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Crítica | Fuller House – 3ª Temporada: Parte 1

Full House (ou como foi chamada no Brasil, Três É Demais) tornou-se uma sitcom de grande sucesso entre as décadas de 1980 e 1990, levando para casa alguns prêmios e lançando no mercado nomes que hoje são bem conhecidos – como por exemplo as gêmeas Mary-Kate e Ashley Olsen. Desse modo, o anúncio de que a maior parte do elenco original retornaria para um revival nem um pouco premeditado e que continuaria um legado de mais de trinta anos nas telinhas chamou a atenção de muita gente, incluindo as novas gerações, apaixonadas por séries de comédia, e fãs do seriado original – que definitivamente se tornaram os primeiros a correrem para a Netflix e sentirem um gostinho de nostalgia fantástico.

Já em seu terceiro ano, Fuller House não teve suas iterações anteriores recebidas de forma agradável pela crítica, principalmente por se apoiar muito nesse resgate narrativo e atmosférico em detrimento de uma construção realmente satisfatória e com um propósito. Felizmente, a nova temporada da série parece, ainda que em passos lentos, caminhar para um acerto tonal e que agrade até mesmo os mais céticos – ainda que haja alguns tropeços na primeira metade.

Depois de atravessar o ano letivo e passar pelas comemorações de fim ano, a família Fuller-Tanner-Gibbler finalmente encontra uma paz com a chegada das férias de verão. O primeiro capítulo, intitulado Best Summer Ever, parece ter sido extraído propositalmente de um rip-off de High School Musical 2, trazendo os personagens principais em um prólogo musical um tanto quanto assustador à prima vista, mas que se torna fofo e pelo menos assistível. A sequência na verdade parte dos sonhos do pequeno Max (Elias Harger), cuja personalidade culta dá margem para um relaxamento quase utópico, dentro do qual sua família está em perfeita harmonia e todos se divertem. E levando em consideração que ele é filho do meio da protagonista Donna Jo (a.k.a. DJ), interpretada pela veterana Candace Cameron Bure, a coisa fica um pouco mais cômica, visto que esse é um desejo que não vai se realizar.

A casa está cheia novamente, e parece que as relações um tanto quanto duvidosas dos anos anteriores foram reformuladas, endossadas e trabalhadas ao extremo. Agora, DJ e Stephanie (Jodie Sweetin) conseguiram resgatar os laços fraternais que carregaram na série original, transportando uma maturidade imprescindível para a conexão entre as personagens e o público às telinhas – e isso também emerge graças à reformulação estética do criador Jeff Franklin. Afinal, o padrão televisivo para as sitcoms fornecia uma estrutura imagética quase errada para a série, que tentava ser algo além de seu potencial; após perceber que Fuller House é, na verdade, bem semelhante a outras do gênero, o retorno para as origens foi uma jogada certeira, e os diretores por trás dos episódios resolveram basear-se no jogo de campo e contracampo como montagem, com leves inclinações para o diálogo entre planos gerais, médios e alguns raros close-ups.

O ponto alto da temporada é sem sombra de dúvida as tiradas cômicas, os punch lines e o desenvolvimento das subtramas entre os personagens. Diferentemente dos anos anteriores, os quais se preocuparam muito em criar uma explicação autossuficiente e nada sutil sobre o que aconteceu nesses últimos trinta anos, a série retornou com diálogos mais limpos e mais sarcásticos que adicionaram momentos de puro prazer, tanto para os atores e atrizes quanto para o público em si. DJ, Stephanie e Kimmy (Andrea Barber) mais uma vez roubam a cena em diversos momentos como o “trio lupino” e seus bordões e personalidades contraditórias. De uma forma bem mais agradável e com uma competência chocante, por falta de outro adjetivo, o modo metódico da personagem de Bure entra em constante choque com os outros dois extremos de sua casa: Sweetin é a encarnação da rebeldia e da “vida mansa”, enquanto Kimmy mostra-se criativa, avoada e pueril.

Não posso dizer que o show tem uma grande complexidade, ainda mais porque este não é o foco. Diferente de outras comédias e dramédias da televisão contemporânea – como Master of None, Orange is the New Black e até mesmo BoJack Horseman -, a preocupação não reside na arquitetura de irônicas políticas ou sociais que permitam a quem assista refletir sobre ações e consequências; partindo da premissa da iteração original, Fuller House tem como único objetivo o entretenimento barato e agradável aos olhos, transportando-nos para uma perspectiva não muito original sobre o subúrbio de São Francisco, entrando como uma mimésis para as inúmeras outras séries que seguem o mesmo padrão narrativo.

Entretanto, é preciso fazer uma menção à entrada de Landry Bender como a nova colega de estudos de Jackson (Michael Campion), Rocki. Filha de Gia (Marla Sokoloff), antiga “amiga” de DJ, a personagem é um estereótipo escolar visto em diversas obras cinematográficas e seriadas ambientadas num colégio, mas passa por uma transformação interessante de ser acompanhada ao conviver com a família Fuller e ser contagiada por sua constante alegria – uma “alegoria”, se é que podemos chamar assim, de como nós nos sentimos ao assistir aos novos episódios e acompanhar, sem quaisquer pretensões, uma série que pode ser caracterizada como fofa.

Apesar de sua superficialidade, os capítulos não são totalmente pautados no vazio narrativo. Em alguns poucos momentos, temos diálogos que merecem ser acompanhados e que dissertam, ainda que brevemente, sobre a passagem da infância para a adolescência, sobre o relacionamento conturbado entre pais e filhos e sobre a superação de obstáculos que antes pareciam intransponíveis – e aqui gostaria de fazer uma menção ao arco narrativo que fez parte da jornada de Ramona (Soni Bringas), que não apenas teve sua primeira desilusão amorosa, mas também foi a que entrou em um mundo completamente diferente do qual estava acostumado ao deixar-se levar pela própria vontade de crescer e se aproximar dos frágeis laços entre os pais separados.

Entre trancos e barrancos, a primeira parte da nova temporada de Fuller House finalmente abraça sua nostalgia de forma a não ser totalmente dependente dela, criando mais ramificações para seus personagens e entregando o que promete sem cair em pretensões criativas: episódios fofos, consistentes e que deixam um certo gostinho de quero mais – que pode ser muito bem saciado com outras séries medianas do gêneor.

Fuller House – 3ª Temporada: Parte 1 (Idem, 2017 – EUA)

Criado por: Jeff Franklin
Direção: Rich Correll, Jean Sagal, Jody Margolin Hahn
Roteiro: Jeff Franklin, Boyd Hale, Kellie Griffin, Maria A. Brown, Jerry Collins, Kate Spurgeon, Alisha Ketry, Bryan Behar
Elenco: Candace Cameron Bure, Jodie Sweetin, Andrea Barber, Michael Campion, Elias Harger, Soni Bringas, Dashiell Messitt, Fox Messitt, Juan Pablo di Pace, John Brotherton
Emissora: Netflix
Gênero: Comédia
Duração: 27 minutos

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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