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Crítica | Guardiões da Galáxia Vol. 2 (Sem Spoilers)

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Fazer a sequência de um filme aclamado sempre oferece seu leque de vantagens e desafios. Por um lado, é mais interessante do ponto de vista de roteiro colocar os personagens em novas situações, assim como desenvolver suas personalidades e o universo onde vivem; afinal, criá-los do zero e introduzi-los é um desafio muito mais complexo. Porém, manter o nível à altura de seu predecessor é algo difícil, e basta observar como as continuações de Homem de Ferro e Os Vingadores desastrosamente falharam em recapturar o brilho do original.

Para o cineasta transformado em estrela James Gunn, ele tinha um desafio ainda maior com este novo filme. Com Guardiões da Galáxia, o diretor e roteirista teve a vantagem de estar trabalhando com personagens desconhecidos pelo público geral, dando origem a uma estratégia de estúdios que acabou influenciando a chegada de adaptações de Deadpool e Esquadrão Suicida, pra citar os mais recentes. Com a continuação, Gunn tinha a tarefa de apresentar algo novo e que não soasse como uma mera repetição do original, além de manter justamente a essência que possibilitou seu sucesso. Para a alegria geral, Guardiões da Galáxia Vol. 2 é aquele raro tipo de continuação que supera o primeiro em todos os níveis, e o faz justamente por manter o foco em seus personagens.

A trama se passa algum tempo após o anterior, com o grupo formado pelo Senhor das Estrelas, Peter Quill (Chris Pratt), Gamora (Zoe Saldana), Drax (Dave Bautista), Rocket (Bradley Cooper) e o adorável Baby Groot (Vin Diesel) aproveitando a reputação favorável de sua aventura em salvar Xandar e a Tropa Nova para coletarem recompensas ao redor da galáxia. Quando um serviço para a raça batizada de Soberanos acaba terminando em um mal entendido, os Guardiões são postos sob a mira da impiedosa Ayesha (Elizabeth Debicki), que coloca os Saqueadores (liderados pelo Yondu de Michael Rooker) em seu encalce. Para complicar ainda mais, o misterioso Ego (Kurt Russell) encontra o grupo e revela-se como o pai perdido de Peter Quill.

Dinâmica de grupo

Em muitos sentidos, este novo Guardiões segue a fórmula certeira de algumas das melhores continuações já feitas, como O Exterminador do Futuro 2 e Homem-Aranha 2, mas a mais óbvia e apropriada é mesmo O Império Contra-Ataca. Assim como George Lucas, Irvin Kershner e Lawrence Kasdan fizeram no melhor episódio da franquia Star Wars, Gunn elabora um roteiro onde um fiapo de história muito simples é excepcionalmente preenchido com personagens e relações bem aprofundadas entre estes; e quando estes envolvem guaxinins falantes, árvores bebês e um sujeito que é literalmente um planeta vivo, acredito que vê-los interagindo e lidando com questões humanas é muito mais interessante do que uma mera pancadaria.

Literalmente todos os personagens do filme passam por algum tipo de dilema moral ou enfrentam conflitos com outros, eficientemente mostrando a evolução de uma relação entre indivíduos defeituosos e que foram unidos pelo único motivo de sobreviver em uma prisão. Agora, tal como um relacionamento, vemos Peter Quill e Gamora desajeitadamente lidando com a atração deste por ela, o fato de que Rocket é tão agressivo e egoísta com os outros, Drax cada vez mais perdido (e hilário) com sua incapacidade de entender metáforas e o próprio Baby Groot revela-se confuso e um peso quase desnecessário à equipe, além de promover uma dose de fofura.

Até mesmo Yondu tem um papel imensamente mais relevante aqui, que infere diretamente com suas decisões em ajudar Quill e os Guardiões no anterior, trazendo um bem-vindo drama para o personagem e em sua relação com o protagonista, e a ciborgue Nebulosa (Karen Gillan) tem a oportunidade de sair da cartunesca categoria de capanga a qual foi conferida no primeiro filme, ganhando mais profundidade e um peso maior em sua relação de irmã com Gamora. Surpreendentemente, o filme coloca esses elementos pessoais e dramáticos em primeiro plano.

E o melhor é que todos esses personagens têm uma distribuição favorável, sendo capaz de criar um equilíbrio perfeito entre suas histórias e núcleos narrativos. Temia pela inclusão de novos membros da equipe quando o longa foi anunciado, mas uma personagem tão rica e carismática como Mantis (Pom Klementieff), uma aliada de Ego que tem a habilidade de sentir emoções, torna a dinâmica do grupo ainda mais divertida – especialmente em suas interações com Drax, e aqui Gunn age sem medo de ser bobo ou exagerado e oferece um leque de piadas mais insano e histérico do que o original, com destaque especial para as referências aos anos 70 e 80 que o personagem de Quill lança constantemente.

Daddy Issues

Ainda seguindo a escola de O Império Contra-Ataca, Gunn separa os personagens para diferentes e ações e joga nosso protagonista em uma fascinante trama envolvendo sua paternidade. Quando o personagem de Ego é apresentado, vemos um lado realmente notável da escrita de Gunn, que mantém todo seu bom humor e habilidade em escrever diálogos sarcásticos, mas também revela uma naturalidade palpável ao lidar com um tema tão espinhoso, com Ego realmente demonstrando um apego por Peter e também por seu tempo na Terra. Então, aprendemos todo o passado do personagem e sua natureza realmente grandiosa e impressionante, indo mais longe na exploração do Universo Cósmico da Marvel do que qualquer outro filme da editora até então. É algo realmente belo de se ver, e ao mesmo tempo muito simples, e Russell merece créditos por dar vida tão bem a uma das figuras mais envolventes e complexas que o gênero já viu até então.

O elenco segue mais entrosado do que nunca. Chris Pratt segue com seu carisma invejável e um timing cômico acertado, mas revelando um lado mais interessante quando o personagem é tentado por forças sombrias aqui, onde o ator faz um ótimo trabalho ao equilibrar uma certa fúria com sua persona de crianção. Certamente notando a resposta positiva no primeiro filme, Gunn aproveita muito mais de Dave Bautista, que surge duplamente engraçado e exagerado como Drax, beneficiado também por algumas das melhores piadas e sacadas; e a confusão do ator diante de ironias e metáforas segue divertida, assim como a inesperada carga dramática que vemos aqui e ali quando o personagem recorda de seu passado. Zoe Saldana ganha mais o que fazer e garante uma Gamora mais complexa aqui, especialmente pela relação com sua meia-irmã Nebulosa, e confesso que alguns momentos entre as duas são realmente emocionantes em sua abordagem sincera – um tanto novelesca em certos momentos, mas nada menos do que eficiente.

Com um papel muito maior e relevante do que no primeiro filme, Michael Rooker traz um Yondu mais humano e menos fanfarrão, com um drama muito presente ao sofrer um motim de sua equipe de Saqueadores. A relação entre o alienígena azul e Peter Quill também ganha uma nova camada, e fico feliz que a Marvel Studios tenha dado a liberdade a James Gunn de fazer as coisas que ele faz aqui. E claro, temos o trabalho vocal agressivo e descolado de Bradley Cooper como Rocket, que segue divertido e garante bons momentos de sarcasmo aqui – e contribuem para a lição moral que o personagem precisa superar no longa. E, bem, Vin Diesel tem 80% de seu trabalho de dublagem aqui modificado pela edição de som, já que Groot tem uma voz muito mais aguda aqui. Eu disse 80%, vejam bem…

Gunn’ down

Não que isso signifique que Guardiões Vol. 2 seja um drama familiar, já que em suas ambições de espetáculo, o filme se sai tão bem quanto. Surgindo muito mais seguro e maduro na direção, Gunn já impressiona logo na memorável sequência de créditos de abertura, onde acompanhamos uma colossal batalha com um monstro extradimensional através do ponto de vista de um Baby Groot dançante ao som de “Mr. Blue Sky “ da Electric Light Orchestra, esbajando um elaborado plano sequência digital que diverte pela interação do pequenino personagem com a ação em grande escala ao fundo. De forma similar, Gunn mistura estilo e personalidade para a incrível cena em que Yondu e Rocket lidam com o motim dos Saqueadores, com muita câmera lenta, planos abertos e a canção “Come a Little Closer”, de Jay & The Americans.

E se mencionei duas canções ao analisar o trabalho de Gunn, é porque a seleção musical para o Awesome Mix Vol. 2 está fantástica, e o diretor sabe bem como aproveitar as músicas em seus diversos momentos. Há, inclusive, uma piadinha sensacional com um ator/cantor icônico que eu nunca imaginaria que poderia ser feita em um filme do gênero, e para que tenham a mesma surpresa que eu tive, paro de falar qualquer coisa relacionada ao assunto aqui mesmo.

A condução do diretor em sequências de ação mais diretas também melhorou consideravelmente, especialmente no quesito efeitos visuais. Além da já mencionada batalha com a criatura, temos duas cenas que envolvem centenas de pequenas espaçonaves perseguindo a nave principal do grupo, e Gunn se sai muito melhor ao não poluir a imagem com explosões ou destroços, além de estabelecer uma física de movimentos muito mais orgânica do que no primeiro filme. Isso sem falar na inventiva solução para o fato de que os heróis estariam cometendo um genocídio em massa durante as batalhas espaciais, colocando os tripulantes para controlar as naves remotamente em uma espécie de fliperama – o que curiosamente condiz com a natureza mais requintada dos Soberanos.

O melhor filme da Marvel Studios?

E um quesito que torna este Guardiões infinitamente melhor do que todos os seus antecessores é uma birra que muitos especialistas vinham apontando há tempos, e que você pode ver com detalhes neste ótimo video essay: a paleta de cores. Com o auxílio do diretor de fotografia Henry Abraham, e também pelo uso de um novo modelo da potente câmera RED e um trabalho mais evidente de color grading, Guardiões da Galáxia 2 é simplesmente maravilhoso de se olhar. As cores aqui são muito mais vibrantes e vivas do que os longas anteriores, e percebe-se que o nível de preto é nitidamente mais escuro e contrastado, com as luzes de Abraham constantemente balanceando tons quentes e azulados. O momento em que vemos a sala do trono dos Sobreanos é um dos pontos altos nesse quesito, pelo contraste impecável criado entre a pintura dourada dos habitantes e dos objetos com a parede branca e azul. É uma explosão visual no melhor sentido possível, e até o 3D torna-se relevante.

Finalmente a Marvel Studios consegue oferecer algo realmente incrível, depois de tanto tempo. Guardiões da Galáxia Vol. 2 é um filme onde percebe-se a total liberdade e segurança de seu diretor, seja em oferecer uma aventura verdadeiramente engraçada ou aprofundar nos sentimentos e na relação de seus personagens cartunescos, saindo dali com resultados imprevisíveis.

Guardiões da Galáxia Vol. 2 (Guardians of the Galaxy Vol. 2, EUA – 2017)

Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Bradley Cooper, Vin Diesel, Kurt Russell, Michael Rooker, Pom Klementieff, Karen Gillan, Elizabeth Debicki, Sean Gunn, Sylvester Stallone, Chris Sullivan
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 137 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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