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Crítica | Demolidor: 3ª Temporada – Matt Murdock contra o Mundo

Obs: análise contempla apenas o seis primeiros episódios da temporada

A Netflix conquistou uma parceria de ouro com a Marvel quando lançou a primeira e aguardada temporada de Demolidor. Simples, de poucos personagens e contando uma história de origem eficaz tanto para Matt Murdock e seu algoz Wilson Fisk, o sucesso da série foi tamanho que acabou abrindo uma caixa de pandora – dependendo do ponto de vista.

Desse modo, diversas séries de personagens secundários começaram a surgir e permanecer na mediocridade como Jessica Jones, Luke Cage, Punho de Ferro, Justiceiro e até mesmo a minissérie evento Os Defensores trazendo os heróis urbanos em uma aventura crossover. Pela exaustão da fórmula que encontrou muitas dificuldades em termos de ritmo e narrativa para sustentar os massivos treze episódios por temporada, acabou azedando a experiência até mesmo de parte da 2ª temporada de Demolidor.

Entretanto, pelo acesso antecipado que a Netflix nos ofereceu para conferir os primeiros seis episódios da 3ª temporada, já afirmo que dessa vez, aparentemente, o time de roteiristas acertou a mão, além dos diretores estarem mais apurados com toda a encenação desse arco que pretende adaptar a famosa HQ de Frank Miller, A Queda de Murdock.

Matt Murdock, Nunca Mais

Apesar de não ser necessário ter assistido os eventos de Os Defensores, a terceira temporada de Demolidor começa justamente durante a queda do protagonista após o prédio implodir quase matando ele e, também, matando Elektra, sua “namorada”. Completamente quebrado fisicamente e mentalmente pelos eventos ocorridos na destruição do prédio, Matt Murdock (Charlie Cox) perde a vontade de viver.

Somente por conta dos esforços da freira Maggie (Joanne Whalley) que Murdock começa a tentar se reerguer. Entretanto, por conta da explosão, seus ouvidos foram afetados, prejudicando completamente seus sentidos aguçados que auxiliavam na sua locomoção e combate. Sem fé em Deus, passando por um luto desagradável e impaciente, Murdock se torna obsessivo em voltar à ativa, embora esteja totalmente inapto.

Enquanto Murdock amarga sua queda, Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio) começa a tramar um plano engenhoso para se livrar do cárcere e para isso, aproveitará a situação desesperadora do agente especial do FBI Ray Nadeem (Jay Ali), pretendendo fazer um acordo de delação. Já Foggy (Elden Henson) e Karen Page (Deborah Ann Woll) ainda acreditam que Matt está morto e seguem com suas vidas, mas empenhados em colocar criminosos atrás das grades.

Apesar de eu ter afirmado que temos uma dinâmica narrativa muito aprimorada em relação à 2ª temporada, o começo dessa daqui é lento. As peças de narrativas dos personagens ainda estão se alinhando com algumas bastante perdidas. As mais interessantes durante os dois primeiros episódios obviamente estão concentradas no profundo desalento que Matt sente por si mesmo e sua falta de fé e nas atividades do Rei do Crime na prisão – incluindo uma apresentação engenhosa comparando o luxo gastronômico de outrora com a realidade nada generosa com qual vive agora.

Todo o foco criativo da direção nesses primeiros episódios está concentrado em ambos os personagens. Usando a câmera e o áudio de modo inteligente, com manipulação do foco e do ponto de escuta, os diretores mostram o quão descoordenado Matt está, sem escutar nada direito e com a “visão” turva. Com Wilson Fisk, temos a repetição da simbologia visual poderosa do vilão encarar a parede branca, o acalmando.

Apesar de termos esses núcleos interessantes, o espectador terá de persistir com as passagens maçantes com Karen Page, Foggy e o novo personagem Nadeem que é o típico arquétipo do policial desesperado com boas intenções, mas que só procura respostas fáceis para seus problemas. Há até mesmo um cuidado de apresentar a vida pessoal do personagem, mostrando sua família e a motivação financeira que impulsiona seu desespero, mas por ser tão clichê, Nadeem acaba se tornando um antagonista incidental por mais atrapalhar o grupo de heróis do que ajudar.

Segurando o espectador somente com algumas cenas de ação e pela melhora progressiva de Murdock e seu desejo incandescente de se tornar completamente o Demolidor, vale a pena passar por esses primeiros episódios. Quando o terceiro episódio chega que as coisas começam a caminhar muito bem exibindo conflitos novos para os personagens, afinal o acordo de Wilson Fisk com o FBI e sua prisão domiciliar não caem bem com a população e com os heróis do seriado.

O Vilão Sol

Nisso, a narrativa começa a orbitar totalmente em função de Fisk que, apesar de permanecer preso, possui alguns privilégios perigosos que possibilitam ele conduzir o crime novamente. Absolutamente todos os personagens giram em torno dele e conquistam suas motivações a partir daí. A reconquista do manto do Demolidor e a completa obsessão de Murdock em agora matar Fisk –  a ponto de alucinar e imaginá-lo andando e conversando consigo (detalhe para a atenção da direção em sempre manter Fisk desfocado durante os delírios, afinal Matt é cego e não faz a menor ideia de como seja o Rei do Crime).

Já Foggy decide concorrer ao cargo de promotor público enquanto Karen Page começa uma investigação (de novo) para encontrar novas evidências mais graves a fim de enclausurar Fisk na cadeia novamente. A partir daí, a narrativa segue com poucas reviravoltas impactantes, mas por conta de Murdock estar totalmente insano, temos como resultado uma das melhores cenas de luta de todo o seriado acontecendo em uma prisão.

Os combates que agora estão melhores coreografados e menos picotados na montagem, aqui brilham através do uso de um plano-sequência bastante complexo que mostra o quão humano é o Demolidor que surra muito, mas também apanha e precisa de alguns segundos para se recompor. Apesar de não haver uma grande sofisticação de encenação com diversos elementos em tela, a cena é tão longa que se torna fascinante e magnética. Aliás, essa terceira temporada é repleta de cenas memoráveis.

A partir daqui, é importante salientar que abordarei um tópico que simplesmente sustenta dois episódios inteiros e que, caso queiram o melhor impacto desses primeiros seis episódios, recomendo parar a leitura por aqui. Até esse ponto, você tem a certeza que essa terceira temporada tem o potencial de ser a melhor de todas desses seriados Marvel-Netflix, além de exibir melhor cuidado narrativo em aliar os personagens em jornadas paralelas comuns, ótimas cenas de ação, além de muito cuidado estético por parte da direção.

Mas se ainda está aqui e pronto para descobrir do que se trata, então seguimos. Desde o momento que o personagem Dex (Wilson Bethel) aparece, não há como não se interessar por esse esquisito agente do FBI que faz parte da equipe de monitoramento de Wilson Fisk. Em sua apresentação carregada de adrenalina, concluindo o 2º episódio, já fica óbvio que Dex se transformará no arqui-inimigo do Demolidor, o Mercenário.

Assim com os outros personagens, ele também orbita Fisk, mas em um jogo completo de tentação em ceder aos seus impulsos mais animalescos e violentos. Em um episódio maravilhosamente escrito, o espectador conhece boa parte da história de Dex, suas compulsões, manias e transtornos psicológicos incluindo até mesmo um breve foco de sua vida envolvendo um interesse romântico. Assim como Fisk na primeira temporada, é possível compreender completamente Dex e sua psicose. Justamente por ser complexo e vermos de perto sua enorme luta interna para não ceder a sua sede de sangue, o personagem passa a ser muito empático e carismático – méritos do ator Wilson Bethel em conseguir cravar uma performance tão crível e realista.

Aliás, muito ocorre do personagem ser tão bom por conta de suas inspirações claras dos protagonista de Dexter e Psicopata Americano, mas com toques novos muito bem vindos. Sua relação com Fisk só fica mais interessante a cada episódio.

Apesar de termos uma ótima narrativa nesses seis episódios, um novo vilão fantástico e o retorno do elenco principal muito inspirado a oferecer seu melhor nessa temporada, é uma pena que a percepção geral para a série seja uma mudança severa no orçamento que deve ter sido dedicado ao elenco e equipe técnica.

Explico, das três temporadas até agora, esta Demolidor deixa a desejar com os cenários e desenho de produção em geral. Basta reparar nos sets da prisão ou até mesmo do escritório do FBI para notar uma escala menor de cuidado e capricho com esses itens que facilitam a imersão do espectador. Em geral, é bom não reparar muito nos cenários para não quebrar a ilusão dessa produção mais módica – apenas os apartamentos de Fisk e Dex chamam bastante a atenção.

Nessa provável redução de orçamento, também se percebe pouco empenho da trilha musical que agora é basicamente bem fraca, funcionando apenas em momentos pontuais.

Entre Deus e o Diabo

Também é importante ressaltar que a carga temática religiosa nessa 3ª temporada é bastante presente, afinal Murdock é um personagem muito católico. Sua jornada de negação da fé e o nascimento de um novo inimigo mostra bem essa divisão entre o trabalho do bem e da justiça contra a gratuidade da maldade caótica. Isso, acredito, deve ser melhor trabalhado até o encerramento da temporada que infelizmente não tivemos acesso antecipado.

Mas para os fãs que estavam ansiosos para ver Demolidor brilhar novamente, em toda sua glória que ainda o difere dos demais seriados Marvel-Netflix, pode ficar tranquilo, pois temos aqui um começo muito promissor.

Demolidor – 3ª Temporada (Daredevil: Third Season, EUA – 2018)

Direção: Marc Jobst
Roteiro: Tonya Kong, Sarah Streicher
Elenco: Charlie Cox, Deborah Ann Woll, Elden Henson, Jay Ali, Joanne Whalley, Vincent D’Onofrio, Wilson Bethel
Gênero: Ação, Aventura, Drama, Policial
Duração: 53 minutos por episódio.

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Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

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