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Crítica | Gotham DPGC – Uma pérola escondida nas asas do Batman

A mitologia criada para o Batman é uma das mais complexas e completas da DC até hoje. São tantos personagens e histórias que conseguem sustentar revistas spin off mensais por até mesmo décadas – mesmo que muitas vezes as histórias sejam medíocres. Porém, houve um tempo, não muito distante, que a DC elevou o nível dessas narrativas ao apostar na ideia peculiar de Ed Brubaker e Greg Rucka: e se os policiais do Departamento de Polícia de Gotham tivesse sua própria mensal?

Os personagens que já participavam esporadicamente nas histórias do Batman teriam finalmente seu lugar principal junto aos holofotes da franquia. Por uma decisão surpreendente, a DC autorizou a empreitada dos dois autores já bastante conceituados no campo da nona arte. E foi assim que começou uma das melhores séries que o universo expandido do Batman já recebeu.

Noite Sem Fim

Se há uma série de quadrinhos protagonizando os detetives do DPGC, é evidente que temos Jim Gordon como protagonista, não? Realmente, é um pensamento que muitos leitores de primeira viagem podem ter. Até eu suspeitava que os roteiristas trilhariam esse caminho bastante óbvio. Porém, o que faz Gotham Central ser tão aclamada é justamente sua coragem.

Rucka e Brubaker não optam pelo seguro. Eles fazem cada arco narrativo com um protagonista diferente, de personagens que o leitor certamente possui pouca familiaridade. A história se passa depois de Terra de Ninguém e os eventos cataclísmicos do terremoto são relembrados por todos, assim como a animosidade entre os novos integrantes do Departamento com a figura de vigilante mascarado que o Batman adota. Logo, o conflito inicial que permeia diferentes pontos de vista dos detetives é bastante poderoso.

Ao longo de 40 ótimas edições, temos arcos variando entre 1, 2, 3 e 4 edições para concluir a trajetória de uma jornada sempre intensa e original. Isso ocorre também por conta da animosidade contra o Batman. Por um ranço de nunca terem o trabalho reconhecido, os detetives fazem questão de não solicitarem mais a ajuda do Batman – que intervém vez ou outra de toda a forma.

O primeiro arco, Na Conduta do Dever, é um dos pontapés iniciais mais interessantes que eu já tenha lido na vida, envolvendo um detetive que vê seu parceiro ser estraçalhado em pedacinhos depois do Senhor Frio o congelar. Possuído por ódio, o protagonista da história jura vingança. Aliás, isso que torna Gotham Central tão especial. Os personagens são extremamente vivos e calorosos.

Ao contrário dos vigilantes que tem personalidades um pouco mais estranhas ao cotidiano, os detetives são “gente como a gente”. Tem vidas familiares, problemas financeiros, comem, bebem, se divertem e sofrem, muito. Todos reconhecem que o departamento é corrupto, mas, com exceção de uma história, apenas acompanhamos detetives honestos que tentam trazer mais justiça a uma cidade extremamente violenta.

Observamos um pouco mais da dinâmica de trabalho, das relações entre eles e, claro, o decorrer das investigações. Cada arco poderia ser taxado como “casos da semana” com a participação de grandes vilões da galeria rica do Batman como o Coringa, mas a maioria dos casos tem antagonistas originais ou vilões menores como o Chapeleiro Louco, Doutor Alquimia e Vagalume.

Porém, é impressionante que mesmo esses vilões que dão pouco trabalho para o Batman são desafios monstruosos para os detetives do departamento. Como são investigações, a cadencia de reviravoltas que Brubaker e Rucka escrevem geralmente tem um padrão preciso de pelo menos três por edição, incluindo os poderosos cliffhangers que praticamente te obrigam a ler a próxima histórias – li as 40 edições em questão de dois dias.

Mesmo que tenhamos diversos protagonistas com personalidades bastante distintas, assim como diversas motivações diferentes, além de detalhes particulares a cada um que certamente encantam o leitor, é evidente que a personagem favorita dos roteiristas é Renee Montoya, a investigadora mais conhecida pelos leitores dentro do rol dessa HQ.

Através dela, temos uma jornada complexa através de temas complicados como a homossexualidade, preconceito, abandono familiar e até mesmo depressão e luto. São diversos arcos que temos ela como protagonista, sempre interagindo com seu colega de turno, Cris Allen, outro personagem excelente.

É por meio deles que Brubaker e Rucka conseguem trabalhar histórias importantes que reverberam por quase todas as edições como a narrativa envolvendo o nojento policial Corrigan, o mais corrupto da corporação e detestado por todos os colegas de trabalho. Há elementos pesados e bastante gráficos envolvendo arcos que ele participa.

Aliás, é bem óbvio o motivo de Gotham Central ter ido mal nas vendas, mas sempre ter chamado a atenção dos votantes do prêmio Eisner, o Oscar dos quadrinhos. Brubaker e Rucka apostam ferrenhamente nos diálogos e mesmo que eles sejam divertidos e interessantes, é inevitável que uma hora a leitura se torne um pouco enfadonha pela falta de ação ou de acontecimentos relevantes nas páginas. Isso é perceptível consideravelmente nas histórias que compreendem o Tomo 3 dos encadernados recém lançados pela Panini: Gotham DPGC: Sob Suspeita.

Porém, não considero isso como um problema verdadeiro de Gotham Central, mas ao juntar as cores e a arte de Michael Lark é fácil ficar desinteressado. Por mais que Lark seja um excelente desenhista que compreende decupagem de ação com muita facilidade, as escolhas estéticas que ele segue por todas as edições são curiosas.

É evidente que os traços grossos e as cores monocromáticas tendem a poetizar o estilo duro e amargo da vida dos detetives, porém ao pegar seis páginas de diálogos dentro da delegacia com os mesmos tons pasteis e diagramação quadrada, a leitura é comprometida assim como o entretenimento do leitor. Também é curioso com Lark quase nunca aposta em desenhos de página inteira e nunca use uma vez sequer as ilustrações de páginas duplas.

Falhas de diagramação para o peso dos acontecimentos também são comuns, pois o tamanho do quadrinho geralmente se altera para acomodar a importância dos eventos das histórias. Esses deslizes são constantes, mas, ao menos, as aparições pontuais do Batman sempre são potentes trazendo o ar realmente único do personagem para cada cenário crítico.

No Cumprimento do Dever

A coleção Gotham DPGC é uma das melhores coisas que a Panini já lançou aqui no Brasil. São 4 edições recheadas de histórias excelentes e arte, no mínimo, competente, mesmo que não agrade tanto aos olhos. Embarcar nas histórias pessoais e profissionais de personagens tão próximos da nossa realidade é uma grande dádiva corajosa oferecida pela DC que, infelizmente, durou apenas 40 edições, tanto para comportar os eventos da Crise Final quanto por respeito do Rucka aos seus parceiros de trabalho. Com Brubaker cominhando para outros projetos, Rucka sentiu que era hora de terminar a jornada exclusiva dos policiais de Gotham City. Em uma despedida dura e triste, os roteiristas entendem com perfeição a áurea sombria de Gotham: uma cidade que vigilantes e bandidos se dedicam aos seus papéis sempre em uma espessa névoa opressiva, deprimente cuja única motivação que os circunda é o trauma do luto.

Gotham Contra o Crime, Gotham DPCG (Gotham Central, EUA, 2002 a 2006)

Roteiristas: Greg Rucka, Ed Brubaker
Arte: Michael Lark
Editora: DC
Edições: 1 a 40

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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