora para outra. Os raciocínios são reduzidos ao mínimo, e a personagem mostra-se frágil, insegura, adolescente como o casal matador.

Sem contar que a montagem é forçada à síntese. Com isso, os furos de roteiro são escancarados, trazendo mil dúvidas à cabeça do espectador. E o pior é que essa pressa produziu um filme sem sabor intelectual ou estético. Com muita boa vontade, ri-se das atuações vergonhosas, e da trilha sonora eletrônica e remixada. No meio de tanta falta de bom senso, bem que a cena final numa roda gigante é a cereja perfeita com “The Power of Love” ao fundo (pena que não tocaram “O Amor e o Poder” de uma vez).

Incoerente, sem tempero visual senão através de planos contorcidos, descontrolado, histriônico, incômodo, este Death Note é malogrado desde seus princípios – como reimaginação de uma mesma premissa sob uma perspectiva cultural diferente –, apoiando-se em estereótipos e numa infantilidade inescapável.

Death Note (Idem, EUA – 2017)

Direção: Adam Wingard
Roteiro: Charley Parlapanides, Charley Parlapanides, Vlas Parlapanides e Jeremy Slater
Elenco:  Nat Wolff, Lakeith Stanfield, Margaret Qualley, Shea Whigham, Willem Dafoe e Jason Liles
Gênero: Fantasia, Ação, Mistério
Duração: 101 min

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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