No Brasil, muitas áreas de risco sofrem com a incidência das chuvas, que cobrem seus territórios com água e acabam por destruir centenas de lares e vidas humanas nesse processo. Sensação de crítica no festival de Sundance, Indomável Sonhadora me fez lembrar muito das imagens que dominam nossos televisores quase que em verão atrás do outro, e carrega consigo uma bela mensagem sobre preservação ambiental – e o papel que até o menor dos elementos desempenha neste.
Adaptada da peça Juicy and Delicious de Lucy Alibar, a trama gira em torno da garotinha Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), habitante de uma região pobre conhecida como “a Banheira” (apelidada assim por sofrer constantemente com as tempestades de chuva, que acabam por transformar suas casas em embarcações flutuantes). Em meio a desastres naturais e o avanço de uma doença grave de seu pai (Dwight Henry), ela busca entender seu significado no mundo.
Filme de estreia do diretor Benh Zeitlin, Indomável Sonhadora causou fervor em diversos festivais de cinema pelo mundo e ainda garantiu seu lugar nas principais categorias do Oscar deste ano (incluindo melhor filme, diretor e roteiro adaptado). E ainda que não considere uma obra digna de tanto prestígio (devido a alguns problemas que o longa apresente em sua peculiar execução), respeito a direção segura de Zeitilin e a forma com que este retrata a precariedade do cenário principal.
Isso porque o diretor – que surge sempre adotando uma câmera incessante e rodeada de tomadas “essencialmente indies” – não é sensacionalista como o telejornalista do noticiário das seis. Mesmo que seja de partir o coração observar um pai e sua filha navegando em uma jangada improvisada com peças de carro e eletrodomésticos, Zeitlin não conduz a cena a fim de encontrar a melancolia (não há uma música pesada e dramática em tais momentos, por exemplo) e consegue tirar situações mais interessantes graças ao roteiro que co-assina com Lucy Alibar. E os protagonistas, para nosso deleite, se beneficiam destas.
Acompanhar a complexa relação de Hushpuppy com seu pai Wink é o ponto alto do filme. Não só porque tanto Wallis (que tinha 8 anos durante as filmagens, vejam só) quanto Henry são intérpretes excepcionais, mas também pela admiração que a figura paterna gera ao se esforçar para garantir a sua filha bons momentos. Mesmo diante dos cenários mais extremos, Wink tenta tirar uma lição para ensinar a Hushpuppy de forma que não a degrade (a menção a ela como “man” é eficiente nesse quesito) e lutar contra a doença que lhe ameaça tirar a vida.
Com diversas passagens protagonizadas por criaturas pré-históricas que marcam presença simbólica (creio eu), Indomável Sonhadora explora de forma criativa e apropriada a relação de “causa e efeito” dentro de um ecossistema, enfatizando como cada pequeno elemento pode gerar consequências devastadoras, e também como as relações familiares podem ser comparadas com tal. É o grande indie da temporada de prêmios.