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Crítica | Han Solo: Uma História Star Wars – O Espírito Matinê Vive

Dentre todas as decisões tomadas pela Lucasfilm em Star Wars após a compra da Disney, poucas geraram tanta desconfiança quanto o anúncio de um filme de origem de Han Solo. Coadjuvante carismático e cujas “lendas” a seu respeito tornavam sua figura misteriosa, o contrabandista de Harrison Ford na trilogia original (e em O Despertar da Força) rapidamente tornou-se um dos mais adorados de toda a saga de George Lucas, e explorar seu passado definitivamente era uma aposta arriscada, ainda mais quando consideramos a reação do público ao passado de Darth Vader na trilogia prequel.

Tornou-se ainda mais perigoso quando o estúdio demitiu os diretores Chris Miller e Phil Lord, anexados ao projeto em 2015, com algumas semanas de filmagem restantes para a conclusão, usando a velha carta das “diferenças criativas” com os produtores. Operário exemplar, Ron Howard foi chamado as pressas para finalizar e regravar este Han Solo: Uma História Star Wars. O resultado, com todas as chances contra seu favor, é surpreendentemente positivo, com Howard entregando um dos filmes mais leves e despretensiosos da saga até então.

A trama nos apresenta a Han (Alden Ehrenreich) quando ainda é um jovem vivendo nas ruas do planeta barra pesada de Corelia. Sonhando em escapar e comprar uma nave com sua namorada Qi’Ra (Emilia Clarke), ele acaba se afastando e envolvendo-se com o Império, onde passa três anos agindo como um soldado stormtrooper. Ainda desesperado para reencontrar-se com seu amor perdido, Han conhece o grupo de mercenários formado por Tobias Beckett (Woody Harrelson), sua namorada Val (Thandie Newton) e o escudeiro Rio (Jon Favreau), além do wookie Chewbacca (Joonas Suotamo), e vê ali sua chance de iniciar uma carreira lucrativa como contrabandista e fora-da-lei na galáxia. Neste primeiro trabalho, Han se envolverá com o gângster Dryden Vos (Paul Bettany) e cruzará caminhos com Lando Calrissian (Donald Glover).

Espírito de Matinê

Solo traz todos os elementos básicos de uma história de origem. Desde o nome do personagem até os pequenos acessórios que o compõem (blaster, dados metálicos, espaçonave), o roteiro de Lawrence Kasdan e seu filho Jonathan se diverte construir o Han que passaremos a conhecer aos poucos, com destaque para o início de sua relação com Chewbacca e as inesperadas circunstâncias do primeiro encontro da dupla. É um bromance que enriquece o filme, e admito que ver estes novos elementos só tendem a tornar o Han de Ford mais interessante, como o fato de este acolher Finn em O Despertar da Força, sendo que os dois compartilham o fato de serem desertores do Império – ou ver o protagonista envolvido em um romance muito mais quente e intenso do que aquele visto com a Princesa Leia de Carrie Fisher. É um filme todo repleto desses pequenos momentos, de personagens interagindo diante um jogo de xadrez holográfico ou caminhando pelos corredores da Millennium Falcon, quase como se estivéssemos diante de um seriado de TV de Star Wars – algo que sempre foi a proposta original de Lucas, com a estrutura de episódios e a inspiração dos “matinês”.

Nesse quesito, os Kasdan entregam um filme muito diferente daquele que estamos acostumados a ver na saga. Não há um peso dramático muito presente, os riscos não envolvem a salvação da galáxia ou a destruição de uma arma gigantesca, mas sim uma trama à moda antiga sobre mocinhos e bandidos em um mundo perigoso, tomando emprestada a fórmula consagrada do filme heist e também da atmosfera imprevisível de um faroeste – é de se surpreender com a coragem dos roteiristas em relação aos personagens que dão suas vidas aqui. Não dizendo que Chewbacca será tragicamente assassinado aqui, mas temos riscos reais em torno de nossos anti-heróis. É a melhor opção para o longa, tanto que o ponto fraco é justamente quando o roteiro tenta trazer um peso maior em relação à Rebelião ou a grande causa contra o Império, algo que soa forçado e que veríamos Han Solo abordar melhor em Uma Nova Esperança, e que surge extremamente deslocado aqui; além de atrasar a conclusão da história com uma cena de briga descartável.

O vilão de Paul Bettany também não demonstra uma ameaça ou presença tão marcante, mas acredito que não seja um grande problema, vide que o mais interessante está mesmo nos personagens e no universo onde habitam – pela primeira vez aprendemos mais sobre o submundo criminoso dessa galáxia, com guerras entre facções e diferentes “sindicatos”. Uma característica da qual os departamentos de design de produção e maquiagem se beneficiam ao apresentar novas criaturas e ambientes, mas sempre com alguma referência do mundo “real”; como a mesa de Sabbac que o ótimo diretor de fotografia Bradford Young ilumina como se estivéssemos em O Poderoso Chefão. A expansão desse mundo vai até mesmo no ponto onde ouvimos a “Marcha Imperial” de John Williams tocando como parte de uma propaganda de alistamento do Império, em um exemplo sutil de como se fazer sentir dentro daquele universo. É facilmente um dos longas mais ricos saga, especialmente em seus quesitos plásticos.

Às ordens

Na direção, temos o infalível Ron Howard. Não é um diretor com um estilo particularmente forte, tampouco uma marca autoral que nos faria reconhecer seu trabalho a quilômetros de distância, mas é um serviço bem feito. Não há nenhum tipo de inconsistência ou evidência de algum tipo de refilmagem (daqueles grotescos que vemos em Esquadrão Suicida ou Liga da Justiça), e Howard consegue contar uma história divertida e enxuta em um ritmo agradável com uma dose equilibrada de piadas. Pode demorar para engrenar, especialmente no estabelecimento dos jogadores no primeiro ato, mas a jornada funciona. E, nas obrigatórias cenas de ação, Howard é hábil ao manter uma geografia clara e enquadramentos sempre grandiosos, vide a excelente sequência do assalto ao trem em um planeta de neve, ou mesmo a sequência em que Han pilota um speeder quadradão que facilmente poderia ser vista em algum exemplar da franquia Velozes e Furiosos. Howard também é criativo no retrato visual de novas situações, especialmente a cena do Percurso de Kessel e as situações impressionantes que os personagens enfrentam a bordo da Millennium Falcon, fazendo bom uso também da ótima empolgante de John Powell, que sabiamente resgata alguns temas de John Williams.

Quando chegamos ao elenco, é hora de tirar o elefante da sala: como substituir Harrison Ford? Fácil. Tenha alguém com o talento de Alden Ehrenreich. Mesmo que um tanto distante do físico de Ford, o ator é uma força da natureza. É extremamente carismático e consegue, ao mesmo tempo em que emula alguns trejeitos do Han original, traz sua própria abordagem e um estilo mais malandro, mas que também entra em conflito com sua inevitável capacidade de ser “o mocinho”, algo que Qi’Ra aponta de maneira muito orgânica. Mesmo que Donald Glover faça um trabalho fantástico e charmoso como Lando, que Woody Harrelson surja completamente divertido e largadão como Beckett, ou que a própria Emilia Clarke traga seu carisma habitual sempre que está em tela, ninguém é capaz de desviar os holofotes de Ehrenreich. É um trabalho dificílimo, e que o ator parece resolver com tranquilidade. Confesso que, mesmo que as chances não estejam a favor dessa hipótese, gostaria de ver mais filmes com essa versão de Solo.

Com uma inesperada dose de surpresas que os fãs jamais poderiam imaginar, mesmo tratando-se de um prequel, Han Solo: Uma História Star Wars é uma divertida adição à cada vez mais expansiva franquia da Lucasfilm. Deixa os grandes riscos de lado para concentrar-se em uma aventura leve e descompromissada, carregada por um elenco fantástico e cenas de ação empolgantes o suficiente para nos entreter. Diante de todo o caos da produção, é um resultado muito além do esperado, e ainda deixa boas oportunidades para o futuro – ou passado – da saga.

Han Solo: Uma História Star Wars (Solo: A Star Wars Story, EUA – 2018)

Direção: Ron Howard
Roteiro: Lawrence Kasdan e Jonathan Kasdan, baseado nos personagens de George Lucas
Elenco: Alden Ehrenreich, Donald Glover, Emilia Clarke, Woody Harrelson, Thandie Newton, Joonas Suotamo, Paul Bettany, Phoebe Waller-Bridge, Jon Favreau, Warwick Davis
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 135 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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