Se lembram do tempo onde o grande público realmente se importava e se interessava em ir assistir os grandes filmes épicos antigos e medievais de quase ou mais de três horas de duração? Retratações de caríssimas produções sobre os impérios da antiguidade e histórias religiosas com alguns nomes famosos que vão desde Ben-Hur de William Wyler a Os Dez Mandamentos de Cecil B. DeMille ou dos primórdios do cinema como Intolerância de D. W. Griffith, entre outros.
Desses tempos, recebemos tantos filmes do gênero que quase sempre eram uma grande atração de público e crítica (o blockbuster da era clássica talvez). Mas como nada dura para sempre e gêneros quase sempre se desgastam com o tempo, o cinema dos filmes épicos parecia ser apenas uma mera relíquia do passado e longe do interesse público contemporâneo. Daí que vem no final da década retrasada este já famoso filme de Ridley Scott que conquistou o coração de milhões de fãs até hoje com muitos o colocando como a definitiva revitalização do gênero épico no cinema atual hoje. Porém, não foi tão fácil ou simplesmente à toa que Ridley Scott viria conseguir a revitalizar o gênero do épico aqui em Gladiador.
Leve em conta de que já na época, o diretor não ia lá muito bem nas pernas (nem vai tanto hoje), desde o seu excelente Thelma e Louise e seu subestimado 1492: A Conquista do Paraíso, ele não emplacava um bom sucesso nem de público ou crítica, e Gladiador lhe caiu como um presente dos produtores Douglas Wick e David Franzoni. Que permitiu ao diretor mostrar seu talento e habilidade em grandes produções e ainda conseguir manter sua marca de autor.
Scott é o criador de mundos como bem reconhecido, dá escala e vitalidade ao mundo de seus personagens como poucos cineastas conseguem. Em Gladiador pode não ser nem de perto a melhor recriação de Roma e seu Império, mas é tão notável o quanto ele é capaz de trabalhar tão bem a escala do mesmo. Vamos das florestas geladas germânicas cobertas de sangue da icônica batalha no início do filme, seguindo para o deserto árido e escaldante da região Oriental do Império e depois para a frígida e claustrofóbica Roma sendo engolida pelo seu desfortúnio político que a assola.
Mas encaro talvez o filme de Scott como um bem intencionado e realizado resgate dessa tão forte e complexa história do Império e que, de certa forma, a revitaliza para os tempos atuais sem nunca querer desrespeitar seu espírito classicista de sua dramaturgia. Cria-se nela a jornada desse homem justo e humanista que apenas procura sua liberdade, Maximus Decimus Meridius de Russel Crowe. Por essa perspectiva, pode ser notável que o roteiro do trio David Franzoni, John Logan e William Nicholson, constrói o personagem com leves toques semelhantes a heróis clássicos do gênero como o Spartacus de Kirk Douglas do exímio clássico de Stanley Kubrick, conhecido por ter sido talvez o último grande épico romano do cinema, mas as semelhanças param por aí.
A narrativa nunca realmente se preocupa explorar os temas de dispersão étnica na escravatura ou alegorias sócio-políticas que tanto podem ressoar ao longo do filme, mesmo mostrando ter uma notável captura histórica da época um tanto bem leais e verídicos, outro leve indício da ótima criação de mundo que Scott realiza aqui com ajuda dos traços de Franzoni no roteiro. Mas contextualizado dentro de um texto que se mostra ser bem mais focado no drama íntimo de seus personagens, assim como o filme de Mann.
Se mostra bem eficiente nisso quando notamos os diálogos tão dramatúrgicos e quase teatrais se desenrolar entre os personagens que conseguem carregar um bom nível dramático relacionável graças bem ao talentoso elenco, e uma destrutiva apatia pelo vilanesco Commodus de um ótimo Joaquim Phoenix. Mas é na jornada de Maximus rumo a se tornar um verdadeiro herói mitológico em um nível de Hércules ou Aquiles, e do próprio cinema, que o filme realmente brilha. Essa é a pomposidade épica que todos os elementos do filme colidindo buscam criar e com louvor!
Ele se torna o herói que Roma precisa e nós o espectador o exaltamos e glorificamos como se fôssemos o púbico das arenas assistindo aos épicos embates sanguinários e gloriosos entre os gladiadores. E eis aí a perfeita palavra para definir a direção de Scott em cima da história: ÉPICA.
Cada tomada, cenário e costura de ritmo que Scott cria em cima da história pode se figurar num novelão de traição, intrigas e movimentos conspiratórios nas suas cenas mais dramáticas, mas quando é para vermos Maximus em ação em tela a sensação é de estarmos realmente assistindo algo glorioso tomando forma. Com a bombástica trilha sonora de Zimmer explodindo ao fundo e Russel Crowe com um inegável enorme carisma e presença em cena matando levas de inimigos nas maneiras mais excitantes e gratificantes, com Scott sem poupar nem um pouco das doses de sangue e enquadrando o espetáculo fazendo uma ótima mistura de planos fechados nos combates corpo a corpo com os planos em aberto revelando a escala do caos da ação na arena.
É inegável o enorme sorriso e um arrepio de leve na espinha que sentimos ao final icônico confronto que retrata a batalha de Cartago com um final épico inesperado. Diretamente seguido de um épico icônico monólogo de Maximus Decimus Meridius jurando sua vingança contra o falso imperador, em toda sua glória de tragédia grega lírica tomando vida em um filme épico blockbuster.
Nada de fato perfeito ou sequer primoroso, mas o grande feito de Scott com o filme se espelha no grande carinho que as pessoas ainda tem pelo filme tantos anos depois, e que garantiu cinco Oscar naquele ano incluindo Melhor Ator e Melhor Filme. Que no final resulta aqui em Gladiador, um dos filmes com mais falhas que você possa querer apontar, mas é um inegável divertimento que Ridley Scott dirige com o esmero digno de um épico clássico e capaz de conquistar ao público até hoje. E que além disso, se importa de construir uma emocionante jornada para seu carismático protagonista. Se estou entretido, ele pergunta?
Sim, estou e muito.
Gladiador (Gladiator, EUA – 2000)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Franzoni, John Logan, William Nicholson
Elenco: Russel Crowe, Joaquim Phoenix, Connie Nielsen, Oliver Reed, Richard Harris, Djmon Hounsou, David Schofield, Tomas Arana
Gênero: Épico, Ação, Aventura, Drama
Duração: 155 minutos.