Depois de seu sétimo e mais celebrado filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, foi natural que Woody Allen quisesse mudar os rumos do seu cinema, até mesmo para se provar como cineasta, ainda que não precisasse. Afinal, o longa vencedor de quatro Oscars mostrou para aqueles que duvidavam do talento do criador de Bananas ou O Dorminhoco, uma comédia romântica primorosa, com boas doses de aprofundamento psicológico. Em Interiores, porém, a carga dramática foi toda vertida, em longos goles, nesse que ficou marcado como uma das obras mais secas do diretor.
Se por um lado é inegável a influência de Bergman (ao menos, da faceta mais conhecida de seu cinema) na abordagem de um núcleo de personagens sufocados em suas moradas (seus corpos, salas e casas), não se pode deixar de reconhecer uma firmeza na direção de Allen. Afinal, sua âncora é nada menos do que um dos papas do cinema moderno. A assinatura do cineasta sueco aparece ao longo de toda obra, no ritmo dos diálogos, nos silêncios, na expressão facial dos atores, sempre sisudos, incomodados, aliados ao ambiente e mais notavelmente nas cores em tons pastéis. A parte estas características estéticas mais imediatas, percebe-se uma forte dinâmica teatral na mise en scéne – em alguns momentos de maneira bem explícita e excessiva, que, se não prejudica o andamento do filme, torna suas irregularidades mais notáveis.
Feitas essas pontuações, fica mais claro perceber algumas abordagens psicológicas recorrentes no cinema americano que destoam da dramaturgia bergmaniana, direta e sintética. Após a apresentação de cada um dos sete personagens principais e suas características marcantes, o filme segue uma toada melancólica, inescapável, sem qualquer esperança. Nem com aquele mínimo de otimismo que uma das filhas tenta passar para a mãe, Eve (Geraldine Page), que há pouco entrara em depressão com o pedido de divórcio do marido, Arthur (E.G. Marshall). Quando as aparências passam a ser o sustentáculo de uma vida minimamente saudável, entre quatro paredes, sabe-se que há algo de errado. No caso, nem mais no interior do lar as aparências sobrevivem.
A matriarca, com problemas psicológicos, encara a crise com uma postura autodestrutiva, enquanto as filhas, incapazes de manter o casal, têm de cuidar de suas próprias inconsistências – seja na falta de rumo, seja na aceitação de sua mediocridade ou na qualidade da sua literatura em comparação com a de seu marido. E, sendo um filme de Woody Allen, os “grandes temas” da existência aparecem em situações muito particulares – especialmente o amor com a pulsão da morte. Nada, porém, que posteriormente não seja retomado, com ainda mais apuro e preocupação em filmes como Hannah e suas Irmãs (o drama bem equilibrado com a comédia), Maridos e Esposas ou A Outra.
Por um lado, Interiores se afirma como uma madura experiência de um (cinéfilo e) cineasta que reserva suas grandes proezas para os roteiros. Por outro, aparentemente até impulsionado pela cinefilia e pela necessidade de um gozo estético, Allen tenta introduzir algumas marcas distintivas (periféricas) nos avanços sexuais de Frederick (Richard Jordan) em Flyn (Kristin Griffith), por exemplo, ou nos papos mais filosóficos entre as irmãs, coerentes com o cenário intelectualizado no qual vivem as personagens, mas que acabam excessivamente artificiais. Destaque para um dos últimos momentos do filme, em que se abandona qualquer tentativa de naturalismo para representar a estagnação daquelas vidas, antecipando o luto de uma necessária virada.
É Pearl (Maureen Stapleton), socialite dos desejos fugazes, em toda a sua despretensão frente aos “intelectos”, com suas roupas em cores vibrantes (Technicolor em comparação com a paleta fria do filme), segunda mulher de Arthur, que vem perolar a desgraçada família. A figura externa, que prefere as praias da Grécia à História exposta em suas ruínas e museus, encerra a autodestruição após a morte de Eve. Se os problemas não acabam, pelo menos eles podem sair de suas cápsulas, presas à negatividade da matriarca.
Apesar de não ser seu melhor filme “sério”, nem dos menos encaixotados (quanto mais particular, mais universal Woody Allen consegue ser), Interiores consegue trazer um respiro para a carreira do diretor de comédias. No seu rumo tão certo, mas nem sempre tão certeiro, vale a certeza de que Allen e Bergman são inigualáveis.
Interiores (Interiors, EUA – 1978)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Kristin Griffith, Mary Beth Hurt, Richard Jordan, Diane Keaton, E.G. Marshall, Geraldine Page, Maureen Stapleton e Sam Waterston
Gênero: Drama
Duração: 92 min