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Crítica | A Grande Jogada – Os excessos de Aaron Sorkin

Aaron Sorkin é um dos meus roteiristas preferidos de todos os tempos. Dono de um estilo inconfundível e copiado por muitos, a verborragia intensa do ex-dramaturgo é uma característica que sempre rendeu momentos memoráveis no cinema e na TV, seja nas ótimas séries The West Wing e The Newsroom, seja nos excelentes roteiros de O Homem que Mudou o Jogo, Steve Jobs e aquele que considero sua obra-prima, e um dos melhores roteiros já escritos: A Rede Social. Com uma carreira tão seletiva, e uma abordagem tão próxima ao diálogo, é de se espantar que Sorkin agora passe também para a cadeira de direção, marcando sua estreia na função com A Grande Jogada. Infelizmente, é uma obra que não excede nenhuma das expectativas em relação às habilidades de Sorkin, ainda que renda um bom entretenimento.

A trama é baseada nas memórias de Molly Bloom (Jessica Chastain), uma jovem esquiadora que, após sofrer um acidente que a desqualifica para os Jogos Olímpicos, muda-se para Los Angeles a fim de ganhar uma nova perspectiva. Entre empregos aqui e ali, ela acaba se envolvendo com o submundo dos jogos de pôquer de alta aposta, onde celebridades, bilionários e até membros de organizações criminosas sentam-se à mesa. Vendo ali uma oportunidade de enriquecer, Molly inicia sua própria onda de jogos de pôquer, o que eventualmente acaba levando-a à problemas com a Justiça.

Acho admirável como, em cada novo projeto, Aaron Sorkin é capaz de explorar um tema radicalmente do anterior ao mesmo tempo em que mantém a raíz da história centrada em relações humanas. A criação do Facebook e o empreendedorismo do Vale do Silício são apenas um pretexto para analisar a solidão de Mark Zuckeberg, em A Rede Social, enquanto tanto Billy Beane em O Homem que Mudou o Jogo ou o fundador da Apple em Steve Jobs têm uma forte questão com os relacionamentos com suas filhas, não importando quantas análises estatísticas de beisebol ou atualizações de sistemas operacionais apareçam ao longo da narrativa. Com Molly Bloom, Sorkin usa uma estratégia muito similar, com a protagonista tendo sua parcela de daddy issues com a figura de Kevin Costner. A diferença é que pela primeira vez estamos no ponto de vista da prole, ganhando mais ares de originalidade por parte de Sorkin, que explora um pouco como Molly sempre se sentiu na obrigação de atender às exigências de seu pai; o que rende bons diálogos e um estudo de personagem interessante, mas que soa incompleto por nunca termos uma presença forte de Costner ao longo da narrativa.

Já quando aborda o submundo dos jogos de pôquer, as coisas começam a desandar. A prosa de Sorkin sempre foi rápida e intensa, mas em A Grande Jogada parece demais. Talvez por estar dirigindo seu próprio texto, o roteirista pode não ter tido a mesma influência e até algumas necessárias interferências de segundas vozes, algo que aconteceu muito quando David Fincher assumiu seu material em A Rede Social – o que culminou no ápice de ambas as carreiras. Dessa forma, o ritmo mostra-se bem desequilibrado, especialmente com a narrativa fragmentada que vai e volta em três períodos temporais (com digressões um tanto desnecessárias da adolescência de Molly), e aliado ao fato de termos inúmeros personagens e informações sendo bombardeados a todo o tempo, é fácil de perder o espectador; mesmo que e aqui e ali o roteiro nos apresente diálogos tipicamente bem escritos e figuras memoráveis, como o ótimo Michael Cera interpretando “secretamente” o ator Tobey Maguire.

O texto rápido é construído com uma execução ainda mais intensa, com Sorkin apostando em uma montagem intensa de Alan Baumgarten, Elliot Graham e Josh Schaeffer (notaram o número de pessoas aqui?) e invencionices visuais descartáveis, como o tosquíssimo efeito desacelerado no momento em que Molly é atacada por um mafioso russo ou os diversos gráficos e setas que aparecem desenhados na tela, de forma a “facilitar” a exposição, quando o efeito é justamente o oposto. É uma cilada parecida com aquela que Danny Boyle caiu em Steve Jobs, quando seu estilo visual parecia disputar espaço com a verborragia, vide a projeção do foguete na parede, enquanto Fincher e Bennett Miller compreendem que o texto do roteirista deve falar por si só; A Rede Social e Moneyball focam no diálogo e nas performances (um mirando no perfeccionismo, o outro no silêncio entre atos), enquanto Boyle e Sorkin parecem querer aumentar a velocidade a todo momento, o que mostra-se danoso para o tipo de história contado.

Porém, A Grande Jogada encontra seus melhores méritos quando concentra-se no que Sorkin faz melhor: duas pessoas em uma sala conversando, e é núcleo onde o advogado de Idris Elba entra. Situado no presente, após todo o trâmite com o pôquer e Bloom já ter escrito seu livro de memórias, vemos a protagonista discutindo sua trajetória e caráter com Elba, e a forma como o texto constrói a relação dos dois é de longe o melhor elemento do projeto, com um Elba particularmente excepcional. E claro, Jessica Chastain está formidável como sempre, entregando mais uma performance memorável como uma personagem cheia de camadas e possibilidades emocionais; ver uma atriz tão boa com um texto tão requintado é sempre um prazer, e agradeço a existência desse núcleo por tornar o filme mais interessante, e também por ser bem sucedido em aproveitar ambos os atores.

Roteirista renomado, talvez Aaron Sorkin deva repensar a decisão de dirigir. A Grande Jogada é um bom filme e traz mais um trabalho notável de sua habilidade em tecer diálogos deliciosos de se ouvir, assim como arcos e personagens todos muito bem completos, mas a experiência acaba pesada demais. A história já mostrou como seus textos acabam melhor aproveitados com a visão certa, e fica a impressão que – assumindo ele mesmo o comando de seus diálogos – ele acaba por banalizá-los, criando uma experiência pouco digna e proveitosa para palavras tão belas.

Ainda sonhando com a tão aguardada reunião de Sorkin com Fincher.

O Cinema merece.

A Grande Jogada (Molly’s Game, EUA – 2017)

Direção: Aaron Sorkin
Roteiro: Aaron Sorkin, baseado na obra de Molly Bloom
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Michael Cera, Kevin Costner, Jeremy Strong, Chris O’Dowd, Brian d’Arcy James, Bill Camp, Graham Greene
Gênero: Drama
Duração: 137 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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