A vida é uma incessante sucessão de coincidências ou existe um grande plano por trás de tudo? A invisível mão de um ser superior rege os fios do destino ou nosso livre-arbítrio reina, evocando o caos através da infinita incerteza? Nos primeiros minutos de Magnólia, através da voz em off de Ricky Jay, narrando eventos tão improváveis de acontecerem que soam meticulosamente calculados, Paul Thomas Anderson deixa claro que isso tudo que vivenciamos não pode ser mera obra do acaso, há algo por trás de tudo que une essas milhares de aparentes coincidências – se são Moiras, Deus, ou qualquer outra metafísica explicação, cabe ao espectador decidir.
Dito isso, as três horas de duração da obra se concentram unicamente em um dia da vida de distantes indivíduos que convenientemente são conectados por apenas detalhes. Não temos aqui um filme onde os inúmeros personagens eventualmente se unem. Não, as diferentes faces da narrativa são tratadas à parte, mas ganham união dentro do amplo contexto e, é claro, na mente do espectador. Tal aspecto é, sem dúvidas, um dos pontos mais atraentes do longa e, a cada minuto que passa, a confusão imediata do primeiro terço da projeção torna-se uma engajante experiência que traz a audiência para dentro de si.
Estabelecer a coesão dentro de narrativa tão fragmentada, porém, não é algo fácil, especialmente considerando a gigantesca diferença entre os personagens demonstrados. Anderson, no entanto, compõe esse cenário com maestria, unindo os mais distantes aspectos através da psiquê de suas construções. Não refiro-me apenas as emoções apresentadas e sim uma harmonia de tons que transformam distintos planos em sequências organicamente estruturadas. Desde o pai que busca o perdão do filho até o policial ansiando por uma auto-afirmação, Magnólia desenha um quadro vasto, cujas extremidades não poderiam estar mais conectadas umas com as outras. Trata-se de um ritmo extasiante, que surpreendentemente não apresenta quebras de imersão, tornando três horas em um piscar de olhos.
Naturalmente, um dos aspectos de maior nota é a trilha de Jon Brion, que lustra ainda mais essa superfície, removendo qualquer imperfeição. O encadeamento narrativo é eficientemente disfarçado pelas notas das melodias que se mantém de plano em plano, conforme pulamos de ponto de vista em ponto de vista. A magistral montagem de Dylan Tichenor, que repetiria o trabalho com P.T. Anderson novamente, ganha, portanto, vida ao trabalhar em uníssono não só com o roteiro, mas com todos os diferentes pontos da obra, que a tornam cada vez mais fluida.
Todos esses esforços, contudo, cairiam por terra não fosse um cuidadoso casting e, evidentemente a magistral direção exercida por Anderson. John C. Reilly e Philip Baker Hall retornam de Jogada de Risco, ao lado de dezenas de outros atores, como Philip Seymour Hoffman, Julianne Moore e Tom Cruise, dividindo o tempo em tela em um roteiro tão bem construído que evidentemente não garante preferência a um em detrimento do outro. É impossível não enxergar o quão cada ator se entregou dentro do papel e uma cuidadosa direção evocou a exata emoção necessária dentro de cada cena. Das mais sutis mudanças nas disposições, perfeitamente exemplificada pela entrevista a Frank T.J. Mackey (Cruise), até o verdadeiro mental breakdown de Linda Partridge (Moore) não podemos deixar de acreditar verdadeiramente em cada uma dessas peças meticulosamente posicionadas.
Favorecendo ainda mais essa construção, temos a fotografia do excepcional Robert Elswit, que entende as necessidades do tom narrativo, evidenciando suas nuances através do ritmo que a imagem apresenta. Ora planos mais estáticos, ora repentinas aproximações, que evocam nítidas emoções no espectador. Percebam como o frenesi, a tensão, a calma dialogam cuidadosamente com os movimentos de câmera, tudo é pensado como deveria ser e a presença dos constates travellings evidencia a importância estrutural de tais movimentos dentro da trama. São eles que, como já dito anteriormente, sugam o espectador para dentro da história, fazendo dele um observador ativo dessas diferentes faces exibidas.
Antes de encerrar esta crítica, naturalmente, não poderia deixar de tecer um breve comentário sobre o evento ocorrido no clímax da obra – quem assistiu ao filme não precisará pensar muito sobre a que me refiro. Taxado como uma resolução preguiçosa por inúmeros críticos, a chuva providencial dialoga perfeitamente com o aspecto metafísico estabelecido desde a narração inicial de Ricky Jay. Voltamos, portanto, ao questionamento sobre as coincidências e o surreal ocorrido no trecho final do longa é, portanto, um grito do diretor que busca reiterar sua tese inicial. Ao mesmo tempo, a narrativa assume um caráter quase religioso, como uma tentativa de uma força maior em unir de uma vez por todas, diretamente, esses distantes personagens que vivenciam um sombrio momento de suas vidas. A chuva é catártica e estabelece o ponto de ruptura dentro da vida de cada um desses personagens, garantindo ao roteiro a nítida sensação de desfecho da maneira mais inusitada possível.
Magnólia é um verdadeiro estudo de personagens pela visão única de Paul Thomas Anderson. É uma experiência que foge completamente dos padrões ao ser munida de coragem que preenche cada aspecto da produção. Como os personagens que vivem nesse complexo cenário, cada ponto – desde a fotografia até a trilha sonora – trabalha sinergicamente a fim de compor um único dia da vida das mais diferentes pessoas. Em três horas, Anderson nos faz deixar de acreditar em simples coincidências.
Magnólia (Magnolia – EUA, 1999)
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Tom Cruise, Philip Baker Hall, Melinda Dillon, Jeremy Blackman, Michael Bowen, William H. Macy, Philip Seymour Hoffman, Jason Robards, Julianne Moore, John C. Reilly
Gênero: Drama
Duração: 188 min.