O documentário, em si, é o gênero cinematográfico que visa trazer a realidade ou algo próximo disso para seu público, ainda que ela seja manipulada para agradar o ponto de vista de seu realizador como ocorre com diversos longas. Porém, em certo momento, alguns ousaram quebrar as regras e se valer da linguagem específica do documentário para retratar uma história de ficção de modo mais realista.
Assim nasceu o mockumentário, o subgênero que traz somente documentários falsos com forte viés pela comédia improvisada. Apesar de existirem desde os anos 1950, foi por conta de Rob Reiner que o formato se popularizou com o genial Isto é Spinal Tap, lançado na metade da década de 1980. Não fosse pela experimentação levemente comportada de Reiner, não teríamos exemplares fortes como Borat ou O Que Fazemos nas Sombras.
O Que é Spinal Tap?
Com a rápida concretização de tantas bandas de glam metal naquela década, Rob Reiner pensou em trazer a história da fictícia Spinal Tap para o público visando criar diversas situações absurdas e ridículas dos bastidores de uma banda de rock mais ou menos bem-sucedida realizando uma turnê decadente em diversos estados americanos.
Como grande parte do texto é improvisado e muito orgânico, Reiner, de modo impressionante, consegue encontrar uma boa estrutura para organizar o caos narrativo que Spinal Tap poderia ter se tornado. O tom do humor, certamente, pertence a uma era bem mais livre que ousava ridicularizar a própria idiotice dos integrantes da banda com piadas ofensivas que realmente funcionam. O curioso é notar como o humor varia dependendo da alternância de destaque entre os músicos, permitindo um alcance bem mais abrangente da comédia.
Nisso, Reiner cria cenas memoráveis envolvendo tanto o mito por trás dos inúmeros bateristas da banda – uma sátira clara do senso-comum de ser o membro mais descartáveis dos grupos, tanto como das constantes interferências de uma namorada dos integrantes causa na dinâmica dos terríveis negócios comerciais da banda, além de desagradar um agente atrapalhado, mas completamente apaixonado pelo trabalho.
Não cabe descrever as situações na crítica, pois certamente elas perderiam a graça quando o leitor fosse procurar o filme posteriormente, mas digo que existem momentos geniais, além de Reiner conseguir trazer uma aura absurda para as canções repletas de cunho sexual infantil, apesar dos arranjos serem sempre muito bem feitos.
O fato mais interessante é que, apesar de Reiner ter criado muitas das situações sem planejamento prévio antes da produção, muita gente envolvida com bandas de rock bem-sucedidas pensou que a Spinal Tap era uma banda real e que se tratava de um documentário sério. Quando descobriram que assistiram uma farsa, ficaram impressionados com a acuidade dos fatos que o diretor retratou no longa, pois diversos deles haviam experimentado diversas das situações embaraçosas apresentadas no longa.
Outro fato muito interessante é o de Reiner ter criado sim paródias intencionais para ridicularizar a pose de algumas bandas como Os Beatles e Led Zeppelin, porém acabou prevendo algumas galhofas que se aconteceriam anos mais tarde em shows históricos do Black Sabbath e do Kiss.
Na direção, em vez de Reiner se limitar a apenas fazer abordagens adequadas via cinema-direto, sempre há algumas sequências de entrevistas tradicionais muito inteligentes para conhecermos melhor cada um dos músicos e de suas histórias. Também é impressionante o nível de comprometimento do elenco que nunca abandona seus personagens, levando a sério o tom ridículo do longa que permite deixar o espectador ainda mais confuso.
O Falso Registro
Isto é Spinal Tap se trata de um dos filmes mais importantes da História por conseguir elaborar um bom caminho das pedras para os cineastas que desejavam muito criar uma ficção na estética muito livre dos documentários. Apesar de Rob Reiner ser um cineasta um pouco quadrado, é um fato que tenha conseguido se livrar de muitas amarras para criar essa história bizarra repleta de risadas genuínas, além de permitir uma olhadela no absurdo mundo dos bastidores das bandas de rock.
Na subversão plena da proposta conceitual do gênero documentário, tivemos a popularização de uma das formas mais eficazes da comédia cinematográfica. Nada melhor que uma farsa para trazer diversão verdadeira para todos.
Isto é Spinal Tap (This is Spinal Tap, EUA – 1984)
Direção: Rob Reiner
Roteiro: Rob Reiner, Christopher Guest, Michael McKean, Harry Shearer
Elenco: Rob Reiner, Tony Hendra, Christopher Guest, Michael McKean, Harry Shearer, Bruno Kirby, Billy Crystal
Gênero: Documentário, Comédia
Duração: 82 minutos