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Crítica | Extraordinário – Bullying cinematográfico

Alguns filmes simplesmente gostam de apoiar seu argumento em uma máxima ou trazer sua mensagem através de uma parábola óbvia. Alguns, nem precisam ser dramas religiosos ou qualquer outra história que tenha a ver com fé e o sagrado. Esse é o exemplo perfeito para Extraordinário que apoia toda a narrativa em favor de uma mensagem: se coloque no lugar dos outros.

Você já deve ter escutado a bendita expressão de “calçar o sapato alheio” e andar com eles por alguns quilômetros. Uma boa metáfora para sempre pensarmos bem antes de agir contra os outros. R.J Palacio conseguiu sua fama best-seller justamente com uma história inspirada nessa expressão. Certamente você já viu Extraordinário em prateleiras de destaque de inúmeras livrarias e provavelmente imaginava que era mera questão de tempo até que algum estúdio de Hollywood trouxesse uma previsível adaptação cinematográfica.

Trazendo outro grande queridinho da literatura americana contemporânea e que já tinha emplacado outro grande best-seller – inclusive adaptado para as telonas pelo próprio autor, a Lionsgate e outras produtoras apostaram suas fichas em Stephen Chbosky, autor e diretor de As Vantagens de Ser Invisível.

Logo, com um diretor/roteirista já bem-iniciado, uma história de sucesso e um elenco estelar contando com nomes fortes como Jacob Tremblay, Julia Roberts e Owen Wilson teria como Extraodinário dar errado? Funcionalmente falando, não. É bem provável que você fique todo emocionado com a simpática história de Auggie, mas é inegável que o longa tem severos problemas. E o principal deles é justamente esse: isso não é um filme, mas sim um livro filmado – e há grandes diferenças entre essas coisas.

Tiros para todos os lados

É exatamente o que acontece com o roteiro de Extraordinário, adaptado também por Chbosky, Jack Thorne e Steve Conrad. Para quem desconhece, o longa traz a história do pequeno August, Auggie para os íntimos, um garoto com uma grave deformidade facial que, por medo de reações agressivas, nunca foi para a escola comum.  Porém, com o início do Fundamental II, a família e Auggie decidem que é chegada a hora do garoto superar seus medos e enfrentar a realidade que reservará muitas surpresas em uma jornada de lágrimas e risos.

E para situar o expectador nisso tudo, temos o recurso mais básico para um roteiro preguiçoso e nada imaginativo como o deste filme: narração. Extraordinário tem chances de ser o filme com mais exposição porca transmitida para o espectador através de narração over que eu já tenha visto em toda a minha vida. O motivo é muito simples: a narração nunca traz nada relevante do que já podemos enxergar e compreender somente através da imagem.

Ou seja, o filme fica se auto explicando a todo o momento. Não uma, nem duas, mas sim cinco vezes temos interrupções com narradores intrusivos que constantemente quebram qualquer sentimento que o filme tenta passar. São diversas escolhas ruins que tentam sabotar a história do filme. Além do roteiro explicar o filme a todo instante, os conflitos e motivações que evoluem os personagens são apresentados através de narração – de quatro personagens distintos.

Como nunca tinha lido Extraordinário, tive a enorme surpresa desagradável em encontrar uma narrativa com múltiplos protagonistas. Não somente Auggie traz suas confidências para o público, mas também de sua irmã, Via, uma adolescente carente de atenção materna, de Jack Will, o primeiro melhor amigo da vida de Auggie, e também de Miranda, a ex-melhor amiga de Via.

Auggie e Jack Will realmente são os personagens mais interessantes, por se tratarem de crianças e dou créditos pelos roteiristas conseguirem adequar todas as falas, brigas e situações totalmente condizentes ao que crianças de dez anos passam em sua vida escolar. Porém, quando subitamente a narrativa é interrompida – até mesmo telas pretas surgem para avisar “sutilmente” da mudança de ponto de vista, recebemos conflitos tão clichês sobre adolescência que é difícil simpatizar com as personagens.

Fico pensando na ideia sempre “brilhante” quando algum produtor decide adaptar um livro: que tal se nós pegássemos essa história e a adaptacemos quase que integralmente do mesmo modo que já está no livro? Genial, não? Mas é evidente que se tratam de mídias diferentes e que isso acaba prejudicando gravemente esse filme.

O núcleo do filme é Auggie e as provações diárias que ele passa na escola e as reações da família diante de ações cruéis de algumas crianças – aliás, é inteligente usar o que Auggie mais gosta e admira para infernizar sua vida escolar. Porém, os roteiristas não quiseram mesmo trilhar o caminho correto e complementar o drama de Auggie com passagens mais originais. Logo, é muito mais fácil deixar a história como ela é e prejudicar o filme inteiro ao apostar em diversos personagens que mal conseguem tempo para serem desenvolvidos de modo apropriado como Jack Will, Miranda e até mesmo Via que passa por um processo de amadurecimento contraditório ao que a narração estabelece – não há pistas de que se trata de um desses filmes com narradores nada confiáveis já que é uma obra toda açucarada.

No mais, os defeitos escancarados da obra são esses, além de coisas típicas de filmes pretensiosos como perda no ritmo, além de cenas pós-clímax que repetem conflitos muito resolvidos e compreendidos nos minutos anteriores – existe também uma apelação surreal com o cachorro da família. Porém, no lado positivo da balança, há elementos o suficiente para justificar uma ida ao cinema.

O protagonista realmente é bem trabalhado dentro das possibilidades que o texto oferece, além de Jacob Tremblay ter um carisma contagiante mesmo sob muita maquiagem. O drama entre a existência do protagonista e os sacríficios que sua mãe teve de fazer também são bem situados, apesar de super clichês. O pai, funcionando meramente como alívio cômico, também cumpre bem a sua função com cenas doces que tornam toda a relação familiar dos Pullman muito genuína.

O mesmo acontece com todo o elenco infantil. Os amigos de Auggie conseguem transmitir todas as emoções que envolvem as óbvias reviravoltas que o garoto passa na jornada. Porém, o elo fraco da obra são os “antagonistas”, os bullies que ficam zoando a cara de Auggie diariamente. Como geralmente nunca há algum agravante nisso, o peso das ações cruéis dos garotos ruins só é sentido através da mágoa apresentada pela atuação de Tremblay. Se não fosse isso, seria muito fácil ficar indiferente a todas as maldades que os garotos fazem pela fraqueza tanto do texto quanto das atuações indiferentes – não tem como acreditar que os bullies odeiam o garoto, tudo é desinteressado demais para isso.

As Desvantagens de Ser invisível

Stephen Chbosky começou com o pé na porta em sua carreira como diretor de cinema. Sem antes nunca ter dirigido um filme, decidiu ele mesmo adaptar o livro de sucesso coming of age sobre depressão, As Vantagens de ser Invisível. Embora o filme seja mais lembrado pelo texto do que pelas imagens, é inegável que Chbosky estava dedicado em trazer uma identidade para o filme – mesmo seguindo à risca a cartilha de linguagem indie hipster que estava em moda na época.

Entretanto, nem sempre um raio cai duas vezes no mesmo lugar. Depois de cinco anos sem dirigir nada, Chbosky volta ao comando – e o hiato certamente não ajudou em nada. Enquanto toda a linguagem seja correta, é perceptível certa preguiça do diretor em usar mais sua criatividade para atingir os efeitos desejados: o choro da plateia.

Os recursos mais banais e fáceis estão aqui: música melodramática ao extremo, slow motions em momentos felizes ou dramáticos, lágrimas e lágrimas do elenco competente, imagens totalmente manufaturadas para gerar empatia, etc. Nada fora da cartilha. Para muitos, é óbvio que será eficiente, te emocionando, mas para quem já viu tantos e tantos melodramas antes, o efeito te tira do longa por ser muito artificial.

Chbosky não consegue aproveitar a mudança de pontos de vista de modo criativo, apenas tratando Auggie com um pouco mais de atenção com os delírios visuais do garoto, projetando seus sonhos na realidade, além de um enquadramento funcional que “joga” o menino para o espaço – Auggie esconde seu rosto com um capacete de astronauta e sonha em ir à lua um dia.

De resto, o diretor não confere mais identidade para a obra, tornando-a totalmente superficial em nível de imagem. É por isso que eu digo que se trata de um livro filmado. Quase nada por si é realmente cinematográfico em Extraordinário. E a arte do cinema é justamente mostrar em vez de contar, valorizando o poder visual da arte. Chbosky sabia disso em seu filme anterior, mas aqui a narração é tão invasiva que torna toda a encenação redundante, assim como enquadramentos mais elaborados – um caso raro aqui.

No fim, é exatamente isso o que acontece. Por uma ironia do destino, Chbosky faz um trabalho correto, mas tão pré-programado que se torna invisível.

Extraordinariamente inofensivo

Apesar de não ser cinematográfico ou particularmente interessante como tinha muito potencial para ser, Extraordinário é uma obra inofensiva. A história é guiada com mão tão pesada que é impossível não sacar sua mensagem de primeira, já que também é passada através de narração over. Mas, apesar de todas essas arestas rudes em um filme de história doce, a moral do longa é necessária e bonita para ser transmitida para pais e crianças.

Só não espere que lembrará de Extraordinário como uma experiência extraordinária. É um drama que está fadado a ser mencionado tão ordinariamente quanto as metáforas para nos colocarmos no lugar dos outros.

Extraordinário (Wonder, EUA, Hong Kong – 2017)

Direção: Stephen Chbosky
Roteiro: Stephen Chbosky, Steve Conrad, Jack Thorne, R.J. Palacio
Elenco: Jacob Tremblay, Owen Wilson, Julia Roberts, Izabela Vidovic, Noah Jupe, Bryce Gheisar, Elle McKinnon, Mandy Pantikin
Gênero: Drama
Duração: 113 min

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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