É possível perceber, em Following, algumas das características que se tornariam recorrentes na filmografia de Christopher Nolan: se concentrando em personagens que enfrentam situações tremendamente complexas e que se tornam cada vez mais surpreendentes conforme a narrativa progride, esta obra é comandada por um diretor que sabe aonde pretende chegar e que consegue estabelecer uma atmosfera tensa, imersiva e que leva o espectador a mergulhar na realidade de um protagonista intrigante. É, portanto, um retrato da voracidade de Nolan enquanto realizador, ainda mais quando consideramos que ele estava apenas estreando e começando uma jornada incrivelmente espirituosa.
Modestamente produzido dentro dos limites de um orçamento de míseros US$ 6 mil, Following gira entorno basicamente de três personagens e se passa em cenários que, além de pequenos, são poucos. O roteiro, escrito pelo próprio Nolan, gira entorno de um jovem escritor anônimo e fracassado que passa a observar e seguir pessoas escolhidas aleatoriamente no meio da rua. Ao manter essa rotina, porém, o sujeito é confrontado por Cobb, um ladrão que decide convidar o protagonista para acompanhá-lo em suas constantes invasões domiciliares. A partir daí, o escritor é inspirado progressivamente por Cobb e passa a emular alguns traços de sua personalidade, chegando a se identificar como Daniel Lloyd em função disso – as consequências disso, entretanto, levarão o follower a uma série de dúvidas e surpresas nada agradáveis.
Assim, é fácil constatar que o roteiro de Nolan é hábil ao desenvolver um protagonista curioso ao mesmo tempo em que o posiciona no centro de uma situação insana. O suspense dessa desventura é construído com cautela e sofisticação: após um primeiro ato hábil ao introduzir a realidade estranha de um indivíduo que não sabe para onde ir, o filme é inteligente ao dar continuidade a este drama estabelecendo uma conexão direta entre a personalidade vazia do sujeito e seus impulsos criativos. Em suma, o protagonista de Following é um homem terrivelmente disperso que é movido pelo desejo de encontrar uma razão para viver, se prendendo em personalidades que vêm e vão antes de ser massacrado pela única identidade que, aparentemente, foi capaz que conferir um foco à vida do protagonista.
Mas os méritos de Nolan não se limitam ao ótimo roteiro (que, diga-se de passagem, utiliza recursos como a ironia dramática e os plot-twists com competência, movendo a trama em vez de interrompê-la para atirar floreios narrativos gratuitos), já que o cineasta também se encarrega de dirigir a fotografia da obra – e, nisto, o realizador merece aplausos: concebido essencialmente em preto e branco, Following é fotografado de uma maneira que não só enriquece a própria mentalidade do protagonista (que vive em busca de… “cores”) como ainda cria imagens belíssimas através do contraste onipresente e estudado entre preto, cinza e branco (e uma das minhas sequências favoritas é aquela, entre o segundo e o terceiro ato, onde um personagem luta contra outro que está com o rosto escondido pelas sombras).
O mesmo brilhantismo pode ser observado nas outras áreas técnicas da obra: montado por Gareth Heal e pelo próprio Nolan, Following honra o conceito de montagem paralela (um aspecto que, novamente, se transformaria numa das marcas registradas do cineasta em seus projetos seguintes) ao oferecer vislumbres do que virá a acontecer no decorrer da projeção, atingindo o ápice da eficácia na última cena do filme ao “passear” entre dois diálogos que ocorrem em tempos e lugares diferentes, mas que são fundamentais ao complementarem uns ao outros. Por sua vez, o design de produção é elaborado por Tristan Martin de maneira meticulosa e eficiente, destacando-se especialmente ao ilustrar o desconforto e o espírito fracassado do protagonista ao trazê-lo morando num apartamento minúsculo e que exibe uma máquina de datilografar antiga em meio a uma mesa bagunçada (sem contar, é claro, a parede dominada por cartazes de Crepúsculo dos Deuses, Casablanca, Cães de Aluguel, O Iluminado e uma foto de Marilyn Monroe).
Já a trilha sonora – composta por David Julyan – se mostra eficaz ao potencializar o clima de estranheza que caracteriza a narrativa, ao passo que o design de som é eficiente ao colaborar para que a tensão seja atenuada em determinados momentos (algo que fica claro logo numa das primeiras conversas entre Young Man e Cobb, quando o segundo arrasta uma colher numa xícara de café criando um ruído angustiante). Por outro lado, quando o filme se aproxima de sua conclusão, o baixo orçamento da produção começa a gerar alguns problemas, algo que fica nítido quando dois personagens brigam no terraço de um prédio e desferem socos, pontapés e tijoladas claramente ensaiadas (esta cena, inclusive, indica que Nolan sempre teve dificuldades ao dirigir sequências de ação, já que o planejamento da mise-en-scène não é dos mais cuidadosos e compromete o entendimento do que ocorre em tela).
Durando ligeiros 70 minutos, Following é pontualmente prejudicado pelo ritmo que Christopher Nolan encontra ao contar sua história, sendo então um alívio que a projeção seja curta o suficiente para finalizar antes que se torne entediante ou cansativa. É neste projeto pequeno que Nolan inicia uma carreira que viria a ser admiravelmente grandiosa, demonstrando na medida do possível que, desde o princípio, ele já era um diretor fora do comum e que tinha muito que apresentar nos anos posteriores.
Following (Idem, Reino Unido – 1998)
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Jeremy Theobald, Alex Haw, Lucy Russell e John Nolan
Gênero: Suspense
Duração: 70 min