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Crítica | Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Sem Spoilers)

Em um mercado saturado de super-heróis, poucos têm o mesmo apelo e identificação do público do que o Homem-Aranha. O alter ego de Peter Parker sempre se destacou por lidar com os problemas rotineiros da adolescência, lutando contra supervilões ao mesmo tempo em que precisa se preocupar com tarefas de casa e provas na escola. É uma abordagem que muitos fãs já cobraram nas encarnações anteriores do personagem, com Tobey Maguire e Andrew Garfield avançando rapidamente pela fase do colegial – onde as grandes histórias do personagem tomaram local.

Marcando agora o primeiro filme solo do personagem inserido no badalado Universo Cinematográfico da Marvel (em uma aliança inédita entre a Sony de Amy Pascal e a Marvel Studios de Kevin Feige), Homem-Aranha: De Volta ao Lar dedica-se a explorar esse lado mais escolar e adolescente do herói, até mesmo por apostar em um ator mais jovem, aliando isso à sonhada ideia em finalmente ver o Cabeça-de-Teia junto aos Vingadores. No fim, o filme entrega exatamente o que poderíamos esperar dessa proposta, e o resultado definitivamente é agradável.

A trama começa algum tempo após os eventos de Capitão América: Guerra Civil, com um animado Peter Parker (Tom Holland) começando uma nova carreira de super-herói com o uniforme lhe dado a ele por Tony Stark (Robert Downey Jr). Ansioso pelo próximo chamado para se juntar aos Vingadores, Peter precisa lidar com seus problemas cotidianos na escola, desde sua paixão pela colega Liz Allen (Laura Harrier) até o fato de seu amigo Ned (Jacob Batalon) descobrir sua identidade secreta. Para piorar, a cidade ganha uma ameaça incisiva na forma do Abutre (Michael Keaton), que planeja vender armas de destruição em massa resgatadas da Batalha dos Vingadores em Nova York.

Clube da Teia

Durante a campanha de divulgação do filme, a ideia do projeto por parte dos realizadores era fazer um filme que seguisse a escola de John Hughes, centrado em dramas adolescentes e humor mais leve – só que inserido na gama de super-heróis. De certa forma, o roteiro do batalhão Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Christopher Ford, Chris McKenna, Erik Sommers e o diretor Jon Watts acerta ao dedicar boa parte de sua duração a esse núcleo colegial, com diversas sequências em que Peter balanceia os afazeres da escola com sua atuação como Homem-Aranha; e há um humor acertado quando os roteiristas bolam ideias triviais e realistas que humanizam o personagem, como quando encontra-se em uma região sem prédios, impedindo que use as teias para se balançar e forçando-o a traçar um percurso a pé. 

As piadas funcionam na maior parte do tempo (sempre temos os excessos típicos de produções da Marvel, inevitavelmente), e muito deve-se também ao ótimo elenco. A começar pelo Peter de Tom Holland, que surge com o mesmo carisma promissor que havia sido apresentado em Guerra Civil, sendo uma mistura curiosa entre o aspecto nerd e tímido de Tobey Maguire e o jeito mais descolado e cool de Andrew Garfield, e dessa vez adicionando – pela primeira vez –  o explosivo entusiasmo de um adolescente em meio a um contexto grandioso, como na fabulosa sequência epistolar em que vemos gravações do celular Peter da batalha no aeroporto em uma espécie de vlog. De maneira similar, os coadjuvantes de Jacob Batalon, Zendaya, Laura Harrier e um elenco bem diverso também funcionam, especialmente Batalon por oferecer um alívio cômico preciso e espontâneo. Robert Downey Jr também chega na medida certa como Tony Stark, jamais sobrecarregando o filme ou roubando presença do protagonista, diferentemente do que o marketing indicava.

Fator que sempre é o elemento mais defeituoso na maioria das produções do gênero, o vilão Abutre é outro acerto inesperado. Michael Keaton oferece uma figura realista e que carrega uma motivação condizente e bem explorada pelo texto, que enfim expande o universo “menor” da Marvel ao ilustrar as consequências da batalha dos Vingadores em Nova York, com a equipe de Keaton resgatando armas e aparatos dos longas anteriores (até mesmo com referências ao andróide Ultron), e também pelo fato de a escola de Peter trazer diversos vídeos instucionais estrelados pelo Capitão América de Chris Evans. E com o Abutre sendo a representação de um trabalhador comum que perde seu emprego quando Tony Stark terceiriza seu trabalho de reconstrução da cidade, temos um antagonista multifacetado e que vai além de uma mera caricatura – e Keaton explora isso muito bem, especialmente quando aprendemos mais sobre sua vida pessoal.

Direção eficiente

Em quesito de direção, é mais um exemplo da escola Marvel de se utilizar diretores com pouca experiência para comandar grandes produções. No caso de Jon Watts, que só traz o indie A Viatura como trabalho anterior, o diretor faz um trabalho competente na construção de um bom ritmo e um equilíbrio natural entre humor e ação. Porém, Watts não se arrisca e também não oferece nada que traga personalidade ou que o diferencie de todos os outros diretores que já pisaram na Marvel até agora. A ação carece de imaginação e depende demais de efeitos visuais sem vida e artificiais, onde a ausência de uma cor vibrante e textura nos tecidos virtuais torna a experiência… passável, e até confusa; vide os cortes intensos e planos fechados durante uma luta entre o Aranha e Abutre em um avião. Ou, para ir mais além, a cena em que o herói tenta salvar uma balsa que se parte em duas, onde em momento algum temos o peso e sensação de perigo que deveria estar presente – a clássica jornada do herói.

É muito difícil não comparar com o trabalho fantástico de Sam Raimi, já que Watts não entrega nenhuma sequência do nível de uma cena do trem, aproximando-se do tipo de trabalho que Marc Webb fez em seus dois Espetacular Homem-Aranha (ainda que Webb mereça créditos pelo belo visual e contraste em seus filmes). Porém, Watts tem seus bons momentos, e curiosamente são aqueles que envolvem uma escala mais simples. Por exemplo, quando o herói escala o Monumento a Washington, há uma pausa no ritmo intenso e na música vibrante de Michael Giacchino para que o protagonista observe a altura e sinta um leve medo de nunca antes ter atingido um nível tão alto, e o enquadramento em plongeé do diretor ajuda a reforçar essa sensação vertiginosa. De forma similar – mas usando o recurso oposto – a cena em que Peter e o Abutre conversam em um carro instiga pela claustrofobia dos planos fechados, sendo uma bela herança da trilogia de Raimi.

E o coração?

Então chegamos ao grande problema do filme, que afeta tanto a ação quanto a história: emoção. Ainda que o longa permeie temas relevantes como a aceitação e amadurecimento de Peter como herói, enfatizando como o traje do Homem-Aranha deveria ser apenas um complemento a seu caráter – motivando a troca de roupa no terceiro ato, nunca temos uma aprofundamento realmente sincero e dramático. Basta lembrar como os filmes de Sam Raimi dedicavam tempo a sequências mais paradas, introspectivas e movidas por um texto bem escrito, que entregavam uma mensagem moral eficiente e eram capazes de nos motivar e inspirar. Aqui, não há nada disso, e deve-se apontar como a personagem da Tia May (vivida por Marisa Tomei) passou de um dos símbolos mais importantes da mitologia do herói, cheia de conselhos e mensagens poderosas, para só mais um alívio cômico; o único momento de afeto entre os dois é tão raso quanto uma piscina de bolinhas, já que o filme parece mais interessado apenas em chegar na próxima piada.

Nem mesmo o romance com Liz Allen gera um pingo de empatia, sendo apenas uma crush adolescente com pouco desenvolvimento, isso pelo roteiro não oferecer tempo o suficiente, usando o cenário de um baile como tentativa de aproximá-los e também pela falta de química entre Holland e Harrier. Talvez nem fosse pra ser, mas não é nada como Tobey Maguire e Kirsten Dunst na primeira trilogia, ou a química intensa entre Andrew Garfield e Emma Stone no arco de Webb. Confesso que sem esse desenvolvimento amoroso elaborado, o personagem torna-se um tanto… vazio. Ou talvez seja apenas minha nostalgia.

Mesmo com esses problemas, é inegável que Homem-Aranha: De Volta ao Lar seja o melhor filme do personagem em muito tempo. Não traz a emoção e o espetáculo de algumas da magistral trilogia de Sam Raimi, mas oferece uma abordagem jovial divertida e engraçada para o herói, favorecida pelo ótimo trabalho de seu elenco. Porém, ainda que divirta, é um pouco triste observar como o cinema de super-heróis só parece preocupado com o escapismo, sem muito a adicionar em sua proposta moral. 

Traz grandes poderes, mas sem muitas responsabilidades.

Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, EUA – 2017)

Direção: Jon Watts
Roteiro: Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna e Erik Sommers
Elenco: Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr, Marisa Tomei, Jon Favreau, Laura Harrier, Zendaya, Jacob Batalon, Donald Glover, Angourie Rice, Tony Revolori, Martin Starr, Bokeem Woodbine, Logan Marshall-Green, Michael Chernus, Michael Mando, Hannibal Buress, Kenneth Choi
Gênero: Aventura
Duração: 133 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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