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Crítica | Jessica Jones – 1ª Temporada

Foi realmente surpreendente que um personagem do calibre B como o Homem de Ferro fosse responsável por um dos maiores sucessos de super-herói de todos os tempos. Isso mostra a força de uma narrativa bem feita e de um elenco perfeitamente escalado, regra que fora seguida com as subsequentes adaptações cinematográficas da Marvel Studios. Agora, todo mundo pelo menos já tinha ouvido falar ou visto alguma coisa sobre Capitão América, Thor e até mesmo o Homem-Formiga, mas acredito que quase ninguém que não fosse um aficionado hardcore sabia quem diabos era Jessica Jones.

A personagem é a protagonista da HQ Alias, de Brian Michael Bendis, e foi a escolhida para a segunda série da parceria entre Marvel e Netflix. Trata-se de uma super-heroína aposentada que agora segue uma vida de investigadora particular, isto quando não sucumbe a seus vícios em sexo, álcool e surtos violentos. Jessica é uma personagem difícil e que parecia perfeita para esse universo mais sujo e adulto a que fomos apresentados na Hell’s Kitchen de Demolidor.

Sob a alcunha da showrunner Melissa Rosenberg, Jessica Jones ganha uma primeira temporada com os costumeiros 13 episódios, mas aposta em uma narrativa um pouco mais linear do que a do amigão da viz… Quer dizer, o Demônio de Hell’s Kitchen. A trama já inicia-se com Jones (vivida por Krysten Ritter) atuando como investigadora enquanto temos indício de seu passado fantástico e de suas habilidades descomunais, que ela clama terem sido provocadas em um acidente. No meio de noitadas, biritas e escapadas sexuais, o caso de uma garota desaparecida chama sua atenção, especialmente quando ela suspeita que um antigo inimigo, o mais perigoso que já encontrou, esteja de volta para atormentar sua vida.

É uma excelente premissa que infelizmente fica aquém de seu gigantesco potencial. Desde a belíssima abertura que abraça o espírito do noir até a personagem-título. Jones em si é uma personagem fascinante por fugir de todas as convenções do gênero e trazer um perfil que dificilmente associaríamos a uma figura super-heroica, o que por si só é um ponto positivo por trazer diversidade a este famigerado gênero. A performance de Krysten Ritter é eficiente em trazer uma mulher perturbada e que simplesmente parece “cansada de toda essa merda” (a personagem mal troca de figurino na série toda, por exemplo), como seu discurso quase entediado e o olhar caído sugerem.

Isso se alterna quando Jessica conhece Luke Cage (Mike Colter), outro super-herói B que ganhará sua própria série ainda este ano. Também dotado de habilidades sobrenaturais, Cage é incapaz de se machucar graças à sua pele indestrutível, e temos aí o início de uma relação estranha, porém divertida de se acompanhar. Dois “super-heróis” em uma amizade colorida que vai desdenhando diferentes facetas de Jessica, em um bom trabalho de Ritter, que consegue muito expressar a dificuldade de Jones em se abrir com outro homem. Funciona bem até a reviravolta esdrúxula que coloca Jones diretamente relacionada a um trauma do passado de Cage, exigindo muita suspensão de descrença em tamanha coincidência.

Mas é mesmo com o vilão que a série realmente decola. Kilgrave, ou o Homem Púrpura é uma figura assombrosa que é capaz de provocar genuíno pavor graças a sua habilidade de impor seus desejos e ordens sobre qualquer um a seu redor – um poder batido e tradicional, mas cujo uso é muito criativo aqui. A performance de David Tennant é um dos motivos para que Kilgrave funcione tão bem, tendo o ator completamente mergulhado em uma figura manipuladora e sádica, que nitidamente tem prazer em torturar e bagunçar a vida de pessoas comuns. A obsessão com Jessica chega a ser tenebrosa, principalmente pelos flashbacks que nos revelam sua influência no passado da heroína e os atos que fora forçada a realizar sob o efeito de sua habilidade. É uma clara alusão ao estupro e aos abusos da mulher, e isso funciona de forma muito eficiente; graças também à sutileza do poder de Kilgrave – que inclui até mesmo o envio de fotos por celular!

O que fica a desejar é uma história melhor para jogadores tão engenhosos. A estrutura de 13 episódios certamente se revela como um problema aqui, já que a investigação de Jessica em torno do paradeiro de Kilgrave dá voltas e voltas, repete pontos de virada e fica presa em repetições temáticas irritantes. Por exemplo, temos cerca de três arcos diferentes, ficando preso em uma cíclica Escada de Penrose cujos degraus lêem: Kilgrave deve ser encontrado -> Kilgrave é capturado -> Kilgrave foge. É cansativo e pouco empolgante, com exceção das situações retratadas em AKA WWJD?, onde aprendemos mais sobre a relação passada de Jessica e Kilgrave em sua casa de infância, e AKA Sin Bin, onde Kilgrave encontra-se em uma elaborada jaula para um excitante interrogatório com Jones e as demais personagens. Só é triste que um vilão tão bom seja descartado de qualquer jeito na anticlimática conclusão.

A situação não melhora com as subtramas, que são tão esquecíveis que tive que rever praticamente a série toda em resumos da Wikipédia para escrever esta análise. A começar com a Trish Walker de Rachael Taylor, melhor amiga de Jessica que tem um arco dispensável com um policial que acaba tornando-se um stalker. São poucas as cenas entre as duas que realmente valem a pena, já que a personagem se limita ao velho clichê de “retomar os bons tempos de amizade” e não oferece muita profundidade. Pior ainda é o arco jogado de Carrie-Anne Moss como Jori Hoghart. Além de a personagem não ter um pingo de carisma nem qualquer característica que a torne algo além de “a chefe rabungenta”, a menos que você conte o tedioso arco que envolve seu divórcio e não leva a lugar nenhum. Puro filler.

Sem dúvida alguns episódios a menos fariam bem a Jessica Jones. O fato de termos uma jornada repetitiva em torno do vilão principal só comprova isso, e nenhuma das subtramas tem a força para preencher as lacunas da história principal. Uma pena, já que os personagens centrais são excelentes e mereciam um tratamento melhor.

Jessica Jones – 1ª Temporada (EUA – 2015)

Criado por: Melissa Rosenberg
Direção: Simon Cellan Jones, S.J. Clarkson, David Petrarca, Stephen Surjik, Uta Briesewitz, John Dahl, Billy Gierhart, Rosemary Rodriguez, Michael Rymer
Roteiro: Michael Gaydos, Jenna Reback, Scott Reynolds, Dana Baratta, Micah Schraft, Liz Friedman, Hilly Hicks Jr, Jamie King, Jack Kenny, Edward Ricourt
Elenco: Krysten Ritter, Rachael Taylor, David Tennant, Carrie-Anne Moss, Mike Colter, Will Traval, Susie Abromeit, Erin Moriarty
Emissora: Netflix
Episódios: 13
Gênero: Ação, Drama
Duração: 50 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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