em ,

Crítica | A Lei da Noite

Alguns gêneros do cinema precisam de certos cuidados para serem executados. Claro que todos esses gêneros possuem seus respectivos clássicos – mas alguns clássicos são mais clássicos que outros. Alguns filmes definem elementos do gênero, e não fugir muito a esses elementos pré-determinados pode tornar um filme enfadonho e previsível. Esses são alguns dos problemas que afetam aquele que deveria ser a “menina dos olhos” do diretor em ascensão Ben Affleck – A Lei da Noite.

A maior dificuldade de Affleck na sua segunda adaptação de um romance de Dennis Lehane – tendo sido o primeiro Medo da Verdade – é justamente o fato de que ele não conseguiu decifrar com tanta precisão o gênero de filmes de máfia, construindo uma narrativa genérica, que em nada acrescenta a essa linhagem com tantos clássicos. E isso tem motivo – por aqui, nós chamamos de “não querer largar o osso”.

Affleck pisou no caqui em A Lei da Noite, cometendo um erro muito comum – acúmulo de tarefas. Astros hollywoodianos também são gente como a gente, e, assim como a gente, quando eles entram em um modo multitask, as chances de eles fazerem besteira aumentam exponencialmente. No filme, ele não apenas dirige e atua, o que por si só já é um fenômeno, como também produz E assina uma parte da adaptação do roteiro. É como uma daquelas bandas de um homem só – mas ao invés de o seu equipamento custar algumas centenas de dólares para ser ignorado por algumas dúzias de pessoas, Affleck gastou milhões de dólares para apresentar algo genérico para milhões de pessoas.

O período é a Lei Seca entre os anos 20 e 30 nos EUA, época de ouro dos mafiosos americanos. Joe Coughlin é um bandido independente, com um certo senso de honra, que decide aprontar para cima de Albert White, um dos chefões do crime de Boston. Após o golpe bem sucedido, ele chama a atenção de outro chefão, Maso Pescatore, que tenta alicia-lo sem sucesso. No decorrer dos golpes, Goughlin se apaixona por Emma, mulher-bibelô de White. O envolvimento dos dois vai custar caro para Coughlin, que terá que ir para a Flórida, onde sua vida começar a mudar.

E esse é realmente apenas o início da trama. Porque outro dos grandes problemas do filme é a dificuldade na transição entre os seus episódios. Dividir o filme entre partes não e necessariamente algo ruim, mas essa transição precisa de fluidez, coerência e um certo peso das consequências de um ato para o outro.  Personagens são apresentados e somem. Atos graves, de grande impacto, ocorrem, mas suas consequências não são sentidas.

Tudo se cria como tudo se resolve com a mesma facilidade, com uma transição truncada que faz parecer que nada realmente importa, e que o filme poderia ser reduzido ao encerramento de cada ato, e tudo ficaria na mesma. Cada parte de A Lei da Noite, salvo por um ou outro aspecto específico, é completamente independente da outra. E isso não é algo bom quando a óbvia intenção do filme é fazer você se envolver com a trajetória do protagonista.

O que apresenta outro problema grave – a atuação do seu protagonista. Não necessariamente porque ele seja ruim – este catastrófico crítico não chega nem perto de pegar no pé de Affleck por birra como fazem muitos outros – mas porque existe um evidente desnível entre ele e seus coadjuvantes.

Enquanto todos parecem se esforçar, com grande sucesso, para construir personagens críveis e vivos desse período dos EUA, o Coughlin de Affleck parece perdido no tempo – em muitos sentidos. Ele fala como Affleck, tem sotaque de Affleck, se porta como Affleck. Mas seus coadjuvantes mergulham nos seus personagens, dragando toda a atenção para esse desnível. Não obstante, é inevitável pensar se o sucesso dos coadjuvantes não é resultado da boa direção de atores de Affleck, e como teria sido se ele tivesse se restringido a essa função ao invés de querer abraçar o mundo.

E essa não é a única evidência nesse sentido. Toda a direção de arte e trilha sonora são muito belas, e ao menos pincelam o ar épico não realizado pelo resto do filme. As tomadas em ambientes tão distintos como Boston e Tampa, na Flórida, recebem as fotografias apropriadas, e os cenários se mesclam aos personagens. Saber que o filme é esteticamente belo, sem conseguir realizar sua proposta muito provavelmente pelo acúmulo de tarefas do seu diretor, torna A Lei da Noite um processo ainda mais frustrante – mesmo que um deleite para olhos e ouvidos.

Affleck é um diretor de estilo clássico – correto e firme, sem grandes afetações, valorizando a beleza natural que a arte audiovisual oferece. Ele não é tolo, nem ignorante. O que nos leva a crer, objetivamente, que A Lei da Noite é um velho caso de boa ideia/má execução. E a razão disso foi seu idealizador e realizador ter transformado um belo projeto em uma egotrip. Os motivos são incertos, mas o pensamento de que Affleck está querendo escapar do estigma de um certo Morcego, principalmente dadas as declarações recentes sobre o assunto, é bastante contundente.

Só podemos esperar então que Ben Affleck aposente a capa logo – antes que a capa comece a aposenta-lo.

A Lei da Noite (Live By Night, EUA – 2016)
Direção: Ben Affleck

Roteiro: Ben Affleck, Dennis Lehane
Elenco: Ben Affleck, Elle Fanning, Brendan Gleeson, Chris Messina, Sienna Miller, Zoe Saldana, Chris Cooper
Gênero: Gangster, Drama
Duração: 129 minutos.

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

Perfil oficial da redação do site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Oscar 2017: Um Especial Bastidores | Volume IV | Categorias Principais

Alien: Covenant | Confira uma cena de 5 minutos do filme