em , ,

Crítica | Hereditário – Um terror que acerta em sua perspectiva

O terror vive uma ótima fase no cinema americano. Fruto de uma geração que cada vez mais rejeita os clichês e arquétipos que tornaram o gênero tão esquecível e fraco no início dos anos 2000, estamos vendo cada vez mais uma abordagem mais autoral na arte de fazer medo, remetendo ao que mestres como John Carpenter e William Friedkin realizaram nos anos 70, onde o terror de fato nos fazia importar com o drama e a vida de seus personagens. Depois de filmes como O Babadook e A Bruxa apostarem em uma atmosfera lenta e que agarra o espectador pela garganta, o diretor estreante Ari Aster entrega aquele que talvez melhor engloba esse tipo de horror com Hereditário, filme que definitivamente chega para conquistar seu lugar como uma das melhores produções do gênero nos últimos anos.

Também assinada por Aster, a trama começa quando a matriarca de uma família falece (dado que o roteiro elegantemente nos fornece ao iniciar a projeção com o letreiro de um obituário), deixando sua filha Annie (Toni Collette) em um período difícil e depressivo. Tendo que cuidar, ao lado do marido (Gabriel Byrne) dos filhos Charlie (Milly Shapiro) e Peter (Alex Wolff) e também de seu trabalho artesanal, as coisas pioram quando uma estranha presença sobrenatural passa a afetar o cotidiano de todos na casa.

Investimento dramático que compensa

Isso é o mais básico que posso explicar sem revelar spoilers, já que a narrativa de Aster é repleta de surpresas – e vendo agora os trailers de divulgação, posso atestar que a A24 fez um trabalho fenomenal em ocultar elementos básicos da história. Pode parecer como o básico terror da casa mal assombrada, mas Aster oferece muito mais do que isso. Durante grande parte da trama, assistimos algo que é muito mais inserido no drama familiar do que no terror propriamente dito, o que permite uma exploração aprofundada dos dramas psicológicos de cada um dos personagens; especialmente o pesado luto enfrentado pela protagonista de Collette. É um processo lento, mas um onde cada cena é essencial para o complexo quebra-cabeças que Aster vai montando, e à forma como o terror vai revelando-se é um dos grandes trunfos de seu roteiro.

Aliás, Collette entrega aquela que é facilmente a melhor performance de sua carreira no cinema. Encarnando todas as porradas emocionais que Annie leva ao longo de uma trajetória excruciante, a atriz é sempre muito expressiva e empática, constantemente caminhando por uma corda bamba entre o desespero e a completa insanidade; mesmo não sendo um desses casos, a hipótese de que os eventos do longa sejam frutos de uma mente doentia seria válida, caso Aster levasse a história para outra direção. Além de Collette, o jovem Alex Wolff (irmão de Nat) se mostra uma grata surpresa, sendo responsável por reações complexas e difíceis de serem compreendidas à primeira instância, mas que fazem parte de um trabalho admirável, especialmente quando sua importância à trama vai tornando-se mais evidente.

A jovem Milly Shapiro também merece créditos por sua participação, onde apenas suas expressões marcantes são o suficiente para nos manter interessado em seu arco, ao passo em que – por mais que seja o personagem com menos destaque – Gabriel Byrne é capaz de criar uma figura compreensiva e bem intencionada durante boa parte da projeção, e mesmo quando parece desistir dessa persona, o faz com um comportamento que não contradiz sua postura inicial. E, sem entrar em detalhes específicos sobre a personagem, Ann Dowd faz um excelente trabalho ao apresentar uma figura aparentemente amorosa, mas com intenções mais sombrias.

O Nascimento de um Cineasta

Quando entramos em um setor mais voltado para o terror, as habilidades de Aster não decaem. Com um domínio de câmera invejável e que mantém o espectador sempre imerso na atmosfera, cada enquadramento parece pensado e elaborado de forma a exacerbar um sentimento de inquietação – que já vinha presente nas seções anteriores. Seu estilo não está ligado de forma alguma ao jump scare, mas sim pela antecipação: antes de revelar alguma imagem mais sinistra, Aster sempre mantém a câmera no rosto de um personagem por um tempo considerável, fazendo-nos roer as unhas para ver o que se esconde do outro lado do eixo. Até mesmo quando o diretor nos revela as ameaças o espectador permanece inseguro, já que aposta em planos estáticos que trazem algum elemento nos olhando de volta, com intenções incertas; há um plano espetacular onde o espectador consegue enxergar uma figura escondida nas sombras durante um longo plano estático dentro de um quarto.

E prometi que não iria entregar spoilers, mas precisamos ao menos falar sobre o clímax. É quando Aster enfim junta todas as peças e nos faz compreender exatamente o tipo de história que estávamos acompanhando desde o início, e confesso que estou curioso para rever o filme e olhar com mais atenção para todo o foreshadowing presente. Através de uma exposição relativamente eficiente, Aster nos revela como todos os elementos da história caminhavam diretamente para uma inevitável conclusão, e por mais que não seja uma reviravolta inédita no gênero – e o clima hipnótico seja cortado por algumas linhas de exposição absolutamente desnecessárias -, a perspectiva escolhida pelo diretor/roteirista é o que torna sua revelação tão marcante. Assim como a fabulosa execução, que traz ecos de O Bebê de Rosemary e do recente A Bruxa, que ganham força pela espetacular trilha sonora de Colin Stetson.

Hereditário não é o filme de terror tradicional que cairá nas graças do grande público, se aproximando bem mais do estilo mais autoral e contemplativo que tem marcado produções de sucesso do mercado independente. Graças a uma direção impecável do estreante Ari Aster e um elenco fantástico liderado por Toni Collette, não é exagero atestar que este é um dos melhores filmes que o gênero já rendeu em muitos anos. Não é um terror fácil, mas o espectador que se permitir levar pela a história, definitivamente não sairá da sessão do mesmo jeito.

Hereditário (Hereditary, EUA – 2018)

Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Toni Collette, Alex Wolff, Gabriel Byrne, Milly Shapiro, Ann Dowd, Brock McKinney, Mallory Bechtel
Gênero: Terror
Duração: 137 min

Avatar

Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Creed II | A luta continua no primeiro trailer da continuação