Apesar de não ser muito conhecido fora do espectro mais contido da esfera cult do Cinema, Atom Egoyan é um cineasta que conseguiu quebrar a barreira do ligeiramente desconhecido cinema canadense. Experiente e atuante até hoje, nos 1990 decidiu embarcar na onda de filmes excepcionalmente baseados na fragmentação da narrativa até o último segundo. Duas obras que trariam o ápice do estilo seriam lançadas somente nos anos 2000 com Amnésia e Cidade dos Sonhos.
Logo, de certa forma, Exótica é uma inspiração para alguns filmes, muito embora beba diretamente da fonte surrealista moderna de David Lynch. O fato é que Egoyan estende um conceito próprio para um curta-metragem ao máximo em seu filme-experimento e, por isso, até mesmo uma sinopse convencional, de causa e efeito, acaba estragando reviravoltas decisivas do longa.
Com três linhas narrativas entrelaçadas, Egoyan lentamente leva o espectador ao núcleo protagonista no qual acompanha a rotina decadente de Francis (Bruce Greenwood), um auditor da receita americana. Todos os dias, depois de deixar uma babá cuidando de sua casa, Francis trabalha e depois parte para o clube noturno Exotica. Já sempre bêbado, no limite da sobriedade, Francis observa sua dançarina favorita realizar um pequeno show, Christina (Mia Kirshner). Sua relação com Christina parece ser mais complexa e isso acaba instigando o bizarro locutor do strip club, Eric (Elias Koteas).
Pasárgada
Exótica não é, de forma alguma, um filme fácil. Egoyan enche sua narrativa de desvios e repetições ao máximo para levar o espectador a conclusões precipitadas e erradas indicando, de modo inteligente, que a imaginação fora do filme possa ser muito mais fantasiosa que a própria ficção retratada narrativamente.
Em um longa de ritmo lento e de acontecimentos que demoram a surgir, é realmente preciso estar atento as poucas dicas que o diretor/roteirista oferece ao longo das noites sofridas de Francis. A mudança de ponto de vista entre personagens tão gélidos quanto o protagonista oferece as distrações erradas, mas que neste universo tão sombrio acabam funcionando e até mesmo despertam interesse.
Uma pena que devido ao enorme mistério que Egoyan deseja emplacar, diversas dessas linhas sejam abandonadas ou apenas usadas como meros instrumentos de narrativa para evitar roteirismos muito convenientes. O melhor exemplo disso está na totalidade do ponto de vista centrado em Thomas, dono da loja de animais exóticos, que acaba fiscalizado por Francis em certo momento.
Tudo envolvendo Thomas acaba escanteado, embora tenhamos vislumbres de dramas curiosos envolvendo sexualidade e tráfico de animais. No próprio clube, através de diálogos que sempre caminham na tangente – algo que passa a ficar irritante depois da marca da primeira hora, outros são desperdiçados como a dona da boate, o fascínio de Eric por Christina e até mesmo da própria dançarina.
Egoyan não ousa desenvolver suas ideias para jogar tudo em um campo pseudo-surreal a fim de conquistar a atmosfera estranha e inquietante da obra. Só através de alguma exposição e um flashback bem inserido que o espectador compreende a dimensão complexa do drama do protagonista. O impacto emocional até surge, mas o cineasta mantém tudo na frieza em uma conclusão sobre o drama de Francis que pode ser considerada anticlimática.
Ainda assim, o tato do diretor é extremamente humano para lidar com tragédias familiares ao espectador. Isso tange ao luto e nisso, Exótica talvez seja um dos melhores longas a transportar na matéria do filme, em sua forma, toda a confusão do luto. Egoyan almejou e conquistou o título de cult justamente por seu controle nada discreto com a montagem do longa e do ritmo vagaroso.
Nota-se que o cineasta apura uma estética bastante sombria acompanhando a cinematografia de altas luzes nada discretas nos personagens – repare na força da contraluz, inserindo certa plasticidade típica dos anos 1990, mas ainda assim com toques surreais pela disposição dos cenários voyeurísticos e também da presença enjoativa de um verde sobrenatural na paleta de cores, evocando o quanto Francis é um homem preso ao passado.
A Boa Experiência
De resto, Egoyan não ousa muito com a câmera ou com composições. No máximo, há sugestões sexuais razoavelmente sutis, além de sua encenação sempre evocar erotismo e decadência na mesma medida. Sua força reside na montagem e na mensagem bastante pertinente da busca humana pelo paraíso terrestre, pelo paraíso exótico de Pasárgada. Muito embora estejamos presos e restritos a uma realidade acachapante que insiste em esmagar o maior dos escapismos.
Exótica (Exotica, Canadá – 1994)
Direção: Atom Egoyan
Roteiro: Atom Egoyan
Elenco: Bruce Greenwood, Mia Kirshner, Don McKellar, Elias Koteas
Gênero: Drama
Duração: 103 minutos