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Crítica | Gabriel e a Montanha – Uma escalada mal guiada

*Este filme foi visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Não se engane pela tendência dialógica que o título do filme pode inspirar. Se há em Gabriel e a Montanha alguma troca, só é a de uma sequência para outra, de um capítulo para outro e que, nessas transições, não consegue outra perspectiva senão a da reverência travestida de dúvida.

Fellipe Barbosa, de Casa Grande, neste seu segunda longa de ficção, não esconde a homenagem ao amigo, Gabriel Buchmann, logo no início do filme. O destino fatal do protagonista, interpretado por João Pedro Zappa, é revelado em uma longa primeira sequência que, por si só, gera uma iminência que se dilui ao longo do filme. Estruturalmente, temos um extenso flashback, dividido em quatro capítulos, acompanhando as incursões de Gabriel pelo continente africano em uma viagem não-turística.

Isto é, Bucchmann não está apenas visitando os lugares mais famosos, como também buscando criar laços com os locais, pedindo por comida e por abrigo, muitas vezes, em vez de se hospedar em hotéis e comer em restaurantes. Gastando pouquíssimos dólares por dia, Gabriel também consegue destinar parte de sua renda para os necessitados – ou guardando para as atividades que terá de pagar.

Encenadas ou narradas (em formato de carta para a família no Brasil) as características dessa viagem diferente, o filme se estica por duas horas e vinte, com algumas poucas inflexões narrativas que, no entanto, não parecem estar realmente engajadas em suas propostas. Ao tratar do Gabriel bom samaritano e depois bruscamente expor um diálogo sobre políticas públicas brasileiras, atesta-se uma artificialidade que o filme tentaria evitar. Nessa jornada pelo exótico, tudo permanece em paz e os momentos de humor distinto são relegadas ao detalhe, como um adjetivo insignificante. A fotografia empalidece as imagens, por si só fracas, e os diálogos mecanizados fazem da experiência um caminho que, sem ida, também não tem volta.

A montanha – essa metáfora da jornada da personagem, do desapego material para uma suposta elevação, de autoconhecimento e de mudança – é o motivo mais simplório. Nessa jornada zen, com uma linguagem millennial, só aparece o que há, ironicamente, de mais convencional nessa transformação. Barbosa parece não se preocupar com o “baseado em fatos reais” ao produzir um personagem tão estanque. Sem esquecer que, entre as situações, ouvimos curtos depoimentos de pessoas que conheceram Gabriel na viagem.

Com contradições a rodo, um drama artificioso e sem força, Gabriel e a Montanha pinta no cinema brasileiro senão para atestar “o equívoco do HD” que Inácio Araújo – particularmente, de maneira injusta – denunciou em seu texto sobre Martírio, de Vincent Carelli. Aqui, sim, as imagens parecem se empilhar numa montanha, e Gabriel no topo, com suas verdadeiras e dolorosas fotografias finais, espontâneas, em um momento de encontro com o Eu, esvaziado por um cinema de poses.

Gabriel e a Montanha (idem, Brasil e França – 2017)

Direção: Fellipe Barbosa
Roteiro: Fellipe Barbosa, Kirill Mikhanovsky e Lucas Paraizo
Elenco: João Pedro Zappa, Caroline Abras, Alex Alembe, Rashidi Athuman, John Goodluck, Luke Mpata, Manuela Picq, Rhosinah Sekeleti e Leonard Siampala
Gênero: Drama
Duração: 131 min

https://www.youtube.com/watch?v=w9cw1Ntrhqg

Redação Bastidores

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