em ,

Crítica | Game of Thrones – 3ª Temporada

Todos os conhecedores e admiradores da obra de George R.R. Martin estavam empolgadíssimos para isso. A terceira temporada de Game of Thrones adaptaria a primeira metade do terceiro livro da saga, A Tormenta das Espadas, e isso significa dar vida a alguns dos melhores momentos já concebidos por Martin, e também levar o seriado da HBO a cantos ainda mais obscuros e grandiosos. Com isso, em 2013 vimos David Benioff e D.B. Weiss entregarem uma temporada ainda melhor e mais impactante do que a anterior

A trama começa após a assustadora aparição dos White Walkers além da Muralha, com Sam Tarly (John Bradley) e alguns dos Patrulheiros da Noite mal sobrevivendo a um ataque de mortos vivos em plena nevasca. Enquanto isso, Jon Snow (Kit Harington) segue como infiltrado no grupo dos Selvagens, acompanhado pela bela Ygritte (Rose Leslie) enquanto ela o leva para conhecer o Rei Além da Muralha, Mance Rayder (Ciáran Hinds), que reúne um gigantesco exército formado por homens, mulheres, criaturas e gigantes para atacar a Muralha e recuperar seu direito sobre o Norte. E por falar nele, acompanhamos a fuga de Bran (Isaac Hempstead-Wright), Rickon (Art Parkinson), Hodor (Kristian Nairn) e Osha (Natalia Tena) pelas perigosas florestas da região, à medida em que Bran vai explorando sua recém-descoberta habilidade como warg e encontra os irmãos Jojen e Meera Reed (Thomas Brodie-Sangster Ellie Kendrick). Por fim, temos a campanha de Robb Stark (Richard Madden) para destronar Joffrey (Jack Gleeson) e conquistar o Trono de Ferro, algo que pode ser prejudicado por seu repentino casamento com a enfermeira Talisa (Oona Chaplin).

Já em Porto Real, a situação fica complexa com Tyrion (Peter Dinklage) perdendo cada vez mais sua influência, ainda mais após sua transição de Mão do Rei para Mestre da Moeda, fazendo com que ele e sua irmã Cersei (Lena Headey) disputem cada vez mais a atenção e admiração do pai, Tywin (Charles Dance), agora atuando como o novo Mão e dedicando todo o seu tempo ao governo e no preparo do casamento de Joffrey Baratheon; que unirá a casa Lannister com a dos Tyrell, na forma da bela Margaery (Natalie Dormer), que traz sua influente avó Olenna (Diana Rigg) como conselheira e mentora durante sua estadia, além de aproximar-se de Sansa Stark (Sophie Turner) a fim de descobrir a real natureza do jovem Rei.

E, claro, temos Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) enfim avançando com seus seguidores e dragões cada vez maiores para conseguir um exército, algo que ela encontra na forma dos Imaculados. Paralelamente a isso, Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) segue com sua promessa à Catelyn Stark (Michelle Fairley) de levar o prisioneiro Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) de volta para os Lannister a fim de negociar a libertação de Sansa (Sophie Turner) e a desaparecida Arya (Maisie Williams).

Trabalhando a partir de uma premissa cativante, Weiss e Benioff começam a desenvolver aqui uma das coisas mais difíceis que alguém envolvido em dramaturgia é capaz de fazer: mudar a percepção do público diante de certos personagens. No ano 3 da série, personagens que gostávamos tornam-se difíceis de defender, enquanto outros que começaram como seres absolutamente repugnantes vão ganhando um lugar especial em nossos corações.

O grande exemplo dessa guinada radical acontece com Jaime Lannister. Em um estado completamente deplorável se compararmos com sua postura nobre e sofisticada da primeira temporada, o cavaleiro surge aqui com o cabelo ensebado e a face barbuda sempre suja de terra ou lama; mas nenhuma dessas irregularidades mantém sua sagacidade apagada, visto que o personagem está constantemente provocando sua captora, Brienne. Quando Jaime brutalmente tem sua mão direita decepada por um grupo de mercenários, vemos a habilidade de George R.R. Martin em “matar seus personagens mas mantê-los vivos”, já que essa mutilação retira de Jaime a sua maior força: o combate.

Perdido de sua maior habilidade, é como se Jaime renascesse a partir daí, e a performance de Waldau em demonstrar a profunda infelicidade e raiva do sujeito ao absorver tudo isso é fascinante. Jaime passa a tornar-se uma pessoa melhor, mais altruísta e leal depois de tudo isso, tal como vemos na incrível sequência do episódio The Bear and the Maiden Fair, onde – depois de ser salvo por mensageiros de seu pai – ele retorna para seus captores a fim de resgatar Brienne, jogada numa arena para combater um urso com nada mais do que uma espadinha de madeira. E confesso que ver essa ação tão nobre de um personagem outrora tão ríspido foi mais impressionante do que o fato de ver um urso de verdade sendo usado em uma cena tão perigosa.

Trono Manchado de Sangue

No outro viés, vemos como Robb Stark vai cada vez mais tomando decisões erradas. Um personagem que entrara numa guerra ousada por um motivo cego acaba cada vez mais cegado por suas próprias ambições pessoais, e também pelo romance apaixonado pela bela Talisa – é até compreensível, ainda mais considerando que no livro os personagens são muito, muito mais jovens. Todo esse comportamento praticamente prevê o trágico destino de Robb, algo que Martin oferece como uma cruel reação na obra original, e que Weiss e Benioff trazem com todo o peso necessário naquela que provavelmente é a cena mais lembrada pelos fãs das Crônicas de Fogo e Gelo: o Casamento Vermelho.

Mantendo a tradição de o nono episódio ser o mais marcante da temporada, The Rains of Castamere trouxe os últimos momentos de Robb Stark da forma mais trágica possível. Selando uma aliança com a casa de Walder Frey (David Bradley) através do casamento de um de seus tios maternos com uma das filhas do patriarca, o sujeito arma uma armadilha terrível ao formar uma aliança com os Lannisters, levando a uma massacre sangrento de todos os aliados de Stark na cerimônia. David Nutter retrata essa matança com uma atmosfera opressora e tons quentíssimos de cor, chocando pela violência ao trazer um soldado esfaqueando a barriga de Talisa ou pelo grito horrorizado de Michelle Farley ao ver a morte de seu filho diante de seus próprios olhos. Vale mencionar também como não tivemos nenhuma música ou som durante os créditos finais, sendo esse silêncio uma forma de exacerbar ainda mais o horror visto ali.

Por falar em horror, a terceira temporada de Game of Thrones traz mais um exemplar de imagens pesadas, mas dessa vez falhando miseravelmente. Em uma espécie de Jogos Mortais de Westeros, acompanhamos o traidor Theon Greyjoy (Alfie Allen) sendo mantido prisioneiro do cruel Ramsay Snow (Iwan Rheon), que lhe oferece algumas das piores e mais impiedosas torturas dos Sete Reinos, como punição por sua tentativa de dominar Westeros. Claramente, trata-se de um personagem que desprezamos em virtude de suas ações traiçoeiras na temporada anterior, mas acompanhar um núcleo inteiro dedicado apenas à tortura física e psicológica do personagem é um puro show de exibicionismo. É violência apenas para chocar, e temos até uma reviravolta inútil ;onde Theon tem a possibilidade de fuga, apenas para ser revelada como um “jogo dentro de um jogo” de Ramsay.

Prazeres Violentos

Voltando à Porto Real e ao melhor personagem da série, Tyrion Lannister, as coisas realmente não são tão fascinantes quanto o jogo político do sábio anão na segunda temporada, mas temos nossa parcela de momentos memoráveis. A começar pela antológica cena no qual temos uma reunião do conselho com Tywin, onde o jovem Lannister faz questão de arrastar de forma mais barulhenta possível uma cadeira para que possa sentar de frente para seu pai e sua irmã, Cersei – um perfeito exemplo de uma cena excepcionalmente bem dirigida, sendo movida pelo som e a montagem concentrada nas reações de todos presentes à mesa.

É também quando temos uma amostra mais poderosa e imponente do Tywin de Charles Dance, que rigidamente procura uma forma de colocar sua Casa em ordem, arranjando para que Cersei case-se com Loras Tyrell (Finn Jones) e Tyrion acabe herdando o casamento com Sansa que Joffrey deixara para trás; um ótimo momento que ainda termina com os dois irmãos à mesa sendo “castigados” por uma escultura do leão da família Lannister, quase como se os observasse em vergonha.

As coisas ficam piores para Tyrion (mas melhores para a carga dramática) quando ele é forçado a casar-se com Sansa, rendendo uma das melhores performances de Dinklage quando ele usa do álcool para suportar a festa de casamento. Embriagado, ele inconscientemente desafia Joffrey e testa sua paciência, assim como a de seu pai e irmã, e ainda toma a decisão correta ao não fazer nada com Sansa em sua noite de núpcias. Pois além do senso moral de Tyrion, ele também mantém um romance secreto com a prostituta Shae (Sibel Kekilli), o que rende alguns momentos belos e dolorosos para nosso querido Lannister.

E por falar em romances inusitados, vamos até Além da Muralha para voltar a acompanhar a perigosa missão de Jon Snow. Toda a dinâmica de antagonismo entre o bastardo Stark e a selvagem Ygritte vai sutilmente evoluindo para um dos mais sinceros e divertidos romances da série, pegando aquele velho arquétipo do soldado infiltrado que acaba encantando-se por uma integrante do povo que ele deveria destruir. Felizmente, tanto Martin quanto os showrunners conseguem fugir dos clichês, oferecendo a Snow um romance que jamais ilude a ele ou ao espectador com a ideia de um final feliz.

Ainda nesse núcleo de Jon infiltrado nos Selvagens, aprendemos mais sobre a figura fascinante de Mance Rayder, com Ciáran Hinds dando-lhe o retrato apropriado de um homem que acredita ser um profeta, unindo diferentes facções e povos selvagens sob sua liderança. Em uma jornada para invadir a Muralha e levar suas forças para os Sete Reinos, acompanhamos a longa caminhada dos exércitos de Mance pelas paisagens geladas e belíssimas da Islândia. Um dos grandes destaques fica para o episódio 6, The Climb, acertadamente entitulado em nome da escalada que Jon, Ygritte e os demais fazem por uma gigantesca parede de gelo, rendendo um beijo entre o casal que abraça toda a beleza e epicidade da velha Hollywood ao trazê-los sob a beira do penhasco em um plano abertíssimo com um belo nascer do sol ao fundo. É como dizem: o brega que é bom.

Dracarys!

Prejudicada pelo núcleo mais monótono da temporada anterior, finalmente vemos aqui Daenerys Targaryen realizando ações mais interessantes. Firmando-a novamente como uma das personagens mais fortes da série, temos aqui sequências memoráveis da Filha da Tormenta usando – literalmente – seu poder de fogo para alcançar seus objetivos, como na ótima cena em que ela negocia com o proprietário do exército dos Imaculados. A partir daí, os showrunners inserem mais núcleos com a jovem aprendendo a arte da negociação, dando-lhe figuras importantíssimas na forma da conselheira Missandei (Nathalie Emmanuel), do general Verme Cinzento (Jacob Anderson) e de seu potencial interesse romântico/sexual, Daario Naharis (o péssimo Ed Skrein, que felizmente seria substituído na temporada seguinte).

Mantém-se nessa mesma linha até o fim da temporada, o que oferece à Dany algumas habilidades como estrategista de guerra – especialmente durante a tomada de uma cidade com a ajuda do grupo Segundos Filhos -, ainda que não seja exatamente uma grande progressão narrativa. Porém, a conclusão de seu arco, e também da temporada, com a cena em que Daenerys liberta uma cidade de escravos e é ovacionada por todos eles em uma roda de braços esticados e gritos da palvra “Mhysa”, é uma das mais belas e poderosas do seriado; sendo também um primor para o compositor Ramin Djawadi e sua linda trilha para o momento.

No geral, foi mais um ótimo ano para Game of Thrones. David Benioff e D.B. Weiss lideraram uma equipe de diretores e roteiristas excepcionais, lidando com maestria com algumas das maiores criações de George R. R. Martin, além de continuar mantendo a escala épica e cinematográfica para uma série de TV, e o mais importante: nos apresentando cada vez mais a diferentes facetas de seus maravilhosos personagens.

Game of Thrones – 3ª Temporada (Idem, EUA – 2013)

Criado por: David Benioff, D.B. Weiss
Direção: David Minahan, David Benioff, David Nutter, Alik Sakharov, Michelle McLaren, Alex Graves
Roteiro: David Benioff, D.B. Weiss, George R.R. Martin, Bryan Cogman, Vanessa Taylor
Elenco: Peter Dinklage, Emilia Clarke, Kit Harington, Sophie Turner, Nikolaj Coster-Waldau, Richard Madden, Maisie Williams, Charles Dance, Stephan Dillane, Carice van Houten, Lena Headey, Finn Jones, Gwendoline Christie, Natalie Dormer, Michelle Fairley, Rose Leslie, Nathalie Emmanuel, Liam Cunningham, Alfie Allen, Isaac Hempstead-Wright, Alfie Allen, Jacob Anderson, Iwan Rheon, Ciáran Hinds, Ed Skrein, Thomas Brodie-Sangster, Ellie Kendrick
Emissora: HBO
Gênero: Ação, Fantasia, Drama
Duração: 60 min

Leia mais sobre Game of Thrones

Avatar

Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica | Spider-Man 2: The Game

Crítica | Game of Thrones – 1ª Temporada