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Crítica | Depois Daquela Montanha – Um Filme Desnecessariamente Pretensioso

O subgênero de superação e amadurecimento é costumeiramente associado a dramas ou tragicomédias que colocam personagens humanos ou antropomorfizados dentro de uma situação caótica, a partir da qual eles devem abandonar trejeitos brutos como forma de evoluir, de transcender sua própria personalidade para sobreviverem e alcançarem uma revelação interior e irreversível. De modo generalizado, podemos ver esses arcos sendo desenvolvidos em narrativa em que um evento avassalador coloca seres humanos em contato com a fúria incontestável da natureza – e não me refiro apenas aos filmes-catástrofe como O Dia Depois de Amanhã, mas também a obras intimistas que buscam mexer com a o primitivismo humano.

Essa seria a ideia central de Depois Daquela Montanha, novo longa-metragem dirigido por Hany Abu-Assad, indicado ao Oscar por seu incrível trabalho em Paradise Now. A história gira em torno de dois estranhos que se veem em uma situação de vida ou morte ao ficarem perdidos em meio a montanhas geladas após um acidente de avião. A premissa não é nem de longe a mais original, mas conhecendo o estilo criativo do cineasta e o peso de seu elenco – Kate Winslet e Idris Elba como os personagens principais -, poderíamos imaginar uma perspectiva nova e mais inebriante que os costumeiros tour de force. Infelizmente, não é isso o que acontece.

O filme começa com um incrível plano-sequência semi-subjetivo, no qual a câmera acompanha por trás a tentativa apressada de Alex (Winslet) em atravessar um tumultuado aeroporto para a fila do check-in. Alex é uma jornalista e fotógrafa que está prestes a se casar, e precisa pegar o próximo voo para se encontrar com seu noivo, Mark (Dermot Mulroney). Toda a arquitetura cênica é bem pensada, já ditando o tom principal da trama ao optar pela centralização e fechamento dos planos. Enquanto isso, e negando toda a estética supracitada, conhecemos o carrancudo neurocirurgião Ben (Elba), cujo senso messiânico o impede de aceitar o fato de que seu voo foi cancelado devido às tempestades de neve, alegando que precisa realizar uma cirurgia imprescindível e inadiável em um pequeno garoto.

É quase previsível entender como os dois acabam se conhecendo, mas ninguém conseguiria imaginar que o filme abraçaria essa previsibilidade: tudo acontece exatamente do modo que se espera. Os dois personagens estão na mesma situação e, numa saída inverossímil, Alex tem a ideia de ambos alugarem um monomotor para chegarem a seus destinos, respectivamente – e é assim que uma “relação”, se é que posso realmente chamar assim, começa a se desenvolver e a reiterar os clichês dos dramas de superação que estamos cansados de ver. Talvez o maior alívio emerja na breve aparição de Beau Bridges como o piloto Walter; sua personalidade agradável e carismática é um dos poucos pontos altos, mas ele tristemente encontra seu fim com um repentino derrame.

Como se não bastasse, Ben e Alex não apenas correm para tentar salvá-lo da morte, mas tem que lidar com a velha estrutura do avião e uma tempestade perigosa que se aproxima cada vez mais deles. O clímax do primeiro ato também é algo a ser ovacionado – e ele só é memorável pela mediocridade do panorama geral, que promete muito e entrega quase nada: tudo é filmado mais uma vez em um plano-sequência de grande duração, com a câmera deslizando pelo confinamento claustrofóbico do monomotor e transformando-o em algo muito maior do que realmente é. A técnica, entretanto, não é em sua completude original, visto que foi utilizada por Alfonso Cuarón na obra-prima Filhos da Esperança. A referência é clara, mas pode ser encarada tanto como uma intertextualidade cinematográfica quanto como uma falta de brilhantismo por parte do diretor (as duas sequências ocorrem na iminência da morte de um dos personagens e em uma situação extremamente mortal).

A virada para o ato seguinte pelo menos foge às saídas formulaicas, e opta por não mostrar o momento do acidente, e sim os momentos que se seguem. Ben é o primeiro a acordar, e utiliza-se de sua mente calculista para traçar um plano de sobrevivência: ele se livra do corpo do piloto, cuida de seus ferimentos e então parte para impedir que Alex sofra com o frio e com uma possível infecção. Caso conhecêssemos essas habilidades numa breve backstory, suas ações poderiam ser compreendidas de uma maneira mais verossímil – mas o personagem de Elba parece o típico estereótipo de herói dotado de uma abstração macrocósmica que o impede de padecer frente a obstáculos. Aliás, no filme inteiro, podemos contar nos dedos quantos problemas reais são colocados no caminho dos protagonistas – talvez dois ou três. Tudo se resolve da maneira mais simples e calma possível, e a inexistência de um real sacrifício nunca chega à sua completude.

Eventualmente, chega o momento em que Ben e Alex percebem que precisarão se salvar, sem depender de um resgate que nunca apareceu. Logo, eles juntam as poucas coisas que sobraram – incluindo uma câmera semi-profissional mais resistente que o próprio avião – e começam a vagar pelo cenário montanhoso e no auge do inverno. É aí que todo o escopo de sobrevivência é varrido para debaixo do tapete e transformado numa tentativa fracassada de autodescoberta novelesca. Um melodrama tão desnecessário que não os torna mais conectados com o público, mas sim os afasta até mesmo de pessoas reais e que realmente passaram por situações de vida ou morte.

Nem mesmo a extensa filmografia dos dois atores é o suficiente para criar uma mísera centelha de química. Eles são tão superficiais quanto o desenvolvimento da história – mas não posso negar que o último frame do longa é colocado de forma interessante, mostrando os dois correndo um em direção ao outro e, antes de finalmente se encontrarem, serem impedidos pelo black-out final. Porém, não podemos deixar de ficar irritados ao ver que em nenhum momento a história pensa em ousar um pouco, seja na finalização dos arcos, seja nas consequências internas e externas dos personagens após obviamente serem resgatados.

Depois Daquela Montanha é um filme que agrada pouco, e não consegue prender a atenção nem mesmo dos fãs mais assíduos de um bom dramalhão. Se quiser assistir a uma história de superação, recomendo A Luz Entre Oceanos; porque essa “montanha” definitivamente não esconde nada além de decepção e monotonia.

Depois Daquela Montanha (The Mountain Between Us, EUA – 2017)

Direção: Hany Abu-Assad
Roteiro: Chris Weitz, J. Mills Goodloe, baseado no romance de Charles Martin
Elenco: Idris Elba, Kate Winslet, Beau Bridges, Dermot Mulroney, Linda Sorensen
Gênero: Drama
Duração: 112 min.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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