Em 2004, Jogos Mortais chegou aos cinemas com uma premissa interessante e um orçamento baixíssimo em comparação a outras obras do gênero que o antecederam: um serial killer justiceiro iria colocar à prova a vontade de viver de pessoas que desperdiçavam sua própria existência com vícios, mentiras e decadência. Ainda que não seja uma obra-prima, esse suspense gore emergiu até mesmo com alguns ares existencialistas e viradas surpreendentes, além de colocar um dos grandes nomes da indústria contemporânea em cena – o do diretor James Wan, responsável por sucessos como Invocação do Mal e Sobrenatural. Depois de seu incrível sucesso de bilheteria, era mais que óbvio que o filme-solo iria se transformar em uma franquia. Infelizmente.
Na segunda parte dessa “odisseia”, Jigsaw/John Kramer (Tobin Bell), responsável pela arquitetura das inúmeras armadilhas e cenários caóticos, retorna com mais um de seus jogos, agora tendo como foco principal o insuportavelmente egocêntrico e violento detetive Eric Matthews (Donnie Wahlberg), porém de uma forma indireta. Ao deixar uma série de rastros para que fosse encontrado em condições deploráveis, John deixa suas regras bem claras para que Eric consiga resgatar seu filho Daniel (Erik Knudsen), raptado juntamente a outras cinco pessoas e encarcerado em um velho casarão desconhecido, utilizando a simples ideia de que as relações entre esses dois personagens são conturbadas ao pontos de precisarem de uma prova muito maior que eles pensam.
O detetive e sua equipe, trazendo o rosto familiar Allison Kerry (Dina Meyer), a qual já sabe como o assassino trabalha – mesmo que superficialmente -, permanecem a narrativa inteira tentando extrair informações de um obsoleto Jigsaw, cujas condições deploráveis aumentam sua caracterização arrepiante e dão mais profundidade às inúmeras metáforas vencidas que despeja durante os noventa minutos de filme. Afastando-se da ideia mais intimista do filme anterior, as cenas protagonizadas por duas forças tão opostas quanto essas – símbolos da paz e do caos – são coreografadas de forma insossa. O roteiro, assinado mais uma vez por Leigh Whannell, não se preocupa em criar uma nova perspectiva para o que já vimos em Jogos Mortais, mas sugere uma reciclagem mal feita das mesmas questões exploradas na primeira iteração.
O resultado não poderia ser diferente: Eric é uma composição tão canastrona e ignorante quanto o resto de seu time, apagado pela presença constante do conturbado detetive. A atuação de Wahlberg não ajuda em absolutamente nada, visto que a transição de seu personagem segue o irracional em detrimento de uma consequência factual: em outras palavras, ele é linear quando pensamos em ações e personalidade, mas tem momentos explosivos que não condizem com seus ideais e que são extremamente presunçosos. Isso sem mencionar todos os maneirismos clichês de personagens da lei, cuja sanidade é colocada à prova por um maníaco homicida. Já sabemos como a história se desenrola, e também sabemos como ela termina.
As coisas não são muito melhores dentro do casarão. Seis pessoas raptadas e ligadas por um elemento em comum, o qual irá ser explicitado provavelmente na passagem do segundo para o terceiro ato. Todos ali devem lutar pela sobrevivência, procurando antídotos espalhados pelos cômodos para refrear os efeitos de um gás venenoso cuja maximização é atingida em duas horas – e aqui está o primeiro twist: as portas se abrem após um período de três horas. Logo, não há nenhuma possibilidade de algum dos personagens sobreviver sem ter injetado a substância salvadora. Não sabemos muito sobre as novas vítimas de Jigsaw, mas é com grande surpresa que revemos Amanda Young (Shawnee Smith) mais uma vez nas garras de seu nêmeses. Para aqueles que não se lembram, Amanda já havia participado dos doentes jogos e vencido, sacrificando seu próprio namorado como forma de provar seu valor à vida, e, por mais que não entenda o motivo de estar lá, enxerga John como aquele que veio para tirá-la do mundo de desespero no qual havia mergulhado.
Em Jogos Mortais, as armadilhas e as pistas deixadas pelo serial killer compunham as sequências mais emocionantes, sem falar na grande virada que ficou conhecida como um epílogo game over. Na sequência, Whannell parece ter perdido a mão ao arquitetar cenas não tão intrigantes ou bem pensadas, e que principalmente contavam com movimentos muito bem demarcados dos personagens. Várias mortes e sacrifícios são feitos em estilo deus ex machina, valendo-se dos acasos e das chances “uma em um milhão” para funcionarem, o que tira a credibilidade dos fatos e dos acontecimentos. Apenas uma das armadilhas é realmente envolvente e que coloca umas das personagens em momentos desesperadores e chocantes: o poço de agulhas, dentro do qual Amanda é forçosamente jogada e, sendo furada por seringas e tubos quebrados, procura por uma chave.
A direção de Darren Lynn Bousman também é outro ponto fraco e que transforma essa continuação em um festival de amadorismos. Os bruscos cortes não seguem um padrão similar ao primeiro filme, preferindo muito mais optar por um compilado de pequenos frames justapostos e que mostrem a reação de cada um dos participantes do jogo frente à morte de alguém. Depois da segunda sequência desse tipo de montagem, o público sente um desconforto avassalador e que, querendo ou não, afasta da atmosfera de puro sofrimento e sacrifício prezados pela própria franquia. O ritmo do último ato é extremamente acelerado e parece entrar como um catalisador de emoções, obrigado os espectadores a adotarem posturas pré-determinadas para os eventos finais.
Os deslizes são inúmeros e quase imperdoáveis, mas cenas pontuais conseguem se salvar em meio a tantos equívocos: o plot twist, que agora já se torna marca registrada do panteão dos filmes, não é tão grandiloquente quanto o original; porém, a forma como ele é apresentado é muito interessante, brincando com os conceitos de tempo e confiança para colocar o suposto herói da história em um arco de punição consideravelmente satisfatório.
Jogos Mortais 2 é o mesmo do mesmo. Ainda que traga poucos pontos altos emergindo dessa sequência, o filme se constrói sobre patamares regurgitados e que simplesmente aproveitam de um conceito que funcionou para realizar uma cópia indigna e esquecível.
Jogos Mortais 2 (Saw II, EUA – 2005)
Direção: Darren Lynn Bousman
Roteiro: Darren Lynn Bousman, Leigh Whannell
Elenco: Tobin Bell, Shawnee Smith, Donnie Wahlberg, Erik Knudsen, Franky G, Dina Meyer, Glenn Plummer, Emmanuelle Vaugier, Beverly Mitchell
Gênero: Suspense, Terror
Duração: 93 min